Busca de integração

O Brasil e as vantagens de sua vocação latino-americana

Autor

  • Walter Ceneviva

    é advogado e ex-professor de direito civil da PUC-SP. É autor entre muitas outras obras do livro "Direito Constitucional Brasileiro". Mantém há quase 30 anos a coluna Letras Jurídicas na Folha de S. Paulo.

27 de setembro de 2008, 11h04

O artigo 4º da Constituição brasileira passou mais ou menos despercebido, ao menos quanto ao seu parágrafo único. Está nesse dispositivo que “a República Federativa do Brasil buscará a integração econômica, política, social e cultural dos povos da América Latina, visando à formação de uma comunidade latino-americana de nações”. Buscará como?

A resposta abrupta, sem maior meditação, pode levar às variáveis mais estapafúrdias, em particular nestes dias em que se fala da crise financeira mundial, em que a superpotência quer a ajuda de todos, em nova virada da doutrina Bush, a qual prometia fazer o que conviesse aos Estados Unidos, sem consideração maior pelos interesses alheios.

Independentemente da consideração pelo “bushismo”, são conhecidas as posições que vão desde os defensores da comunidade sul-americana — com o Brasil à frente — até os que a repelirão, porque não nos bastamos nem para nossos males. A integração latino-americana pensada pelos constituintes, a contar de proposta de André Franco Montoro, é uma forma de nos resguardarmos contra os perigos econômicos e sociais que o mundo moderno oferece.

Claro que há problemas como os da criminalidade crescente, das deficiências do aparelhamento público, da corrupção difundida na administração e na política, das deficiências operacionais, contrapostas aos que, detendo o poder econômico, tiram vantagem do acesso aos chefes da administração.

Para um posicionamento sensato, cada cidadão deve compreender que o Brasil parece destinado a ter ligações próximas, de predomínio histórico, com as realidades latino — americana e africana. São os cenários naturais para nossos interesses, em face dos quais poderemos ter laços fortes de amizade, ao mesmo tempo em que economicamente vantajosos, pela origem semelhante, pela acolhida de imigrantes, pela tomada de territórios índios.

Os sistemas legais da América Latina, apesar das naturais diferenças, têm a mesma origem romana e a influência legislativa dos exemplos europeus. A estrutura social varia de país a país, mas, mesmo assim, é mais familiar ao brasileiro do que outros países do mundo. Mesmo a distância gerada pelos idiomas diferentes não é tão grave, ao menos na classe média, em que o índice de escolaridade tende a facilitar a comunicação.

E a economia? Precisamos do gás boliviano, por um prazo relativamente breve, quase que por intromissão das atuais injunções políticas. Temos o consumo de frutas e dos vinhos argentinos e chilenos. Temos no Uruguai mecanismos de relação monetária internacional. Mandamos para lá parte de nossa produção automotiva, como acontece com a Argentina. Dividimos Itaipu com o Paraguai. Poderemos ter acesso ao oceano Pacífico, facilitando a exportação de nossos bens de consumo, através do sul do Peru, e compensarmos os peruanos com o acesso ao oceano Atlântico, do mesmo modo que os paraguaios.

No momento em que o Brasil tiver uma saída para o Pacífico, com boa linha ferroviária por dentro da Bolívia, até o norte do Chile ou o sul do Peru (em óbvia projeção para longo prazo, no interesse comum), compreenderemos melhor as vantagens da vocação latino-americana, em nada restritiva às relações gerais com o mundo.

Artigo publicado no jornal Folha de S. Paulo neste sábado (27/9).

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    é advogado e ex-professor de direito civil da PUC-SP. É autor, entre muitas outras obras, do livro "Direito Constitucional Brasileiro". Mantém há quase 30 anos a coluna Letras Jurídicas, na Folha de S. Paulo.

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