Grampo sem limite

Procuradores defendem grampo ilimitado para crimes complexos

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10 de setembro de 2008, 18h46

“A renovação consecutiva do monitoramento sempre foi admitida e é absolutamente necessária para apurar qualquer crime com razoável complexidade probatória”. A opinião é dos procuradores da República Deltan Martinazzo Dallagnol e Orlando Martello Junior, do Ministério Público Federal no Paraná.

Em nota à imprensa, os procuradores contestam e lamentam a decisão do Superior Tribunal de Justiça, que considerou ilegal a prorrogação ilimitada do prazo de 15 dias previsto em lei para fazer interceptações telefônicas. Eles reclamam que a decisão, da 6ª Turma do STJ, jogou por terra o trabalho de três anos contra os donos do grupo Sundown, acusados de sonegação fiscal e lavagem de dinheiro. Durante dois anos as investigações se basearam apenas em interceptações telefônicas, autorizadas pela 2ª Vara Criminal Federal da Curitiba (PR).

Por unanimidade, os ministros do STJ concluíram que a lei permite apenas uma prorrogação da autorização para a quebra do sigilo das comunicações telefônicas. Pela Lei 9.296/96, a interceptação não deve ultrapassar o limite de 15 dias, sendo renovável por igual período, quando comprovada a necessidade. Além disso, a turma entendeu que as decisões que autorizaram os grampos não estavam bem fundamentadas. E que colocar uma pessoa sob escuta por dois anos não é investigação, e sim devassa.

O procurador Deltan Martinazzo Dallagnol, de 28 anos e que atua há cinco no MPF, diz que os crimes complexos demoram mesmo para serem investigados e que, quando não há outro jeito de investigar, “a interceptação tem de ser ilimitada”. Segundo ele, esta também é uma forma de comprovar a participação de outras pessoas no crime que está sendo apurado.

Dallagnol conta que, antes do julgamento final do recurso pela 6ª Turma, o MPF apresentou questão de ordem, para que o caso fosse julgado pela Seção. O pedido foi rejeitado pelos ministros. Na nota, sustenta que todas as decisões que autorizam o grampo telefônico e todas as renovações, que somaram dois anos ininterruptos, foram fundamentadas. Não foi, contudo, o que entenderam os quatro ministros do STJ.

Entre os argumentos apresentados pelos procuradores para fundamentar o pedido, está o de que os réus tomavam vários cuidados durantes as conversas por telefone, “chegando a usar codinomes e códigos, fato que obriga a estender o período de monitoramento”. Além disso, que “usavam estratagemas de ocultação e obstrução da descoberta da verdade, empregando testas-de-ferro, laranjas e off-shores nos contratos sociais”.

“A decisão de ontem fez uma escolha: optou tutelar a privacidade de alguns cidadãos, que usavam essa privacidade e seu livre-arbítrio para cometer crimes em proveito próprio e prejuízo de toda a sociedade”, escreveram os procuradores na nota divulgada à imprensa. Para eles, o STJ rejeitou o direito de investigação do Estado e a proteção de bens jurídicos “violados com os crimes”.

Caso Sundown

Isidoro e Rolando Rozenblum foram presos em Curitiba, em junho de 2006, na Operação Pôr do Sol, deflagrada pelo Ministério Público e pela Polícia Federal para investigar sonegação fiscal e lavagem de dinheiro. A Fazenda Nacional inscreveu na dívida ativa da União mais de R$ 150 milhões em dívidas de impostos da família.

A dívida viria, segundo os responsáveis pela investigação da Companhia Brasileira de Bicicletas, atualmente Brasil e Movimento S/A, fabricante de bicicletas e motocicletas das marcas Sundown Bikes e Sundown Motos. A família sustenta, porém, que fechou a fábrica e vendeu as marcas em 1996 e não mais mantém vínculos com ela.

Leia a nota

O Superior Tribunal de Justiça (STJ), apreciando ontem (9 de setembro) a legalidade de monitoramento telefônico realizado por aproximadamente dois anos, de 2004 a 2006, no Caso Sundown, julgou ilegais as decisões que autorizaram a medida por suposta falta de fundamentação. Esteve em debate ainda a validade da renovação dos monitoramentos por mais de 30 dias.

As decisões anuladas foram proferidas pelo Juiz Titular da 2ª Vara Federal Criminal de Curitiba, célebre pela responsabilidade com que supervisionou e julgou diversas investigações de crimes de lavagem de dinheiro.

As decisões que determinaram o monitoramento e sua renovação foram prolatadas explanando as razões que indicavam existir um crime e que lançavam suspeita sobre o titular do terminal telefônico monitorado, ou ainda se fundaram na necessidade de aprofundamento da apuração decorrente dos indícios da prática continuada dos crimes.

O juiz também não deixou de mencionar a gravidade dos crimes em investigação e que era necessário que a apuração se alongasse no tempo em função da complexidade dos crimes praticados e da quadrilha que se articulou para sua efetivação. As decisões, portanto, foram fundamentadas.

