Um por todos

Associação pode promover execução de sentença em ação coletiva

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16 de setembro de 2008, 10h25

A execução de sentença dada em ação coletiva pode ser promovida por entidade na qualidade de representante de seus associados. A penhora pode recair diretamente sobre a conta bancária do executado. O entendimento é da 3ª Turma do Superior Tribunal de Justiça, que condenou o Banco de Crédito Nacional (BCN) a pagar a 115 associados do Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec) o índice de 42,72% para a correção de valores depositados em caderneta de poupança no mês de janeiro de 1999. O valor total gira em torno de R$ 815 mil.

A ministra Nancy Andrighi, relatora do caso, entendeu que sendo eficaz o título executivo judicial extraído de ação coletiva, nada impede que a associação, que até então figurava na qualidade de substituta processual, passe a atuar, na liquidação e execução, como representante de seus associados na defesa dos direitos individuais homogêneos a eles assegurados.

Ela observou ainda que dessa forma pode se viabilizar a satisfação dos créditos individuais que, por questões econômicas, simplesmente não ensejam a instauração de custosos processos individuais.

O Idec propôs ação de execução provisória contra o banco. Pediu que a decisão do 1º Tribunal de Alçada Cível de São Paulo fosse cumprida. Após a nomeação à penhora de 443 letras financeiras do Tesouro (LFTs), o juiz determinou o bloqueio de valores em dinheiro.

O BCN entrou com Agravo de Instrumento contra a decisão, que não foi aceito. O Tribunal de Alçada já entendia que o Idec tem legitimidade para a execução em favor dos associados que provaram ter direito ao reajuste dos valores depositados em poupança. Para o tribunal, a penhora deve recair sobre o dinheiro do banco, já que a instituição revela expressivo lucro anual, sem que possa negar a existência de dinheiro em caixa.

O banco recorreu ao STJ. Alegou violação do Código de Defesa do Consumidor em relação à defesa do consumidor em juízo e do Código de Processo Civil quanto à extinção do processo. Argumentou ainda negativa de vigência aos dispositivos da Lei 7.347/85, que disciplina a ação civil pública de responsabilidade por danos causados ao consumidor, e à Lei Complementar 105/00, que dispõe sobre o sigilo bancário de instituições financeiras.

Em seu voto, Nancy Andrighi ressaltou que, diante das circunstâncias específicas do caso, a execução coletiva pode dispensar a prévia liquidação por artigos ou por arbitramento, podendo ser feita por simples cálculo, na forma da antiga redação do CPC.

Por fim, a ministra afirmou que a jurisprudência da Corte, além de repelir a nomeação de títulos da dívida pública à penhora, admite a constrição de dinheiro em execução contra instituição financeira.

Leia a decisão

RECURSO ESPECIAL Nº 880.385 – SP (2006⁄0124980-2)

RECORRENTE: BANCO DE CRÉDITO NACIONAL S⁄A – BCN

ADVOGADO: EDUARDO PELLEGRINI DE ARRUDA ALVIM E OUTRO(S)

RECORRIDO: INSTITUTO BRASILEIRO DE DEFESA DO CONSUMIDOR IDEC

ADVOGADO: DULCE SOARES PONTES LIMA E OUTRO(S)

RELATÓRIO

A EXMA. SRA. MINISTRA NANCY ANDRIGHI (Relator):

Cuida-se de recurso especial interposto por BCN – Banco de Crédito Nacional S.A., com fundamento no arts. 105, inciso III, alíneas “a” e “c” da Constituição Federal, contra acórdão proferido pelo extinto Primeiro Tribunal de Alçada Cível do Estado de São Paulo.

Ação: Trata-se de execução provisória proposta pelo IDEC – Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor em face do recorrente. Pretende-se a execução de acórdão proferido pelo extinto Primeiro Tribunal de Alçada Cível de São Paulo e que condenou o recorrente a pagar aos associados do IDEC o índice de 42,72% para a correção de valores depositados em caderneta de poupança no mês de janeiro de 1999. O IDEC afirma que seus associados seriam titulares de um crédito total de R$ 815.562,92.

Decisão: Após a nomeação à penhora de 443 letras financeiras do tesouro (LFTs), fato impugnado pelo IDEC, o juízo em primeiro grau de jurisdição determinou o bloqueio, em dinheiro, de valores que se encontrassem à disposição do recorrente.

