Parabéns sem festa

Constituição faz vinte anos com insegurança tributária

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15 de setembro de 2008, 16h17

A Constituição “cidadã” que está completando duas décadas representa os anseios da sociedade brasileira ao regular o Estado Democrático de Direito, assegura o exercício dos direitos individuais dos cidadãos, dá legitimidade aos governantes e legisladores através de eleições diretas, mas na questão tributária merece muitas críticas.

O capítulo que trata do sistema tributário nacional é composto de 18 artigos (145 a 162) e ainda há mais 19 que tratam disso no Ato das Disposições Constitucionais Transitórias. Estes são os de números 34, 35, 36, 40, 41, 55, 56, 71, 72, 74, 75, 76, 77, 80, 84, 85, 86, 88 e 94. Somando tudo, 37 artigos, ou seja, mais de 10% do texto geral da Constituição, onde vemos 344 artigos (250 da CF e mais 94 do ADCT).

A preocupação do constituinte com a matéria tributária foi muito relevante. Mas nem por isso a Lei Maior vem sendo cumprida adequadamente, além de já ter sofrido, nesse capítulo, mais de 10 Emendas Constitucionais!

No campo tributário já não temos o que se possa chamar de “sistema”, pois além da instabilidade das disposições constitucionais, diversas leis complementares foram criadas, seguidas do emaranhado legislativo dos três níveis de governo.

Mas na prática, na hora do “vamos ver”, atos administrativos, tais como: instruções normativas, portarias, circulares, resoluções, e tudo o mais que a fértil imaginação dos burocratas de plantão possa inventar, acabam valendo mais que a Constituição e as leis.

Lamentavelmente, com a proliferação de juizes “fazendeiros”, aqueles que sempre dão razão ao fisco, ao governo (ver a “Oração aos Moços”, de Rui) nem sempre a violação ao princípio da legalidade é reparada em matéria tributária. Nosso direito está indo para o “brejo”, pois se para os juizes “justiceiros” todo mundo é presumidamente culpado, para os “fazendeiros” todos são sonegadores.

Como se não bastasse toda essa maluquice, ainda existe uma outra “fonte” de normas tributárias, que é o tal Confaz, onde uma simples reunião de secretários de fazenda e seus assessores se imagina com poderes superiores aos do verdadeiro legislativo. Como a CF garante que obrigações só nascem de leis, as resoluções ou convênios do Confaz, não aprovados pelas Assembléias, não valem nada.

No campo da tributação, onde as regras são fixadas por burocratas muitas vezes frustrados, parece vigorar a lei da inveja, da fracassomania, onde uma nova “nomenklatura” de pseudo-socialistas ou “uísquerdistas” repete o discurso antigo e superado de que para resolver o problema dos “pobres” temos que eliminar os “ricos”.

Esse discurso de preferência pelos “despossuídos” é uma das muitas causas de nosso atraso econômico, social e político.

Todos nós queremos um país fraterno e justo, onde sejam menores as desigualdades sociais. Mas isso se faz com educação, com desenvolvimento econômico, com programas sociais sérios e até mesmo com uma tributação mais justa, mas não apenas com discursos contra os tais “ricos”.

Está lá no inciso VII do artigo 153 da Constituição que cabe à União instituir o imposto sobre grandes fortunas. Felizmente isso ainda não “pegou”, pois representaria mais uma besteira no meio dessa areia movediça em que se transformou o que antigamente poderíamos chamar de “sistema tributário”.

Surpreendente é que haja pessoas aparentemente inteligentes e cultas, a defender a instituição de mais um imposto, sem que percebam que esse tipo de tributo vem sendo eliminado no mundo todo. Só para citar um único exemplo: os integrantes do grupo musical Rolling Stones mudaram suas empresas para a Holanda, tão logo a Inglaterra fez menção de aumentar os tributos.

Outra enorme idiotice que vem sendo repetida como um mantra pelos que desconhecem os mecanismos tributários do país é a afirmação segundo a qual os “ricos” brasileiros não pagam impostos ou pagam muito pouco. Para sustentar essa bobagem tentam comparar o imposto de renda de um assalariado com o dos grandes empresários ou mesmo de profissionais liberais bem sucedidos.