E não se tratavam de meras especulações, como bem demonstrou o resultado dos trabalhos. As pessoas investigadas sofreram, em seguida aos monitoramentos, vários processos criminais que lhes imputaram a prática de muito mais de cem crimes, dentre eles delitos de falsidade, descaminho, formação de quadrilha, contra o sistema financeiro nacional e de corrupção.

Os dois empresários do Grupo Sundown que coordenaram os crimes já contavam com mais de 40 anos de condenação cada um. Ainda existem dezenas de outros inquéritos tramitando aguardando conclusão para que, se não fosse a decisão do STJ, fossem intentadas outras ações criminais para responsabilizar aqueles que cometeram os delitos.

Se dos efeitos é possível conhecer a causa, está mais do que evidente que as decisões determinando as interceptações e sua renovação estavam adequadamente fundamentadas.

Cumpre também ressaltar que a legalidade dessas interceptações telefônicas já havia sido analisada pelo juiz e também por três desembargadores do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, que as reputaram regulares, confirmando em segundo grau a condenação de empresários do Grupo Sundown pela corrupção de Auditores da Receita, crimes desvelados através dos monitoramentos.

O que ocorreu, singelamente, é que foram constatados crimes às dezenas e foram usados os meios legais para apurá-los na medida do necessário. Se os crimes se repetiram às dezenas, engendrando a necessidade de perpetuação dos monitoramentos, a responsabilidade por isso não é do Estado, mas sim dos investigados.

O que se deve questionar é se existe mesmo a alegada “invasão de privacidade” quando o criminoso:

1. é acusado, recentemente, da prática de mais de 245 crimes * se fôssemos tomar o número de dias em dois anos de monitoramentos, houve acusações à razão de 1 crime para cada 3 dias;

2. está sendo investigado em dezenas de inquéritos pela prática de vários outros delitos, dentre eles o de lavagem de dinheiro, destacando-se que no último dia 4 foi recebida pela Justiça nova denúncia pela prática de 67 crimes;

3. é acusado e condenado pela prática do crime de corrupção de agentes públicos, em sentença confirmada pelo Tribunal Regional, segundo a qual os Auditores deixaram de tomar em conta, indevidamente, bases tributáveis superiores a R$ 60 milhões;

4. apresentava vários cuidados nas conversas por telefone, chegando a usar codinomes e códigos, fato que obriga a estender o período de monitoramento;

5. usava estratagemas de ocultação e obstrução da descoberta da verdade, empregando testas-de-ferro, laranjas e off-shores nos contratos sociais;

6. é condenado, em apenas três dos processos criminais recentes, a penas que somam entre 45 e 49 anos de prisão, fato que mostra a freqüência e a gravidade dos delitos;

7. sonegou, de acordo com apenas alguns procedimentos tributários concluídos até o momento, mais de R$ 70 milhões, os quais deixaram de reverter em favor da sociedade; 8.evadiu mais de R$ 21 milhões para o exterior e praticou crimes de descaminho que geraram autos de infração de aproximadamente R$ 14 milhões de reais; 9.com franco desrespeito a decisão da mais alta Corte do País (STF) fugiu para o Uruguai, local onde até hoje permanece impune.

A decisão de ontem fez uma escolha: optou tutelar a privacidade de alguns cidadãos, que usavam essa privacidade e seu livre-arbítrio para cometer crimes em proveito próprio e prejuízo de toda a sociedade. Os Ministros rejeitaram, ainda, não só o direito de investigação do Estado, mas a própria proteção dos bens jurídicos violados com os crimes, a lisura e probidade na Administração Pública e na condução dos negócios empresariais.

A validade da renovação consecutiva do monitoramento sempre foi admitida e é absolutamente necessária para apurar qualquer crime com razoável complexidade probatória, seja para demonstrar a ocorrência da infração seja para desvelar todos os seus autores. Não sem razão em todas as Operações Policiais recentes os monitoramentos se desenvolveram por muito mais do que tal prazo, o que não foi * nesses outros casos * fundamento para sua invalidação. Muito menos a resumida fundamentação de decisões foi antes razão para invalidar qualquer processo relativo a tráfico de entorpecentes, roubos ou outros crimes de regra praticados por pessoas pobres e que não freqüentam a alta sociedade.

Conseqüências da decisão

A decisão proferida ontem lançou por terra boa parte de um longo e profundo trabalho conduzido com extrema seriedade por agentes do Ministério Público, da Polícia, da Receita e da Justiça Federais. Ainda será devidamente aquilatado o que poderá ser salvo e o que está perdido, mas certamente restarão prejudicados processos criminais, inclusive de corrupção de servidores públicos, dezenas de inquéritos policiais e investigações desmembradas que apuram crimes gravíssimos, autos de infração por sonegação fiscal e bloqueios de recursos que hoje somam mais de R$ 100 milhões, valores que serviriam para indenizar, ainda que parcialmente, o Estado.

Não há recurso eficiente a ser manejado para revisar a decisão.

Deltan Martinazzo Dallagnol e Orlando Martello Junior

Procuradores da República na Procuradoria da República do Paraná

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