Acórdão: O Tribunal de origem negou provimento ao agravo de instrumento interposto pelo recorrente. Confira-se:

“Ação civil pública promovida pelo IDEC para a cobrança da diferença entre a inflação apurada no mês de janeiro de 89 e o índice creditado nas contas ou depósitos em poupança no mês subseqüente. Procedência. Execução provisória, eis que pendentes de julgamento recursos às Cortes Superiores para se definir os limites subjetivos da coisa julgada, se circunscrita à Capital de S. Paulo, nos limites da jurisdição do magistrado que proferiu a sentença ou erga omnes. Este tribunal decidiu que valeria erga omnes. Legitimidade do IDEC para a execução (Lei 8.078⁄90, arts. 97, 98 e 100). Execução que está sendo levada a efeito em proveito de 115 associados do IDEC, cujos extratos foram exibidos, com os respectivos cálculos. Desnecessidade de prévia liquidação dos valores devidos. Execução que depende apenas de cálculos aritiméticos, elaborados e exibidos pelos poupadores (CPC, art. 604). Penhora que deve recair sobre numerário do banco. Instituição que revela expressivo lucro anual, sem que possa negar a existência de dinheiro em caixa. Penhora resgatáveis apenas em 2006, quando o juiz tem de dar rápida solução ao litígio que se arrasta desde 1994 (CPC, arts. 125, II e 620). Penhora do dinheiro mantida. Recurso não provido”.


Embargos de Declaração: Opostos pelo recorrente e rejeitados pelo Tribunal de origem.

Recurso Especial: Sustentou haver negativa de vigência aos seguintes dispositivos da legislação federal: (i) arts. 81, 82, 83, 97, 98, e 100, CDC, assim como art. 267, §3o, CPC, diante da ilegitimidade ativa; (ii) arts. 13, Lei 7.347/85, 125, 535, 604, 618, 620, 648, 655, CPC, 68, Lei 9.069, e 6º, Lei Complementar 105⁄00. Afirmou haver dissídio pretoriano.

Recurso Extraordinário: Interposto pelo recorrente a fls. 1.554 e seguintes.

Juízo Prévio de Admissibilidade: Apresentadas contra-razões (fls. 1.591/1613), o Tribunal de origem negou provimento ao Especial. Dei provimento ao agravo de instrumento, para melhor análise do Especial, determinando a subida dos autos ao STJ.

Parecer do Ministério Público Federal: O Procurador da República, Aurélio Virgílio Veiga rios, opinou pelo não provimento do recurso.

É o relatório.

RECURSO ESPECIAL Nº 880.385 – SP (2006⁄0124980-2)

RELATORA: MINISTRA NANCY ANDRIGHI

RECORRENTE: BANCO DE CRÉDITO NACIONAL S⁄A – BCN

ADVOGADO: EDUARDO PELLEGRINI DE ARRUDA ALVIM E OUTRO(S)

RECORRIDO: INSTITUTO BRASILEIRO DE DEFESA DO CONSUMIDOR IDEC

ADVOGADO: DULCE SOARES PONTES LIMA E OUTRO(S)

VOTO

A EXMA. SRA. MINISTRA NANCY ANDRIGHI (Relator):

Cinge-se a controvérsia a examinar a legalidade da execução coletiva promovida por associação de consumidores e do bloqueio de valores em contas correntes da instituição financeira recorrente.

I. Violação ao art. 535, CPC.

Da análise do acórdão recorrido, infere-se que o Tribunal a quo de fato enfrentou os pontos suscitados pelo recorrente como omissos, tanto que integram o objeto do próprio recurso especial e serão enfrentados logo adiante. Não há que se falar, assim, em violação ao art. 535, CPC.

II. Legitimidade Ativa.

O Tribunal de origem afirmou a legitimidade ativa da associação exeqüente nos seguintes termos:

“Nos termos do art. 100 da Lei 8078⁄90 (CDC), decorrido o prazo de um ano sem habilitação de interessados em número compatível com a gravidade do dano, poderão os legitimados do art. 82 promover a liquidação e execução da indenização devida. Acrescenta o parágrafo único que o produto da indenização devida reverterá para o fundo criado pela Lei 7.347, de 24.6.85. No caso, entretanto, não se trata de indenização, mas de cobrança de valores indevidamente sonegados pelo Banco o IDEC promove a execução no interesse de 115 de seus associados. Cada um deles, a partir das fls. 1116, apresentou documento indicando o número e agência da respectiva conta, o valor em depósito em janeiro de 89 e a diferença reclamada. Esclarece o art. 100 do CDC que as pessoas indicadas no art. 82 só poderiam propor a ação de execução em favor do fundo se não fosse proposta a ação de execução pelos interessados, beneficiários da condenação. Não se trata de execução em favor do fundo, mas em proveito dos poupadores lesados pelo Banco. A legitimidade do IDEC decorre, ainda, do disposto nos arts. 82, 83, 97 e 98 do CDC”.

