O delegado Protógenes Queiroz admitiu que teve apoio das Forças Armadas durante a investigação da Operação Satiagraha, que prendeu o banqueiro Daniel Dantas. Em entrevista à revista Época, o delegado afirmou que pediu apoio ao comandante do Exército, general Enzo Peri, para que confirmasse a suspeita de que Dantas contratou um oficial formado Instituto Militar de Engenharia para trabalhar no Opportunity.
“O comandante colocou o gabinete para cuidar do assunto”, diz Protógenes, que é filho de militar. O delegado, em reportagem dos jornalistas Rodrigo Rangel e Andrei Meireles, diz que estava convencido que não se tratava apenas de uma simples contratação de profissionais, mas de uma forma de aliciamento.
Protógenes também fez contatos nos serviços reservados da Marinha e da Aeronáutica. Aos primeiros, pediu ajuda para identificar e localizar três veleiros de Dantas. A propriedade dos barcos foi confirmada pelo próprio banqueiro quando ele foi preso.
Na Aeronáutica, o delegado pediu a localização de aviões de uso exclusivo. A inteligência da Aeronáutica produziu um relatório que apontava para quatro aviões, entre eles um Airbus, “igual ao do presidente Lula”, segundo descreve um agente próximo das investigações.
Quando souberam que a revista IstoÉ iria revelar, na semana passada, a presença do ex-agente da Abin, Ambrósio do Nascimento, nas investigações da Satiagraha, um grupo de arapongas reuniu-se em Brasília para se protegeram. Até então, as conexões militares da operação eram segredo.
A maioria sabia que Protógenes conseguira o apoio da Abin do delegado Paulo Lacerda, mas não fazia idéia da participação de militares. A idéia do grupo era assegurar que a descoberta de Ambrósio não abrisse portas para localizar os integrantes mais graduados que participaram da operação. Estavam presentes três diretores da Abin, que foram afastados depois que veio a público a informação denúncia de grampo no telefone do presidente do Supremo Tribunal Federa, o ministro Gilmar Mendes.
Segunda a Época, eles eram José Milton Campana, número dois da Abin, Renato Porciúncula, assessor de Paulo Lacerda e Paulo Maurício Fortunato, diretor de contra-inteligência. Fortunato conseguiu convencer Ambrósio a participar do encontro.
Eles pretendiam saber se Ambrósio “teria uma informação bombástica”. O ambiente era tenso. Um dos presentes informou que o delegado Daniel Lorenz, atual diretor de inteligência da Polícia Federal, colocara uma equipe de policiais de sobreaviso para, caso houvesse necessidade, tomar o depoimento de Ambrósio naquela madrugada.
Naquela noite, Porciúncula telefonou para Lorenz. “O cara é sangue doce. Não tem nenhuma bomba”, disse. Porciúncula foi modesto. Ambrósio revelou a participação do sargento Idalberto Matias de Araújo.
O comando paralelo da operação foi formado em fevereiro deste ano. Convencido de que fora abandonado pela direção da Polícia Federal, Protógenes convocou diversos militares para uma conversa em Brasília. Um dos personagens desse encontro foi o major da Aeronáutica Paulo Ribeiro Branco Junior.
O major Branco tornou-se amigo de Protógenes há dois anos, quando ambos assistiram a um curso de Inteligência Estratégica na Escola Superior de Guerra. Branco compareceu à reunião em companhia de dois militares, que conhecia de seus tempos como araponga. Um deles era Ambrósio, que seria chamado a fazer pequenos serviços como analisar documentos e e-mails grampeados, em troca de um salário mensal de R$ 1.500.
O valor, segundo a Época, era pago em dinheiro vivo e retirado da verba secreta que Protógenes tinha direito a usar na operação. O outro era o sargento Idalberto Matias de Araújo, personagem conhecido das sombras de Brasília. Ele teria um papel mais destacado na Satiagraha. Foi uma espécie de braço direito de Protógenes. Araújo é especialista em operações secretas de impacto. Segundo fontes da Abin consultadas pelas revista, ele é conhecido por atuar no mercado paralelo de dossiês contra políticos e empresários.
Leia a entrevista de Protógenes à revista
Afinal, o senhor fez grampo clandestino ou não?
Protógenes Queiroz — De maneira nenhuma. Isso é uma grande mentira, lançada levianamente, envolvendo o nome de pessoas importantes no cenário da República e de dois órgãos importantes, que são a Abin e a Polícia Federal. O objetivo daquela informação, engenhosamente montada, foi tirar o foco dos investigados e centrar nos investigadores.
Com base em que o senhor afirma isso?
Queiroz — Cadê o áudio? Como se lança uma conversa entre duas pessoas importantes da República — o presidente do STF, Gilmar Mendes, e o senador Demóstenes Torres — e não se apresenta o áudio? Não se pode deixar de lado a figura central de uma investigação que abalou as estruturas do país. Está se discutindo todo o arcabouço legislativo do Brasil por causa de uma investigação contra um banqueiro. Não um simples banqueiro, mas um poderoso banqueiro com ligações extremamente estreitas com pessoas do topo do aparato estatal. Isso foi demonstrado durante a investigação. Não posso entrar no mérito, porque a investigação ainda está sob sigilo.
O senhor se refere a quem quando fala em “topo do aparato estatal”?
Queiroz — Eu me refiro às cúpulas do sistema. Ao topo do aparato estatal.
O Poder Executivo ou não só?
Queiroz — Eu diria em termos de Estado. Não classificaria se é Executivo, Legislativo e Judiciário, mas a desenvoltura com que aparecem fatos para obstar as investigações tem um resultado prático. E aí são reveladas as pessoas que estão comprometidas com esse sistema.
Mas a investigação que o senhor fez é alvo de pelo menos quatro procedimentos para apurar possíveis desvios.
Queiroz — Há que apurar os ilícitos, e não tentar produzir provas para o bandido. Com todo o respeito pelos encarregados dessas investigações, a defesa está esperando o resultado para pedir a anulação da operação. Isso é deprimente. Para mim, quem protege bandido, bandido é.
Quem acompanha o caso tem a impressão de que há um jogo de ameaças nessa história. Isso está acontecendo?
Queiroz — Tudo o que foi colhido na Operação Satiagraha está nos autos.
E qual o potencial desse material?
Queiroz — No material apreendido, considero da maior importância os discos rígidos da residência do investigado Daniel Dantas, porque ali pode haver segredos que podem marcar a história do Brasil.
São os discos que estavam na tal parede falsa?
Queiroz — Positivo. Eu reputo ser esse o material mais importante da operação.
E o que há nesses discos?
Queiroz — O conteúdo está sendo analisado pela equipe que assumiu a investigação e espero que, um dia, o Brasil conheça esse material.
O senhor considera natural recorrer à ajuda dos serviços secretos das Forças Armadas?
Queiroz — Não vejo problema. Esses órgãos fazem parte do Sistema Brasileiro de Inteligência. A cooperação é prevista em lei.