Escutas ilegais

General reformado lamenta risco de enfraquecimento da Abin

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5 de setembro de 2008, 20h31

Arquivo vivo da história do serviço de inteligência do regime militar no Brasil, o general reformado Agnaldo Augusto Del Nero — que dirigiu por quase dez anos o Centro de Informações do Exército — considera “um tiro no pé” o risco de enfraquecimento da Agência Brasileira de Inteligência (Abin) por conta dos supostos grampos ilegais descoberto recentemente.

“O grampo [noticiado pela revista Veja] não é correto tecnicamente”, afirma ele, “mas o mais grave foi o vazamento”. Segundo o general reformado, “um serviço de informação que deixa vazar informação não merece esse nome”.

O general entende que quem vazou a informação deve responder pelo crime. Em sua opinião, os agentes, que deixam a situação chegar a este ponto, são incompetentes. “Eles não fazem serviço de inteligência, mas fofoca”, disse ele em entrevista à Consultor Jurídico.

No entanto, ele lembra que esse tipo de interceptações é feito por todos os serviços de inteligência do mundo. Segundo Del Nero, se o agente não espionar, ele não vai ter alguém passando informações estratégicas de bandeja.

Del Nero ressalta a importância do serviço de inteligência para municiar o presidente da República. Os governantes precisam de dados para que tenham todos os elementos para tomar suas decisões. “Decisão na base da intuição pode ser boa, mas, se tiver mais informações, é maior a chance de decidir certo”, analisa.

Ele minimiza a importância da maleta que o ministro da Defesa, Nelson Jobim, afirmou ter a Abin. “Isso existe há muitos anos. É algo comum. O objetivo dessa escuta é o que importa analisar se está certo ou não”, afirma. Laudo elaborado por engenheiros do Exército comprova que dois dos equipamentos apresentados pela Abin são capazes de fazer interceptações telefônicas.

O trabalho da Abin chegou às manchetes depois que a revista Veja publicou reportagem revelando uma conversa entre o ministro Gilmar Mendes, presidente do Supremo Tribunal Federal, e o senador Demóstenes Torres (DEM-GO). A revista afirmou que as escutas ilegais foram feitas por agentes da Abin, popularmente conhecidos como arapongas. Dois dias depois de a revista chegar às bancas, o diretor-geral da agência, Paulo Lacerda, foi afastado temporariamente do cargo.

Legalmente, a agência não pode fazer grampo. Segundo a Constituição Federal, a única entidade que pode fazer escuta telefônica é a Polícia, mediante autorização judicial. No entanto, a agência era contra essa situação. Na CPI das Escutas Telefônicas, em abril, Lacerda chegou a afirmar publicamente que era a favor da agência fazer grampos. “Temos que buscar na lei o instrumental necessário para trabalhar”, disse.

Enquanto isso, noticia o jornal O Estado de S.Paulo, o advogado de Daniel Dantas, Nélio Machado, anunciou que interpelará na próxima semana o ministro-chefe do gabinete de segurança institucional da presidência da República, general Jorge Armando Felix, no Supremo Tribunal Federal (STF). De acordo com Machado, o general foi “irresponsável” ao ligar o seu cliente Daniel Dantas à implementação de escutas telefônicas por integrantes da Agência Brasileira de Inteligência (Abin) para espionar conversas do presidente do STF, Gilmar Mendes.

Ainda de acordo com o advogado, a única “prova” que o general Felix teria para sua acusação seria a coincidência de datas entre a concessão de liberdade a Daniel Dantas por Mendes e a instalação dos grampos nos telefones do ministro do Supremo. “Isso não faz o menor sentido porque meu cliente iria espionar alguém que fez cumprir o direito legal de liberdade que meu cliente merecia”, argumentou.

Estrutura da inteligência

Antes da Abin, o responsável por fornecer informações ao presidente da República era Serviço Nacional de Informações (SNI). No entanto, como os generais estavam no poder, o Exército dispunha de seu próprio serviço, o Centro de Informações do Exército. Conhecido por ser mais agressivo, o centro funcionou durante os governos Costa e Silva (1967-1969) e Médici (1969-1974). Nesse período, Agnaldo Augusto Del Nero era o número dois a agência, mas era quem comandava o operacional. O órgão ficou famoso por sua capacidade de infiltrar nos movimentos oposicionistas.

O SNI foi extinto em 1990, quando Fernando Collor assumiu a Presidência. eu acervo teria sido passado exatamento para o CIE. A inteligência do Estado ficou enfraquecida até 2002, quando o governo reformulou a sua estrutura. No Decreto 4.376, aprovado pelo presidente Fernando Henrique Cardoso, em final de mandato, foi alterado o funcionamento do Sistema Brasileiro de Inteligência (Sisbin), órgão criado em 1999.

O sistema é capitaneado pela Abin, mas se relaciona com outros órgãos do governo como Receita Federal, Polícia Federal, Banco Central e os centros de inteligência do Exército, Marinha e Aeronáutica. O objetivo do Sisbin é “integrar as ações de planejamento e execução da atividade de inteligência do País, com a finalidade de fornecer subsídios ao Presidente da República nos assuntos de interesse nacional”.

O Curso Superior de Inteligência e Estratégia, da Escola Superior de Guerra, também teve seu perfil alterado recentemente para formar quadros da espionagem, demonstrando uma mudança na superestrutura do aparelho de investigação estatal do país.

Nos últimos dez anos, o tipo de aluno que é admitido no curso de espionagem da cinquentona escola do exército mudou. Dos 33 formandos da turma de 2007, nada menos que 20 são delegados da Polícia Civil, promotores de Justiça ou auditores fiscais. Em anos anteriores também foi comum a presença de delegados e agentes da Polícia Federal. Ou seja, a ESG tem recebido cada vez mais agentes públicos de segurança e de fiscalização.

Em 1997, o quadro de alunos era completamente diferente: dos 15 alunos, nenhum era servidor civil dos órgãos de segurança do Estado. Além de militares, havia apenas civis não subordinados ao Estado. Mesmo em 2002, os agentes públicos civis eram minoria, contando apenas quatro dos 17 estagiários do curso.

A mudança mostra como o governo alterou sua mentalidade sobre a preparação dos agentes de segurança e fiscalização do Estado. A questão de fundo é que, em anos recentes, se investiu mais na formação específica de inteligência estratégica dos quadros operacionais das forças de segurança, especialmente da Polícia Federal.

O paradigma de atuação é o da segurança norte-americana. Com um numeroso exército bem treinado, o governo dos Estados Unidos costuma recrutar os inúmeros veteranos de guerra para as suas forças de inteligência policial.

O objetivo atual do curso da Escola Superior de Guerra do Curso é habilitar civis e militares para a direção e assessoramento de inteligência dos órgãos de defesa. A idéia, como mostra o site da escola, é formar quadros para o Sisbin.

Esta configuração objetiva é recente: em agosto de 2006, o presidente Lula refez o regulamento da escola do Exército. A partir do ano passado, os alunos civis do Curso Superior de Inteligência e Estratégia devem ser “possuidores de curso, estágio ou treinamento na área de inteligência, de interesse do Sistema Brasileiro de Inteligência (SISBIN)”.

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