O recorrente sustentou, então, que a associação de consumidores não detém legitimidade ativa para iniciar a execução coletiva, havendo, assim, violação aos arts. 81, 82, 83, 97, 98, e 100, CDC, assim como art. 267, §3o, CPC, e art. 13, LACP. Na visão do recorrente, a legitimidade extraordinária, atribuída às associações para o ajuizamento de ações coletivas (ou civis públicas), não se estende à execução de tais julgados. A execução, em seu entender, deverá ser feita individualmente, por cada um daqueles que foram beneficiados com a decisão judicial. Somente após o decurso de um ano após o trânsito em julgado ou após a sentença de liquidação, seria possível a execução coletiva. Ademais, a execução coletiva haveria de destinar seu produto ao fundo fluido de que trata o art. 13, Lei 7.347/85.

O Recurso Especial não versa, portanto, sobre a legitimidade da associação autora para o ajuizamento da ação de conhecimento, mas apenas para a execução do julgado. Não se discute, ainda, a abrangência territorial do título executivo. Trata-se apenas de examinar se a associação autora pode representar seus associados no processo de execução.

Delimitada a questão, sua solução, necessariamente, passa pela correta interpretação do art. 97, CDC.

É razoável afirmar que os interesses difusos e coletivos não se individualizam jamais, pois a indivisibilidade é de sua essência, e, por isso, submetem-se sempre a uma execução coletiva. Não havendo outros legitimados, só aquelas entidades indicadas no art. 82, CDC, podem, efetivamente, iniciar o processo de liquidação e execução.

Note-se, entretanto, que os interesses individuais homogêneos, como o próprio nome indica, são individuais e divisíveis por natureza, recebendo tratamento processual coletivo por questões de política judiciária. Sendo assim, as vítimas detêm inegável legitimidade ativa para liquidar e executar aquilo que lhes foi assegurado por sentença caso tal conduta lhe convenha.


Extremadas essas duas situações, restaria saber se as entidades indicadas no art. 82 podem exercer algum papel na execução de uma sentença que tenha reconhecido a existência de direitos individuais homogêneos.

Em que pese alguma dificuldade inicial, fato natural dado o caráter inovador da tutela coletiva, não há hoje dúvida sobre a conclusão de que a legitimidade ativa das associações para a propositura de ações coletivas, latu sensu, assenta-se sobre dois institutos diversos: a substituição processual e a representação processual.

Diferentemente do que ocorre na substituição, na representação a associação não atua em nome próprio, mas, ao contrário, age em nome e por conta dos interesses de seus associados. Note-se que o STF vem reconhecendo que a atuação por representação encontra amparo na própria Constituição Federal (art. 5º, XXI) (conf. RMS 21.514, Rel. Min. Marco Aurélio, DJ 18.6.93).

Assim, se a atuação da associação no processo de cognição pauta-se pela substituição, nada impede que ela passe a atuar, na liquidação e execução, como representante. O universo de representados pode ser menor que o de substituídos, mas mesmo assim a solução atende à necessidade de que a proteção jurisdicional se torne concreta.

Com efeito, após a sentença, pode-se constatar que o valor ínfimo dos valores atribuídos a cada vítima não justifica o ônus econômico que envolve o processo de liquidação e execução. Por isso, de forma consentânea com as diretrizes que orientam o processo coletivo, deve-se admitir a execução coletiva, com base na representação processual, como a única forma idônea de pulverizar o custo do processo, autorizando a satisfação dos direitos individuais reconhecidos por sentença.

No processo sob julgamento, o pedido de execução envolve um total de R$815.562,92, mas, entre as pessoas representadas pelo exeqüente, há algumas que detêm contas com crédito inferior a R$100,00. Exigir a liquidação e execução individual pode, portanto, representar uma pá-de-cal sobre as conquistas que o processo coletivo representam.

A lição de Ada Pellegrini Grinover corrobora tal entendimento ao reconhecer que “o caso surge como de representação, devendo os entes e pessoas enumeradas no art. 82 agirem em nome das vítimas ou sucessores” (Vv. Aa. Código Brasileiro de Defesa do Consumidor: Comentado pelos autores do Anteprojeto. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2001, p. 817).

Nesta linha, não se sustenta o argumento exposto no Recurso Especial segundo o qual a execução coletiva só seria possível nos termos do art. 100, CDC, ou seja, após decorrido o prazo de um ano sem habilitação de credores interessados e desde que o produto da indenização se destine ao fundo fluido de que trata o art. 13, LACP. Não há dúvida que essa visão ignora o mandamento constitucional segundo o qual as associações podem agir como representantes processuais de seus associados.

