Pena de morte

Estados Unidos criam tradição de desrespeito às decisões de Haia

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29 de setembro de 2008, 11h03

Cortes de Justiça dos Estados Unidos criaram a estranha tradição de descumprir decisões da Corte Internacional de Justiça da ONU. Passou a ser comum deixar de dar assistência consular a estrangeiros presos sob suspeita de crimes graves no país e depois aplicar a pena de execução, mesmo depois de a Corte de Haia conceder liminar para suspender a pena até o julgamento do mérito.

Desde 1988, cerca de 20 cidadãos estrangeiros que não tiveram seus processos acompanhados pelo cônsul de seu país, em flagrante desrespeito ao artigo 36 da Convenção de Viena de 1963, foram submetidos à pena de morte nos Estados Unidos. O país é signatário do acordo internacional.

Depois de muitas execuções e decisões desrespeitadas, os integrantes da Corte Internacional descobriram o motivo da insubordinação das cortes norte-americanas. A versão em inglês do Estatuto da Corte Internacional tinha uma linguagem ambígua e sugeria que o cumprimento de medidas cautelares era uma proposta, uma possibilidade, não uma decisão, como explicou o brasileiro Francisco Rezek, que atuou durante nove anos em Haia. A explicação foi dada durante Mesa de Debates organizada pelo Departamento de Direito Internacional e Comparado da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, no dia 24 de setembro.

Segundo ele, isso acontece com freqüência no Direito Internacional. Muitos países só aceitam assinar acordos e tratados se, na tradução, puderem trocar as palavras que quiserem por aquelas que melhor convir. No entanto, Rezek lembra que “em parte alguma do mundo, tribunais aconselham, deixam em aberto. Tribunais mandam”.

O Caso Avena foi o que mais chamou a atenção e surpreendeu os integrantes da Corte Internacional. E foi também o primeiro em que o Tribunal Internacional de Justiça se manifestou de forma severa em relação ao cumprimento de suas decisões.

Em janeiro de 2003, o governo do México contratou o advogado americano Donald Francis Donovan para cuidar do processo em que o Estado pedia a revisão e reconsideração das 54 sentenças que mandaram mexicanos para o corredor da morte. O principal argumento era justamente a falta de assistência consular aos réus.

Um ano depois, a Corte Internacional aceitou o pedido de liminar para suspender a execução dos mexicanos. A morte de José Ernesto Medellín, um dos beneficiados pela decisão e condenado por estuprar e assassinar duas menores em 1993, já estava marcada para o dia 5 de agosto de 2008 no Texas.

Em 17 de julho de 2008, dia do julgamento do mérito do processo, o tribunal determinou definitivamente a suspensão da pena de cinco mexicanos, inclusive, a de Medellín. Foram sete votos a favor e quatro contra. O desconhecimento das leis locais, da língua e da cultura deram razão ao argumento de cerceamento de defesa. No dia marcado, ele foi executado.

Caso antigo

Segundo Rezek, que já teve duas passagens pelo Supremo Tribunal Federal e hoje atua como parecerista, a primeira ação por falta de assistência consular aos presos estrangeiros nos Estados Unidos chegou a Haia em 1998. O chamado Caso Beard envolvia o governo do Paraguai. O cidadão foi preso e condenado a morte por homicídio, em 1992, no estado da Virgínia.

Antes de recorrer à Corte Internacional, o Paraguai tentou medidas diplomáticas e ações na Justiça americana, sem sucesso. Depois da medida cautelar concedida pelos juízes, o paraguaio foi executado. E o governo do seu país não quis aguardar o julgamento do mérito do processo. Afinal, ele já tinha morrido. O Paraguai, então, desistiu do processo.

O caso alemão dos irmãos LaGrand foi o que primeiro em que a Corte chegou ao mérito da questão, apesar de ter acontecido a mesma coisa. A Corte do Arizona desrespeitou a liminar e executou os dois irmãos. Eles foram condenados por assaltar um banco com armas brancas e, diante da reação do gerente, o mataram.

A Alemanha alegou durante as audiências que o artigo 36 da Convenção de Viena passou a ser mais que um direito individual. Um direito humano. Rezek afirma que durante uma semana, “da manhã de segunda-feira até o pôr-do-sol da sexta-feira”, os juízes analisaram este argumento. Concluíram que o dispositivo de fato cria direito individual, mas preferiram não entrar na questão de direitos humanos e usaram outra expressão para tratar do assunto.

Rezek foi questionado, no evento da USP, sobre a possibilidade os Estados Unidos recorrerem à Corte Internacional de Justiça se o artigo 36 da Convenção de Viena for desrespeitado em prejuízo de um dos seus cidadãos. Ele disse que o país tem todo o direito de entrar com ação e pedir que a norma seja cumprida. “Poderiam até conseguir decisão favorável, mas não poderiam reclamar se a determinação de Haia não for cumprida”, alertou.

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