Corte sob escuta

Supremo cobra do presidente Lula fim dos grampos ilegais

Autores

1 de setembro de 2008, 13h04

Os ministros do Supremo Tribunal Federal cobraram uma resposta enérgica do presidente Luiz Inácio Lula da Silva contra as escutas ilegais feitas pela Agência Brasileira de Inteligência (Abin) nos telefones da corte e de seu presidente, ministro Gilmar Mendes. Em reunião de pouco mais de duas horas nesta segunda-feira (1/9), no Palácio do Planalto, o tom foi o de que é preciso buscar uma solução definitiva para o problema de escutas, vazamentos e outras ações típicas de um Estado Policial.

Participaram da reunião no Planalto, além de Gilmar Mendes, o vice-presidente do STF, ministro Cezar Peluso; o presidente do Tribunal Superior Eleitoral, Carlos Britto; o diretor-geral da Abin, Paulo Lacerda; o ministro da Justiça, Tarso Genro; o ministro Jorge Felix, do Gabinete de Segurança Institucional; e o ministro Nelson Jobim, da Defesa. Durante o encontro, os ministros do Supremo fizeram um relato das investidas contra o tribunal. Lembraram, por exemplo, a tentativa de intimidação no caso da Operação Navalha.

Na ocasião, em agosto de 2007, policiais vazaram a informação de que o ministro Gilmar Mendes estava na lista das autoridades que receberam mimos da empreiteira Gautama, investigada pela Polícia Federal na Operação Navalha. A informação foi divulgada logo depois de o ministro dar liminar para soltar um dos presos pela PF. O verdadeiro nome na lista era de outra pessoa: o engenheiro Gilmar de Melo Mendes. A Polícia sabia que era apenas coincidência, mas divulgou-a assim mesmo.

Os ministros lembraram ainda que uma desembargadora do Tribunal Regional Federal da 3ª Região teria ouvido do juiz Fausto Martin De Sanctis, que comandou recentemente a Operação Satiagraha, que o gabinete do ministro Gilmar Mendes havia sido monitorado, com a ajuda da Abin.

O presidente do Supremo está reunido desde as 16h com os outros ministros da Corte para decidir como tratar o assunto institucionalmente. As escutas divulgadas neste fim de semana pela revista Veja foram o ápice de uma situação que dura já algum tempo. E, para os ministros do STF, não é possível aceitar, desta vez, apenas o anúncio de uma investigação profunda sem que haja soluções concretas para coibir as ações ilegais. A opinião comum é a de que é preciso encerrar essa fase.

O presidente Lula ainda não se manifestou sobre a reunião que teve com os ministros do Supremo. Segundo a Folha Online, o porta-voz da Presidência da República, Marcelo Baumbach, disse que Lula demonstrou “preocupação e indignação” com a notícia de grampos feitos pela Abin em telefones do Supremo. Baumbach disse ainda que o assunto será discutido na reunião da coordenação política do governo. O presidente Lula recebe nesta tarde o presidente do Senado, Garibaldi Alves (PMDB-RN), e um grupo de senadores para discutir o caso.

O ministro Gilmar Mendes quer que o Conselho Nacional de Justiça, do qual é presidente, acelere as providências para a criação da Vara de Corregedoria de Polícia, para aumentar a fiscalização do trabalho policial que foge do controle. Atualmente, além do Ministério Público, possuem o equipamento Guardião (capaz de grampear centenas de telefones ao mesmo tempo) as secretarias de segurança estaduais e até mesmo órgão da Polícia Rodoviária. O senador Romeu Tuma (DEM-SP) disse recentemente que a Abin havia manifestado interesse em adquirir o equipamento.

Outra ferramenta jurídica engavetada é a Resolução do Conselho Nacional do Ministério Público que trata do controle externo da Polícia. Questionado a respeito, o procurador-geral da República, Antonio Fernando de Souza, havia se esquivado atribuindo a demora ao STF — onde se encontra uma Ação Direta de Inconstitucionalidade ajuizada por entidade policial. Na verificação, contudo, apurou-se que o processo, na verdade, está parado no gabinete do próprio procurador-geral.

Entre os ministros do STF, examina-se a conveniência de se propor a conversão em crime da interceptação ilegal, como suscitou o ministro Eros Grau, ou a proposição de projeto de lei para reformar a lei de abuso de autoridade e permitir a queixa por abuso, que hoje é prerrogativa sem uso do Ministério Público. Outra iniciativa do CNJ será a criação da Central do Grampo, que seguirá os moldes do modelo proposto pelo Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro.