Qualquer iniciante no estudo da tributação sabe que os impostos incidem apenas sobre 3 elementos econômicos: a renda, o patrimônio e o consumo. Na tributação do consumo há muitas injustiças, como, por exemplo, a incidência do ICMS sobre energia elétrica. As empresas podem recuperar-se desse tributo ou de parte dele, mas as pessoas físicas não. Com isso, os mais pobres acabam sofrendo uma carga injusta, de até 33% da energia que consomem.

Também há injustiça no caso do patrimônio, inclusive porque prefeitos incompetentes não adotam mecanismos adequados para cobrar o IPTU dentro da realidade, preferindo escorchar os contribuintes do ISS ou ficar apenas na cômoda parasitagem das participações sobre o ICMS.

Quando um “rico” compra um automóvel importado ou uma mansão, já pagou quase metade do que gastou em impostos. A construção civil está hoje com uma carga tributária média de 40% e a dos veículos importados supera 50%. E se os “ricos” não adquirirem tais bens, não haverá recursos nem mesmo para os programas sociais. Ou será que alguém imagina que o expressivo crescimento da arrecadação tem origem apenas no que os assalariados pagam na fonte ?

Quando se fala em imposto sobre “renda”, está-se tratando daquilo que “sobra” ao indivíduo após atendidas as suas necessidades. Por isso é que se quisermos fazer justiça nesse imposto, devemos imediatamente atualizar a tabela de retenção do imposto na fonte, hoje defasada em mais de 50%, pois há vários anos ela não se atualiza conforme a inflação. Isso acaba gerando uma série de injustiças e cria sérios problemas para o fisco, na medida em que cresce cada vez mais a quantidade de pessoas que recebem restituição.

Ora, só existe restituição porque o contribuinte pagou mais do que devia. Com a atualização da tabela, diminuirão os casos de restituição e também as filas nas repartições onde as pessoas vão reclamar de atrasos ou verificar porque o valor da restituição está errado.

Outra medida urgente e importante é a adoção de mais alíquotas de imposto renda, que deveria iniciar-se progressivamente em 5% e ir até 45 ou mesmo 50%, desde que sejam revistos os valores das deduções e abatimentos. Ou alguém me indique uma escola que cobra menos de 200 reais por mês e convença meus dependentes de que devem sobreviver com uma mesada inferior a isso.

Precisamos, em síntese, de uma verdadeira reforma tributária. Não daquele monte de insanidades que o governo enviou ao Congresso depois do carnaval., onde se permite até mesmo que se crie um IVA federal incidente sobre “bens”, ao lado do IVA estadual.

Precisamos de uma reforma simples que passe por três caminhos:

a) redução da carga tributária, pois a atual, próxima de 40%, já está inibindo os investimentos e estamos com isso perdendo a grande oportunidade da história contemporânea, que seria crescermos tanto quanto nosso potencial humano e geográfico permite, muito além desses 5 ou 6% que se anuncia;

b) simplificação das rotinas tributárias, de forma que se possa abrir uma empresa no prazo máximo 3 dias, encerrá-la também sem tantas bobagens de certidões inúteis e administrá-la com menos papelada, com menos exigência de formulários estéreis e informações que não servem para nada, assim reduzindo os custos parasitários, não produtivos;

c) criar um sistema de segurança jurídica, de forma que as normas tributárias não possam ser alteradas com tanta freqüência e que não possa uma empresa , seja qual for, passar mais tempo atendendo fiscais do que fazendo negócios;

Enquanto estivermos com esse discurso de combate aos “ricos”, estaremos condenados à mediocridade econômica. Seria melhor para todos se o número de “ricos” aumentasse, de todos desejassem se tornar ricos, mas que isso fosse possível apenas com trabalho, com investimento, com produção, com o esforço de cada um e o sucesso de todos. Se o caminho para a “riqueza” for apenas a herança, a loteria ou mesmo a corrupção, não seremos um País de oportunidades, mas apenas um território de oportunistas.

Nossa Constituição é muito boa em quase tudo. Merece os parabéns pelo seu aniversário! Mas ainda não merece uma festa!

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