Prova de amigos

Constituição integrou direitos trabalhistas e economia forte

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21 de setembro de 2008, 0h00

“A garantia de direitos trabalhistas não traz prejuízos para a economia nem para o mercado de emprego.” A declaração é do senador Paulo Paim (PT-RS), em entrevista concedida à jornalista Teresa Cardoso, da Agência Senado, sobre os 20 anos da Constituição Federal. Segundo o senador, enquanto o país discutia a aprovação da Constituição de 1988, era comum o discurso de que dar garantias aos trabalhadores iria enfraquecer a economia. “A realidade provou o contrário.”

Vinte anos depois de promulgada a Constituição, o senador comemora a conquista de direitos trabalhistas, como a licença-maternidade e a licença-paternidade e a redução da jornada de trabalho de 48 horas semanais para 44 horas. Na época, ele também pretendia aprovar o turno de seis horas e o 14º salário. Se houvesse ajustes na Constituição, afirma, defenderia ainda mais a diminuição da jornada de trabalho para 40 horas e, posteriormente, para 36 horas, sem redução salarial.

Outro mudança defendida pelo senador é o fim do voto secreto em todas as decisões do Congresso. “É uma forma de melhorarmos a nossa democracia”, afirma. Ele reconhece, ainda, a falta de regulamentação de artigos da CF, mas acredita que o texto cumpriu o papel de garantir direitos sociais.

O senador chegou em Brasília em 1987, com 37 anos, como deputado constituinte. Na época, ele dividiu um apartamento com o então deputado Luiz Inácio Lula da Silva e com o atual presidente do PT gaúcho Olívio Dutra.

Leia a entrevista

É verdade que, nos trabalhos da constituinte, o senhor pediu ao então senador Jarbas Passarinho que fizesse a apresentação da sua emenda de lei de greve porque, se fosse apresentada pelo senhor, que era sindicalista, a mudança não passaria?

Paulo Paim – A lei de greve era uma antiga bandeira de luta que nós trazíamos do movimento sindical. Havia um grupo que não aceitava essa posição, mas nós conseguimos, através de muito diálogo, nos articularmos. Nós nos reunimos várias vezes com Ulysses Guimarães, Mário Covas, Luiz Inácio Lula da Silva, Olívio Dutra, João Paulo Pires de Vasconcellos e Ronan Tito, entre outros, para chegar a um entendimento. Quando a redação ficou pronta, pedimos que Jarbas Passarinho, em comum acordo com sua bancada, lesse e defendesse o projeto. O texto estava equilibrado e foi aprovado por unanimidade. Foi um dos momentos mais bonitos da constituinte.

Os direitos trabalhistas aprovados foram suficientes?

Paulo Paim – Naquele momento, nós tínhamos uma missão histórica para com os direitos dos trabalhadores. Era impossível recuarmos. Estávamos saindo de um regime de exceção e sabíamos das nossas responsabilidades. Tínhamos o dever e a obrigação de abrir novos caminhos e foi o que fizemos. O próprio Diap [Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar, criado para lutar pela transformação de reivindicações trabalhistas em leis] teve sua participação ao apresentar para nossa bancada uma proposta de texto para as leis trabalhistas. Conseguimos aprovar leis necessárias para os trabalhadores. Não todas, é claro. Queríamos que a jornada de trabalho fosse de 40 horas semanais, sem redução de salários, como lutávamos também pelo turno de seis horas e pelo 14º salário. Não tenho dúvida nenhuma de que avançamos muito.

As garantias trabalhistas aprovadas não serviram de pretexto para a indústria demitir e aumentar o desemprego no país?

Paulo Paim – Naquela época, uma das manobras que alguns grupos tentaram fazer foi justamente dizer que a economia ia dar para trás, que o desemprego iria correr solto. Eles fizeram terrorismo, mas a realidade provou o contrário. Aprovamos direitos e garantias para a classe trabalhadora, como a licença-maternidade e a licença-paternidade, a redução da jornada de trabalho de 48 horas semanais para 44 horas e o número de postos de trabalho aumentou. Portanto, ficou provado que a garantia de direitos trabalhistas não traz prejuízos para a economia nem para o mercado de emprego.

