Crime empresarial

É preciso lei para regulamentar aplicação de pena a pessoa jurídica

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26 de setembro de 2008, 15h28

As pessoas jurídicas de direito privado possuem cada vez mais importância dentro do cenário político-econômico, trazendo, inclusive, reflexos para a vida social da população. Contudo, tais entes, no momento em que exercem suas atividades, proporcionam perigo constante à sociedade; é, portanto, inerente à atividade empresarial a possibilidade da produção de danos, em especial no campo da Ordem Econômica e contra o meio ambiente, gerando a chamada criminalidade da empresa.

A partir desse entendimento acerca da existência de novo tipo de criminalidade, muitos doutrinadores admitem a responsabilidade penal das pessoas jurídicas. Contudo, a grande discussão recai sobre a possibilidade de aplicação das sanções penais às empresas infratoras. Dessa forma, é possível encontrar dois posicionamentos: um que acredita na imposição de penas às pessoas jurídicas, outro que não admite, eis que haveria a violação dos princípios constitucionais.

A Constituição Federal de 1988, em seu artigo 5º, inciso XLVI, prevê as seguintes penas: privação ou restrição à liberdade; perda de bens; multa; prestação social alternativa; e, suspensão ou interdição de direitos. O Código Penal brasileiro, por sua vez, de uma forma mais restrita, enumera, em seu artigo 32, como espécies de sanções penais a privação de liberdade, restrição de direitos e multa. Além do mais, a Magna Carta também, expressamente, define as garantias fundamentais, que deverão ser observadas quando na aplicação das penas ao acusado. E é neste ponto que incide o grande debate acerca da possibilidade de subjugar uma empresa ao preceito secundário da norma penal.

Entre os que rejeitam a existência da responsabilidade penal da pessoa jurídica e, conseqüentemente, a imposição de sanções penais, tem-se Ariel Dotti1, para o qual, abolir o dogma societas delinquere non potest, haveria afronta ao princípio da igualdade, propagado pelo artigo 5º, caput, da Constituição da República, já que, uma vez que se identificasse o ente coletivo criminoso, os demais envolvidos seriam beneficiados com o abrandamento das investigações.

Ademais, o princípio da humanização das sanções também seria violado. O referido preceito vem consagrado em inúmeros dispositivos da Constituição Federal, como, por exemplo, o respeito à integridade física e moral do ser humano. Dessa forma, tal princípio visa, tão exclusivamente, proteger a pessoa física e não as pessoas jurídicas.

Outro princípio que se afrontaria é o princípio da personalidade da pena. Este é decorrente da individualização da pena e que pressupõe uma análise conjunta de elementos de fato e de direito, a ser feita pelo juiz, para imposição e aplicação da pena cabível ao caso. O juiz deverá verificar a culpabilidade, os motivos e as circunstâncias subjetivas do crime, além de estudar outros indicadores, como os antecedentes, a conduta social, a personalidade, etc. Esses elementos — pelo menos a sua maioria — não estão presentes nas pessoas jurídicas, o que gera a incompatibilidade da aplicação das penas. Além do mais, a corrente que questiona o instituto da responsabilização penal dos entes morais, afirmar que, no momento que se pune penalmente uma pessoa jurídica, todos os sócios seriam atingidos, em especial os sócios minoritários que não atuaram na tomada de decisões ou foram vencidos por maioria.

Por sua vez, a corrente favorável à responsabilidade penal das pessoas jurídicas acredita que os princípios consagrados na Constituição Federal, em seu artigo 5º não são violados, mas que, inclusive, permitem reconhecer a capacidade das empresas em cometerem crimes, bem como a possibilidade de imposição das respectivas penas.

Quanto ao princípio da personalidade das penas, afirma os defensores dessa segunda corrente que os efeitos da pena a terceiros é algo inevitável, mesmo quando a pena é aplicada com fundamento na responsabilidade individual, como ocorre, por exemplo, quando um pai de família recebe uma pena privativa de liberdade, as pessoas que dele dependem (esposa e filhos) serão afetados. Outrossim, mesmo que sejam impostas sanções civis ou administrativas os demais sócios também serão atingidos, eis que haverá uma perda financeira, reduzindo-se a percepção de lucro.

Ademais, ainda para esse segundo posicionamento, aplicar sanções penais aos entes coletivos, além de não violar o princípio da personalidade das penas, não haverá inconstitucionalidade, uma vez que este instituto restaria comprovado se fosse imposta uma penal diretamente a terceiros e não os efeitos produzidos pela aplicação das penas.

Referente ao inciso XLVI, da Constituição Federal, de 1988, em que “a lei regulará a individualização da pena e adotará, entre outras, as seguintes (…)”, os doutrinadores favoráveis a imputação penal das empresas, apontam que a individualização da pena corresponde à graduação da pena, com base na responsabilização do agente, devendo essa fórmula ser aplicada quando da imposição de penas às pessoas jurídicas, sendo totalmente compatíveis a elas, cabendo ao magistrado graduar a pena em razão das circunstâncias que determinaram a atividade, bem como o resultado danoso ocorrido.

Igualmente, vale ressaltar ainda, que a garantia da individualidade das penas tem o escopo de limitar sua extensão, isto é, as sanções penais não podem recair sobre bens jurídicos diversos daqueles pertencentes ao condenado. Disso, conclui-se que para o indivíduo receba uma pena, necessário que possua bens jurídicos passíveis de serem atingidos pelo preceito secundário da norma penal. Com base nisso, os defensores dessa segunda corrente, sustentam que, no caso das empresas, estas possuem bens jurídicos susceptíveis de serem atingidos por uma pena, tais como, o patrimônio, o direito de funcionamento, o direito de livre exploração do mercado, etc.

Outro aspecto que merece ressalva consiste em que as penas privativas de liberdade não são as únicas existentes no Direito Penal como forma de punição do autor do crime. Até por razões de políticas criminais, tem-se preferido aplicar sanções alternativas, devendo a pena de prisão ser imposta como última medida, já que a pena de prisão não é a única alternativa punitiva para as pessoas físicas, assim como também existem sanções penais que são compatíveis com a natureza das pessoas jurídicas.

Da mesma forma que esses doutrinadores justificam que as pessoas jurídicas podem receber penas, inclusive explicando que não há violação dos princípios constitucionais, também enumeram as espécies de sanções penais compatíveis com a natureza das empresas; trata-se das penas alternativas. Essas penas encontram respaldo, principalmente, nos países da Common Law, mas que vêm sendo admitidas em diversos outros países, como, por exemplo, em Portugal. Assim, são exemplos de penas aplicáveis às empresas: Admoestação ou advertência; Multa; Perda de bens ou confisco; Injunção judiciária; Prestação de serviços à comunidade; Interdição de direitos; Fechamento temporário da empresa; Dissolução da empresa ou fechamento definitivo; e, Divulgação da sentença.

Por fim, a doutrina que defende a utilização das penas alternativas às pessoas jurídicas de direito privado baseia-se que o inciso XLVI do artigo 5º não trata de um rol taxativo, podendo a lei regularizar a individualização da pena e adotar outras além daquelas enumeradas no citado dispositivo constitucional.

Assim, necessário se faz um advento de uma lei, que, atendendo as garantias constitucionais, defina, como também, discipline as sanções penais a serem impostas às pessoas jurídicas criminosas.

Nota de rodapé:

1. DOTTI, René Ariel, A incapacidade da pessoa jurídica. Ed. Revista dos Tribunais, 2001, São Paulo, p. 148.

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