Mutação constitucional

Mudança em interpretação da CF causa insegurança jurídica

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28 de setembro de 2008, 0h00

Ainda que o texto legal permaneça o mesmo, é natural que haja mudanças no modo de os juízes interpretá-lo. Os tribunais tendem a absorver as mudanças culturais e de valores da sociedade. Entretanto, há no Supremo Tribunal Federal o debate sobre a possibilidade de o próprio Judiciário revisar a Constituição Federal, que em 2008 completa 20 anos.

Organizador do I Congresso Brasileiro de Estudos Fiscais, feito pela Procuradoria Regional da República da 2ª Região, no Rio de Janeiro, o procurador Luís Cesar Souza de Queiroz chamou a atenção para a discussão, pendente no STF, com o pedido de vista do ministro Ricardo Lewandowski, na Reclamação 4.335-5.

O procurador entende que as mudanças na interpretação dos textos geram insegurança jurídica. Para ele, o STF pode acabar substituindo o Poder Legislativo. “É uma decisão muito delicada”, afirma. E, no que se refere às questões tributárias, constata, pode ser muito perigosa.

Para exemplificar os efeitos das mudanças de interpretações em matéria tributária, Luís Queiroz citou a Súmula 584, de 1973, do Supremo. Segundo o procurador, com a edição da súmula, a Corte afastou o princípio da anterioridade no que diz respeito ao Imposto de Renda. Isso porque, com a súmula, uma lei publicada no final de dezembro de determinado ano, por exemplo, criando ou aumentando um tributo, deveria ser aplicada no próprio ano em que foi instituída e não no exercício subseqüente.

Entretanto, explica, houve uma reação “fortíssima” ao STF, que acabou por rever o posicionamento. Em decisão na Ação Direta de Constitucionalidade 513, foi superada a questão, ao estabelecer que o aumento, e não correção, do imposto não ocorre no mesmo exercício de quando a lei é criada. Mas, disse o procurador, a partir de 1988, a 1ª e a 2ª Turmas do Supremo voltaram a aplicar a Súmula 584.

Para Luís Queiroz, uma coisa é a chamada mutação constitucional clássica em que há, por exemplo, três interpretações quanto a algum aspecto da Constituição e uma delas é adotada pelo STF. Com o tempo, pode existir uma mudança no entendimento. “Isso é inevitável”, afirma. Situação diferente, explica, é quando os ministros passam a entender que aquelas interpretações existentes estão ultrapassadas e propõem um novo texto.

O procurador citou os votos dos ministros Gilmar Mendes e Eros Grau. Segundo Luís Queiroz, os ministros reconheceram que o STF pode abandonar o texto constitucional consolidado e adotar entendimento diverso. A reclamação em questão trata de matéria penal. Mas, segundo o procurador, poderá afetar qualquer matéria do Direito.

Demandas da sociedade

O constitucionalista Luís Roberto Barroso, em entrevista ao Consultor Jurídico, explicou que, nos Estados Unidos, na década de 50, a Suprema Corte americana determinou que todos os estados admitissem em suas escolas públicas tanto crianças brancas quanto negras. Isso porque, antes, havia escolas só para brancos ou só para negros. “A Suprema Corte determinou a integração. Isso não foi feito por lei, nem com o apoio do Legislativo”, afirmou.

Para Barroso, o STF não está legislando. O advogado lembrou que nem sempre o Congresso atende as demandas da sociedade a tempo. “Nos espaços em que havia demandas sociais importantes e o Legislativo não atuou, o Judiciário se expandiu”, constatou.

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