O texto promulgado em 1988 é motivo de orgulho para o senhor?

Paulo Paim – Cada vez mais, estamos convencidos de que fizemos o que tínhamos de fazer. Os artigos da nossa Constituição foram cravados com muita luta e suor. Carregávamos, naquele momento, todas as esperanças do povo brasileiro. Fomos soldados da nossa pátria e isso é motivo de orgulho para nós. Lembro que alguns grupos queriam fazer uma Constituição apenas com grandes princípios. Graças à nossa unidade, isso não ocorreu e os direitos estão lá para todos os brasileiros exigirem o seu cumprimento.

O tempo mostrou que os direitos sociais foram um avanço?

Paulo Paim – Afirmo isso com absoluta certeza. O que nós temos de avanço foi dado a partir da Constituição Cidadã, como bem a chamava Ulysses Guimarães. É claro que nem todos os artigos estão regulamentados, mas aquelas chamadas normas auto-aplicáveis significaram avanços. Se pegarmos o número de pessoas que compunham a faixa de miserabilidade naquela época e o compararmos com agora, veremos que os números se reduziram em muito. Então, a Constituição de 88 cumpriu o seu papel de garantir avanços sociais.

Quais lembranças o senhor tem da época da constituinte?

Paulo Paim – No meu livro de memórias, O Rufar dos Tambores, eu dedico um capítulo especial aos trabalhos da constituinte. Foram momentos inesquecíveis. Os debates nas comissões e no Plenário, os estudantes se manifestando, o movimento sindical pressionando legitimamente os parlamentares, o próprio tema da reforma agrária, as situações que levaram alguns companheiros quase às vias de fato, a plantação de árvores no bosque ao lado da Praça dos Três Poderes. Tudo isso traduz momentos extraordinários. Lembro até hoje das palavras de Ulysses Guimarães: “Esta será a Constituição cidadã porque recuperará como cidadãos milhões de brasileiros, segregados nos guetos da perseguição social. O povo nos mandou fazer a Constituição, não ter medo. Viva a vida que ela vai defender e semear”.Fizemos história ali.

Durante os trabalhos da constituinte, o senhor dividia apartamento com os então deputados Luiz Inácio Lula da Silva e Olívio Dutra. Como foi esse perído?

Paulo Paim – Nós morávamos, praticamente, em uma república estudantil. No café da manhã, após tomarmos chimarrão — e o Lula gostava de sorver um amargo —, conversávamos sobre a pauta do dia. No jantar, o assunto centrava-se nos acontecidos do dia. Tive o privilégio de acompanhar Lula e Olívio em alguns debates que tiveram grande importância na minha vida. A Assembléia Nacional Constituinte foi um dos momentos mais bonitos da história do Brasil. Até hoje, eu me emociono e, às vezes, não tenho como segurar as lágrimas. Foram meses em que o povo brasileiro semeou e molhou a terra. Hoje, vendo as mãos calejadas desse mesmo povo, sei que a nossa democracia social e econômica está sendo consolidada. No dia em que assinei a Carta, ao meu lado, estava meu filho, Jean Cristian, hoje com 32 anos. A foto que tiramos naquele momento, até hoje, está na cabeceira da cama dele.

O senhor é a favor de uma revisão constitucional?

Paulo Paim – Eu sou contra uma nova Assembléia Constituinte, mas não descarto a possibilidade de fazermos mudanças pontuais. Se pudesse, reduziria a jornada de trabalho de 44 horas semanais para 40 horas, sem redução salarial e, posteriormente, para 36 horas. Acabaria também com o voto secreto em todas as instâncias e decisões do Congresso.

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