Segunda leitura

Segunda leitura: novo meio de prova faz parte do novo século

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  • Vladimir Passos de Freitas

    é professor de Direito no PPGD (mestrado/doutorado) da Pontifícia Universidade Católica do Paraná pós-doutor pela FSP/USP mestre e doutor em Direito pela UFPR desembargador federal aposentado ex-presidente do Tribunal Regional Federal da 4ª Região. Foi secretário Nacional de Justiça promotor de Justiça em SP e PR e presidente da International Association for Courts Administration (Iaca) da Associação dos Juízes Federais do Brasil (Ajufe) e do Instituto Brasileiro de Administração do Sistema Judiciário (Ibrajus).

14 de setembro de 2008, 0h00

Vladimir Passos de Freitas 2 - por SpaccaSpacca" data-GUID="vladimir_passos_freitas1.jpeg">Na esteira da “Operação Satiagraha”, a mais comentada de toda a história do Brasil, seguem manifestações de toda ordem. Entrevistas, projetos de lei sobre interceptação telefônica, regulamentação da matéria pelo CNJ, processos anulados, manifestações públicas de magistrados, agentes do MP e advogados, discussão sobre o papel da Agência Brasil de Inteligência (Abin) e por aí vai.

Em meio ao festival de protestos e contra-protestos, há de tudo e para todos os gostos. Só falta mesmo discrição, virtude “démodé” para quem já está mesmo fora de moda ou “old fashion”, para quem se adapta às novas palavras do nosso idioma.

Em análise técnica, com mais razão e menos emoção, vejamos as normas que regem a matéria. A Constituição declara inviolável o sigilo das comunicações telefônicas, salvo por ordem judicial e na forma da lei (artigo 5º, XII). A Lei 9.296/96, que trata das interceptações telefônicas, disciplina a matéria, dispondo sobre quando e como ela deve ser feita. No dia 9 passado, o CNJ editou a Resolução detalhando o cumprimento da lei. A Abin, agência de inteligência brasileira, é regulada pela Lei 9.883/89, e se destina a auxiliar o presidente da República no processo decisório e na ação governamental de segurança da sociedade e do Estado.

Aqui cumpre abrir espaço aos meios de prova. É fato indiscutível que as provas tradicionais, interrogatório, ouvida de testemunhas e perícia (para furtos e homicídios), são, de fato, do passado. Atualmente, ninguém confessa coisa alguma (exceto em se tratando de delação premiada) e ninguém depõe sobre nada, por medo, comodismo ou descrença.

Eis que entra, então, a prova técnica. Os novos meios de prova, gravações, fotos, filmagens, tudo que este século proporciona e que deixa pasmos os mais velhos. Imaginaria um juiz gaúcho, em 1970, que, através de satélite, poderia ter acesso visual a uma rua localizada em um bairro em Belém do Pará? Cogitaria um antigo delegado, de canetas que filmam e gravam? Um promotor, de maletas sofisticadas que captam conversas à distância? Não, por certo.

Mas este é o novo mundo. Assustador, sem dúvida. Mas agora e daqui para frente será assim. Gostemos ou não. A técnica evolui rapidamente. E a legislação, lentamente. Seremos, todos, cada vez mais espionados. E os que têm vida pública pagarão um preço maior.

Ao invés de, nostalgicamente, lembrar-se o passado, o que se tem a fazer é aproveitar a técnica para o bem. Afinal, a gravação pode ser a única saída para uma vítima de seqüestro. A filmagem, o único meio de demonstrar o tráfico de drogas nas imediações de uma escola.

O mal está no abuso e pode dar-se de diversas formas. Pode existir sob a capa da legalidade. Por exemplo, em um pedido feito ao juiz poderá ser inserido o número de um telefone que nada tem a ver com o caso. Pode existir ilegalmente, através de aparelhos sofisticados (o que é mais raro) ou mediante suborno de um empregado de companhia telefônica (forma usada em questões de família). Ou, até, na disputa de cargos políticos, como notícia jornalística que sugere “grampo” para prejudicar a nomeação do Ministro Sepúlveda Pertence ao cargo de Ministro da Justiça (jornal O Estado de S. Paulo, 12.9.2008, A4)

Todos estes meios devem ser reprimidos. O artigo 10 da Lei 9.626/96 prevê como crime, punido com 2 a 4 anos de reclusão, a interceptação telefônica sem autorização judicial ou com abuso. Uma qualificadora dobrando a pena, no caso de o infrator ser agente público, e a inclusão de pena acessória de perda do cargo, poderiam inibir tais práticas.

Na verdade, no extenso rol de dúvidas e opiniões apaixonadas, encontra-se o mundo jurídico em um dilema shakespeariano: a) fixa-se na posição tradicional, valorizando a prova à antiga; b) aceita as provas técnicas, conhecendo seus riscos e impondo-lhes limites.

As conseqüências não são teóricas, são práticas, e já existem. O STJ, contrariando jurisprudência antiga (STF HC 83.515/RS, 16.9.2004) anulou Ação Penal do PR porque as gravações duraram mais do que o prazo previsto no artigo 2º da Lei 9.296 e, segundo matéria jornalística, isto vai barrar 50 investigações (Gazeta do Povo, 11.9.2008, 20). Segundo a imprensa, “STF solta tropa de choque do PCC” (O Estado de S. Paulo, 11.9.2008, C1). O motivo foi o excesso de prazo na instrução, gerado pelo sucessivo adiamento de audiências. Se as audiências não se realizam porque não há como transportar os presos com segurança e, por outro lado, não se admite que sejam feitas por vídeo-conferência, é certo que o excesso de prazo será uma constante.

Como se vê no emaranhado quadro exposto, o momento é delicado e exige bom-senso, mercadoria em falta no mercado. Mas para o cidadão, que dos acalorados embates públicos pouco ou nada compreende, fica apenas com uma certeza: o direito à segurança, que lhe assegura a CF (artigo 144), é uma miragem cada vez mais distante.

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