Súmula e algemas

Procurador que criticou o Supremo responderá processo no CNMP

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17 de setembro de 2008, 17h48

A Corregedoria do Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP) abriu procedimento disciplinar contra o procurador Kleber Couto, do Rio de Janeiro. Em artigo, publicado na edição de segunda-feira (15/9) do jornal O Globo, ele fez duras críticas à Súmula Vinculante 11, contra o uso indiscriminado de algemas, e ao presidente do Supremo Tribunal Federal, ministro Gilmar Mendes. Segundo o procurador, esta foi uma decisão política e uma forma de “ameaça a todos pela segunda prisão do banqueiro Daniel Dantas”.

Kleber Couto afirma que a súmula não tem o peso e a importância “que lhe quer dar o STF”, além do que, é uma regra “invasiva e pouco democrática”. Ele reconhece que as prisões feitas pela Polícia Federal se transformaram em um espetáculo, humilhante. No entanto, avisa que a vítima do abuso, “com ou sem algemas”, tem outros meios para ser indenizada pelo dano sofrido e a lei prevê punição para esse tipo de conduta.

O enunciado da súmula, aprovado no dia 13 de agosto de 2008, prevê: “Só é lícito o uso de algemas em casos de resistência e de fundado receio de fuga ou de perigo à integridade física própria ou alheia, por parte do preso ou de terceiros, justificada a excepcionalidade por escrito, sob pena de responsabilidade disciplinar, civil e penal do agente ou da autoridade e de nulidade da prisão ou do ato processual a que se refere, sem prejuízo da responsabilidade civil do Estado”.

No texto, o procurador criticou, ainda, o posicionamento do presidente do Supremo Tribunal Federal quando o juiz Fausto Martin De Sanctis, da Justiça Federal, mandou prender pela segunda vez o banqueiro Daniel Dantas, depois de ser concedido Habeas Corpus para libertá-lo. Esta decisão de primeira instância foi considerada um desrespeito a autoridade da Suprema Corte. Gilmar Mendes, na ocasião, mandou soltar novamente o banqueiro.

“O desejo de buscar a severa punição para o magistrado que a determinou só não foi adiante em razão da corajosa resistência da magistratura e do MP de todo o país. Mudou a estratégia. Preferiu exigir a queda da cúpula da Abin (Agência Brasileira de Inteligência).”

A iniciativa de abertura do procedimento administrativo contra o procurador partiu do próprio corregedor do CNMP, Osmar Machado, depois de ler o artigo. Ele quer saber se as ácidas críticas feitas ao Supremo e ao presidente da Corte foram em nome da instituição ou se trata de uma opinião pessoal. A apuração será feita pelo Ministério Público estadual do Rio de Janeiro. Caso o MP não se posicione, o CNMP cuidará do caso.

Procurado pela Consultor Jurídico, o procurador Kleber Couto, por meio da assessoria de imprensa do MP-RJ, disse que ainda não foi oficialmente informado sobre a abertura do procedimento.

Processo Disciplinar 832/2008-91

Leia o artigo publicado no jornal O Globo, na edição de segunda-feira (15/9)

Súmula não é lei

Kleber Couto

TEMA EM DISCUSSÃO: Uso de algemas

A proibição do uso de algemas pelo Supremo Tribunal Federal por meio de uma súmula merece uma abordagem mais reflexiva. O STF não proíbe nada, até mesmo porque não lhe cabe fazê-lo. Ninguém pode ser obrigado a fazer ou deixar de fazer algo senão em virtude de lei, e súmula não é lei.

A súmula não tem o peso e a importância que lhe quer dar o STF, em sua postura invasiva e pouco democrática. É mera declaração de um entendimento sobre uma controvérsia jurídica, e não há qualquer divergência nos tribunais que justifique sua expedição. Há, sim, uma polêmica anulação de um julgamento de um acusado por ter sido algemado em plenário do júri. A sua condição de pedreiro, sabemos, não será inútil ao STF nos futuros julgamentos de banqueiros. Por essa visão técnica a referida súmula caracteriza-se como flagrante lesão constitucional.

Não se discute que o aspecto nocivo das prisões da PF está em transformá-las em humilhante espetáculo. Mas, quando um policial vende ou vaza informes sobre a prisão a ser efetuada está em flagrante abuso de sua atividade. A vítima do abuso, com ou sem algemas, sempre teve meios próprios para buscar o ressarcimento de suas lesões, e a lei também já prevê as punições necessárias. Ou seja, não precisava o Judiciário indicar o que já foi claramente dito pelo Legislativo.

A questão de fundo é saber por que a súmula foi expedida. O STF não a expediu em seu conceito jurídico. Na verdade, o seu presidente bradou com raiva e arrogância uma ameaça a todos pela segunda prisão do banqueiro Daniel Dantas. O desejo de buscar a severa punição para o magistrado que a determinou só não foi adiante em razão da corajosa resistência da magistratura e do MP de todo o país. Mudou a estratégia. Preferiu exigir a queda da cúpula da Abin (Agência Brasileira de Inteligência).

A natureza política dessa súmula que revela a delicadeza do momento político do STF faz surgir a indagação: como e quando surgem no processo de privatização das teles Daniel Dantas e o ministro Gilmar Mendes, à época advogado-geral da União no governo Fernando Henrique? Vale uma reflexão à parte.

KLEBER COUTO é procurador de Justiça do Estado do Rio.

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