Desequilíbrio de poderes

Constituição de 1988 tornou o país ingovernável, diz Sarney

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14 de setembro de 2008, 0h00

A inclusão de todas as reivindicações corporativas tornou o país ingovernável, fazendo da Constituição Federal algo mais grave do que um Frankenstein. A afirmação foi feita pelo senador e ex-presidente José Sarney (PMDB-AP), na entrevista dada para a jornalista Teresa Cardoso, da Agência Senado. Para Sarney, o texto da CF, que completa duas décadas em outubro deste ano, misturou as competências dos Poderes e permitiu que as Medidas Provisórias se tornassem o meio principal de legislar.

Em 15 de março de 1985, quando soube que assumiria a Presidência da República porque Tancredo Neves, primeiro civil eleito depois de 20 anos de regime militar, acabara de ser hospitalizado, Sarney afirmou que era um homem deprimido. Ao ouvir, às 2h da madrugada, do futuro ministro do Exército, Leônidas Pires Gonçalves, que teria de tomar posse na Presidência, ele ainda resistiu. Mas foi cortado, conta, pela seguinte frase do general: “Boa noite, presidente”.

O senador conta que, três meses depois, enviou ao Congresso proposta convocando a Assembléia Nacional Constituinte para reescrever a Constituição. No entanto, 20 anos depois, ele afirma que Constituição de 1988 não é motivo de orgulho para ele.

Em entrevista à Agência Senado, o senador também afirmou que seu receio pela aprovação de direitos sociais, na época da Constituinte, era de que fossem criadas obrigações orçamentárias com as quais o país não teria condições de arcar. Foi o que aconteceu, constata.

Leia a entrevista

Se tivesse assumido a Presidência da República, Tancredo Neves teria convocado a Assembléia Constituinte?

José Sarney – É impossível alguém se sair bem das especulações sobre, se fossem outras as circunstâncias, como seria o passado. Não sei se Tancredo teria convocado a Constituinte com a brevidade com que eu fiz. Mas sua convocação constava dos compromissos da Aliança Democrática [pacto político que propiciou a transição do regime militar para a democracia]. Tancredo tinha a legitimidade para flexibilizar prazos e até mesmo postergá-los. Tinha uma autoridade sobre os partidos que seria um contrabalanço à vontade de Ulysses Guimarães [presidente da Câmara dos Deputados à época]. Enfim, outras circunstâncias, outras conseqüências, que não as minhas.

Em algum momento, o senhor hesitou em convocar a Assembléia Constituinte?

José Sarney – Não, eu sabia que era um risco, mas era um passo indispensável para aquele momento em que vivíamos. Tanto não hesitei que, já em 28 de junho de 1985, com pouco mais de dois meses de governo — descontemos o tempo da agonia de Tancredo Neves — eu enviei ao Congresso o projeto de Emenda Constitucional. Logo criei, também, a Comissão Afonso Arinos, com grandes nomes da vida brasileira, para fazer o excelente projeto que fizeram e que não mandei ao Congresso porque Ulysses me disse que, se o fizesse, o devolveria, abrindo assim uma crise que era tudo que eu precisava evitar.

O senhor costuma dizer que os constituintes terminaram aprovando uma Constituição que todo dia precisa ser consertada. Em sua opinião, foi aprovado um Frankenstein?

José Sarney – Creio que o que foi feito é mais grave. Foram incluídos na Constituição todas as reivindicações corporativas, tornando o país ingovernável, com um desbalanço entre seu poder e seu dever. Nosso sistema eleitoral é ainda o do voto uninominal proporcional, funcionando sem partidos. Nosso sistema de governo mistura a competência dos Poderes. O mecanismo da Medida Provisória tornou-se o principal meio de legislar.

O senhor é acusado de recear, à época, pela aprovação dos direitos sociais, que até hoje estão aí. Por que?

José Sarney – Meu lema de governo foi “Tudo pelo Social” e toda a minha vida lutei pelos direitos fundamentais. O que temi — e aconteceu — foi que criássemos obrigações orçamentárias incompatíveis com nossa capacidade de pagar. O sistema tributário, que enxugáramos, tornou-se essa loucura: reduzíramos a carga a 22%, ela hoje está em 38% e não dá conta do que precisamos. Na convocação que fiz da Constituinte, fui eu que incluí a agenda dos direitos sociais. Está na mensagem.

O que teria acontecido se os constituintes tivessem aprovado, naquelas circunstâncias, um programa Bolsa-Família?

José Sarney – Seria compatível com o espírito dos direitos sociais da Constituição. Criar o Bolsa-Família foi um grade passo dado pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Eu criei o programa do leite das crianças, merenda escolar, vale-alimentação, vale-transporte.

O que é mais urgente mudar na Constituição?

José Sarney –O sistema político, isto é, os sistemas eleitoral e de governo. Só o Parlamentarismo, com o voto distrital misto, pode atender plenamente à estabilidade que todos almejamos no Brasil.

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