Reação da advocacia

Em São Paulo, as escutas ilegais no Supremo foram o ponto central dos discursos da abertura do seminário Perspectivas da Justiça Criminal, promovido pela Associação dos Advogados de São Paulo. O presidente da Aasp, Marcio Kayatt, afirmou que lamenta os fatos divulgados pela Veja, mas disse que, para os advogados, o avanço do Estado Policial não é novidade.

“Era a crônica da morte anunciada. Há anos a advocacia vem alertando para o que acontece no país. Mas vimos, neste final de semana, que a democracia chegou ao fundo do poço”, afirmou o presidente da Aasp. Para Kayatt, o presidente da República não pode deixar de tomar outra providência, senão demitir sumariamente os envolvidos no caso. “E esse tem de ser o começo da recuperação do Estado Democrático de Direito.”

O conselheiro federal da OAB, Alberto Zacharias Toron, disse à revista Consultor Jurídico que os grampos no STF e a notícia anterior de que o gabinete do ministro Gilmar Mendes havia sido monitorado no curso da investigação da Operação Satiagraha são fatos gravíssimos, que jogam por terra a independência do juiz e, em conseqüência, deixam o Judiciário refém do Estado Policial.

Na abertura do encontro, Toron afirmou que o que se identifica hoje é uma espécie de emparedamento do Poder Judiciário. “O juiz só é bom quando atende os reclamos do Estado de Polícia. Agora, quando o juiz concede liminar para colocar alguém em liberdade e isso, de alguma forma, destoa daquela pretensão de manter as pessoas presas, de refrear a repressão, aí já se coloca uma sombra de suspeita sobre a autoridade judiciária. E isso é inadmissível”, disse.

Para o advogado, “a idéia de um Judiciário que seja vassalo da Polícia para legitimar prisões é uma idéia que definitivamente não se concilia com a democracia”.

Grampo no STF

A revista Veja publicou reportagem segundo a qual a Abin está grampeando ilegalmente diversas autoridades. A revista traz a transcrição de uma conversa entre Gilmar Mendes e o senador Demóstenes Torres (DEM-GO) que foi grampeada. Segundo a revista, a transcrição foi repassada por um funcionário da própria Abin, que informou a existência de monitoramento de deputados, senadores, ministros de Estado e de outro integrante do STF, o ministro Marco Aurélio. O teor da conversa publicada foi confirmado pelo ministro Gilmar Mendes e pelo senador.

Ministros do Supremo, do Superior Tribunal de Justiça e juízes ouvidos pela ConJur consideraram o fato gravíssimo e disseram que a Presidência da República tem o dever de apurar os fatos relatados pela revista semanal e dar explicações sobre eles. No sábado, o ministro Ricardo Lewandowski se disse perplexo com a notícia: “É um ato gravíssimo e que abala os alicerces do Estado Democrático do Direito”.

O ministro Marco Aurélio considerou gravíssimo o episódio e disse que o presidente da República tem de identificar e demitir os responsáveis pelos grampos. “Quem cometeu desvio de conduta tem de pagar. Só assim haverá mudança cultural”, disse à ConJur. Marco Aurélio não acredita no envolvimento do presidente Lula no caso, mas pede ação. “Não podemos ficar só no faz-de-conta. O presidente precisa ter pulso de aço com luva de pelica”, declarou.

Para o ministro, os grampos clandestinos feitos pela Abin revelam a perda de parâmetro. “A administração pública só pode fazer o que está autorizada por lei a fazer. Bisbilhotar não está autorizado. Isso entra no campo da ilicitude e do crime.” Ele espera que, tudo vindo à tona, “não sendo escamoteado”, sirva para a correção dos rumos do país.

O ministro Cesar Asfor Rocha, que toma posse da presidência do Superior Tribunal de Justiça na quarta-feira (3/9), disse que o grampo ilegal no STF é o fato de maior gravidade institucional que viu nos últimos tempos: “É simplesmente inadmissível”.

Para o presidente da Associação dos Magistrados Brasileiros, Mozart Valadares, o fato é a negação do Estado de Direito. “O grampo ilegal é inaceitável quando feito contra qualquer cidadão, mas se torna mais grave quando seu alvo é o presidente da suprema corte do país”, disse Mozart.

Autores

Tags:

Encontrou um erro? Avise nossa equipe!