Observo, por fim, que o recorrente pretende demonstrar que os correntistas em questão não outorgaram à recorrida qualquer autorização específica. Essa é, no entanto, uma discussão que exige o reexame de provas e que, por isso, é vedada ao STJ por força de sua Súmula 7.

III. Necessidade de Liquidação da Sentença.

O Tribunal de origem considerou desnecessária a liquidação por artigos e por arbitramento. Entendeu-se que a determinação do valor da condenação dependeria apenas de cálculo aritmético e, nos termos do art. 604, CPC, não teria havido qualquer ilegalidade na execução iniciada pelo IDEC.

O recorrente vem sustentando, entretanto, que a execução não poderia ter sido deflagrada sem que houvesse prévia liquidação individual em que cada indivíduo prove sua condição de vítima. O Recurso Especial aventou, então, a violação aos arts. 3º, 604, 618, I, CPC, bem como aos arts. 95, 97, 98, 99 e 100, CDC.

A leitura atenta do art. 98, CDC, revela que a sentença proferida em ação coletiva sempre é ilíquida. Todavia, o CDC não determinou um procedimento específico de liquidação. Assim, na lei, nada há que impeça a liquidação por simples cálculos.

Se é certo que muitas sentenças coletivas exigem processo de liquidação em que se prove a condição de vítima, como é o caso de acidentes ambientais, há outras hipóteses em que o procedimento prévio de liquidação revela-se desnecessário, como se verifica no processo sob julgamento.

Os representados pelo IDEC nesta execução apresentaram documentos que indicam o número e agência da respectiva conta, bem como o valor em depósito em janeiro de 89. Daí, para que se chegue ao valor devido basta uma simples operação matemática com planilha de cálculo. Certamente, a situação poderá ser diversa se outros beneficiados pela sentença não puderem comprovar sua condição de vítima com extratos ou documentos. Diante da diversidade de situações fáticas postas no processo coletivo, não se pode ler a lei de forma restritiva, como se ela estivesse a exigir sempre a liquidação por artigos.

Ressalte-se que o recorrente não sofrerá prejuízo processual com o procedimento aceito pelo Tribunal de origem, pois poderá, em sede de embargos do devedor, argüir a defesa que entender necessária.

Desta forma, o acórdão recorrido não violou a legislação federal ao aceitar a aplicação à hipótese do art. 604, CPC, então vigente.

IV. Arts. 125, II, 620 e 655, CPC.

O Recurso Especial impugna, ainda, o bloqueio de valores em conta-corrente, insistindo na nomeação à penhora de Letras Financeiras do Tesouro.

Observe-se, entretanto, que o STJ em diversas oportunidades enfrentou a questão da nomeação à penhora de Letras Financeiras do Tesouro, concluindo ser justa a recusa do credor em aceitá-las. (Conf. AgRg no REsp 904.528⁄RS, Primeira Turma, Rel. Min. Francisco Falcão, DJ 12.04.2007; REsp 860.411⁄SP, Primeira Turma, Rel. Min. Luiz Fux, DJ 08.11.2007). Nesse mesmo sentido, esta Terceira Turma asseverou que “a jurisprudência desta Corte, além de repelir a nomeação de títulos da dívida pública à penhora, admite a constituição [sic] de dinheiro depositado em instituição financeira” (AgRg no Ag 709.528⁄ES, Rel. Min. Menezes Direito, DJ 22.05.2006).

O processo de execução passou a ser pautado por um novo paradigma, segundo o qual a rápida consecução do resultado assegurado pelo direito material é a tônica que impregna os atos processuais. Justamente por isto, não há que se falar em violação ao art. 620, CPC, pelo simples fato de haver a penhora sobre dinheiro.

Ir além deste exame certamente exigiria o reexame de fatos e provas, pois só assim se poderia infirmar a conclusão do acórdão recorrido. Com efeito, “o entendimento pacífico da 3.ª e 4.ª Turmas do STJ é que a verificação dos motivos que justificaram a rejeição dos bens oferecidos à penhora demandam, necessariamente, o revolvimento do acervo fático-probatório dos autos, procedimento vedado nos termos da Súmula 7 do STJ” (AgRg no Ag 777.351⁄SP, Terceira Turma, minha relatoria, DJ 27.11.2006; no mesmo sentido, AgRg no Ag 748.470⁄RJ, Quarta Turma, Rel. Min. Jorge Scartezzini, DJ 11.09.2006).

Forte em tais razões, NÃO CONHEÇO do Recurso Especial.

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