Agentes na Satiagraha

Paulo Lacerda é afastado definitivamente do comando da Abin

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12 de setembro de 2008, 11h56

O delegado Paulo Lacerda não voltará ao comando da Agência Brasileira de Inteligência (Abin). A revelação de que havia 52 agentes da agência na Operação Satiagraha, da Polícia Federal, selou a decisão do presidente Luiz Inácio Lula da Silva de afastar definitivamente o delegado. Lacerda foi afastado temporariamente no dia 1º, depois da divulgação de uma conversa telefônica entre o presidente do Supremo Tribunal Federal, Gilmar Mendes, e o senador Demóstenes Torres (DEM-GO). As informações são do jornal O Estado de S.Paulo.

Com o delegado, outros três integrantes da cúpula da Abin foram afastados: o vice José Milton Campana, o chefe do Departamento de Contra-Inteligência, Paulo Maurício Fortunato Pinto, e o assessor especial da Presidência, Renato Porciúncula. De acordo com o jornal, como Lacerda, nenhum dos três voltará ao posto que ocupava na Abin.

O Palácio do Planalto está certo de que, além da polêmica das maletas de fazer varreduras e grampos — levantada pelo ministro Nelson Jobim (Defesa), na reunião da Coordenação Política, na semana passada —, a Operação Satiagraha era uma investigação mais de Lacerda do que do delegado que a comandava, Protógenes Queiroz. Afinal, enquanto a PF mobilizou 23 profissionais, entre delegados, agentes, escrivães e peritos, a Abin liberou 52 agentes para trabalhar com Protógenes.

Os problemas políticos gerados pela Operação Satiagraha não afetarão, porém, o general Jorge Felix, ministro-chefe do Gabinete de Segurança Institucional (GSI), e o ministro da Justiça, Tarso Genro. Quando estourou o escândalo, Felix chegou a pôr o cargo à disposição, mas Lula descartou a possibilidade de sua saída. O diretor-geral da PF, Luiz Fernando Corrêa, também estaria a salvo, apesar de ter revelado falta de controle sobre o que se passa no órgão que comanda, informa o jornal.

Além de Lacerda, as atenções do governo estão centradas em Protógenes. Por ter convocado Francisco Ambrósio do Nascimento para a Operação Satiagraha — um ex-agente do Serviço Nacional de Informações (SNI), órgão de inteligência do regime militar.

Embora se queixe de falta de apoio da direção da PF, Protógenes teve a seu dispor, nos dez meses em que comandou a Satiagraha, uma equipe de tamanho considerável. Levantamento que a PF está fazendo, a pedido do Ministério Público, mostra que os recursos, equipamentos e pessoal mobilizado colocam a Satiagraha entre as cinco maiores ações dos últimos três anos.

Isso inclui as três maiores operações do período: a Navalha, que prendeu 47 pessoas em maio de 2007 acusadas de fraude em licitações, corrupção e desvio de dinheiro público; a Furacão, que investigou um megaesquema de venda de liminares em favor de casas de bingos e caça-níqueis, e a Dilúvio, que desarticulou um esquema gigantesco de fraudes no comércio exterior. Nas três, foram mobilizados, na fase investigativa, entre 21 e 30 policiais.

Informações plantadas

O jornal O Estado de S.Paulo informa também que Paulo Lacerda está preso a outro problema que reforça a decisão de mantê-lo em definitivo fora da agência. É que a gestão dele como chefe da Polícia Federal, entre janeiro de 2003 e agosto deste ano, está sob investigação da própria PF por suspeita de “plantar” informações falsas para prejudicar pelo menos dois ministros do Supremo Tribunal Federal, Gilmar Mendes e Sepúlveda Pertence. Mendes é o atual presidente do Supremo. Pertence deixou a corte em agosto do ano passado.

A investigação da PF corre em sigilo. Foi aberta no dia 4 de agosto, a pedido do Ministério Público Federal, que levou quatro meses para atender a um recurso do Supremo ajuizado no dia 1º de abril. Pelas investigações já feitas, ficou claro que agentes e assessores da PF “inventaram” e “adulteraram” informações deliberadamente.

No caso de Gilmar Mendes, a “plantação” da PF, confirmada por depoimentos de jornalistas, foi feita dias depois de ele ter concedido um Habeas Corpus a um dos investigados na Operação Navalha, uma história que começou com o objetico de prender policiais federais corruptos e foi desviada depois para outra diferente sobre licitações de obras públicas.

Irritada por ser “desobedecida”, a direção da PF, pedindo sigilo de fonte, passou à imprensa a informação de que Mendes aparecia na lista de presenteados com “mimos e brindes” que os acusados distribuiam entre autoridades dos governos federal, estadual e municipal. O inquérito da Operação Navalha não deixa dúvida de que a Polícia Federal sabia que o Gilmar Mendes que aparecia nas investigações não era o ministro do Supremo. Em todos os relatórios, a PF já havia identificado o homônimo como “um ex-secretário de Estado (Fazenda) de Sergipe”.

No caso de Sepúlveda Pertence, a PF tirou conclusões e escreveu sem provas, em um relatório oficial, que o então ministro do Supremo vendera uma sentença proferida no dia 6 de outubro de 2006.

A Polícia Federal afirmou que Pertence “negociou” a sentença depois de fazer escuta entre três advogados do escritório GDN Consultores Associados, que cuidaram de uma ação cautelar envolvendo o Banco do Estado de Sergipe. Como um dos grampeados dizia ter conseguido no Supremo a sentença que queria, a PF, sem mais nenhuma investigação, concluiu: “Trata-se do primeiro indício de que as decisões judiciais proferidas na ação cautelar e no recurso extraordinário foram ‘negociadas’, ao menos no que se refere à sua celeridade, com o próprio ministro Sepúlveda Pertence e/ou seus assessores jurídicos.” A falsa suspeita virou notícia.

As falsas informações, conforme apura inquérito feito pela Procuradoria-Geral da República, foram passadas aos jornalistas pelo assessor de imprensa de Lacerda na Polícia Federal, François René — o mesmo assessor que seguiria depois para a Abin onde continuou seu trabalho. Os próprios repórteres contatados pelo assessor confirmaram o golpe baixo de René em depoimentos. Outra prática do homem de imprensa de Lacerda era ameaçar as publicações que faziam críticas a operações da PF: jornais “mal-agradecidos” seriam furados pelos concorrentes. O jornal O Estado de S.Paulo foi alvo desse tipo de retaliação.

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