Repercussão social

Casal Nardoni vai a júri popular e permanecerá preso até lá

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31 de outubro de 2008, 20h18

Alexandre Nardoni e Ana Carolina Jatobá vão a júri popular por decisão do juiz do 2º Tribunal do Júri da Comarca de Santana, em São Paulo. Eles não poderão aguardar o julgamento, que ainda não tem data marcada, em liberdade. Alexandre, o pai, e Ana Carolina, a madrasta, são acusados de assassinar Isabella Nardoni, de 5 anos, em março deste ano. A menina foi jogada do sexto andar do prédio em que moravam.

O pai responderá por homicídio qualificado com a agravante da suspeita de asfixia da criança, por fraude processual e concurso de pessoas. Anna Jatobá responderá por todos esses crimes, exceto a acusação de asfixia.

Segundo o juiz, existe prova da materialidade do crime e indícios suficientes, “tanto que estão sendo pronunciados para serem submetidos a julgamento perante o Tribunal Popular”.

Na decisão, ele diz que a prisão é necessária para garantia de ordem pública e para manter a credibilidade da Justiça diante da gravidade e intensidade do dolo do crime e da repercussão que teve na sociedade. “Tal situação teria gerado revolta à população não apenas desta capital, mas de todo o país e até no exterior”, escreveu. O juiz explica que a prisão preventiva não tem como único objetivo prevenir novos crimes por parte dos acusados.

Ao pronunciar o casal e manter a prisão o juiz mencionou a hediondez do crime, “pelo fato de envolver membros de uma mesma família de boa condição social”.

Em seu despacho (leia abaixo), ele citou o voto do desembargador do Tribunal de Justiça de São Paulo, Luís Soares de Mello, no mesmo caso. Mello disse que “aquele que está sendo acusado, e com indícios veementes, volte-se a dizer, de tirar de uma criança, com todo um futuro pela frente, aquilo que é o maior ‘bem’ que o ser humano possui — ‘a vida’ — não pode e não deve ser tratado igualmente a tantos outros cidadãos de bem e que seguem sua linha de conduta social aceitável e tranqüila”.

O juiz do 2º Tribunal do Júri citou, ainda, a existência de fortes indícios de que o local do crime foi “sensivelmente” alterado para prejudicar as investigações.

“Embora se reconheça que tal prova pericial já foi realizada e que, em tese, a permanência dos réus em liberdade em nada alteraria o teor daquela prova técnica já produzida, não é menos certo que este comportamento atentatório à lealdade processual atribuído a eles constitui forte indício para demonstrar a predisposição dos mesmos em prejudicar a lisura e o bom resultado da instrução processual em juízo”, concluiu.

Leia a decisão

DECISÃO

Ante todo o exposto, com fundamento no art. 408 do Código de Processo Penal, PRONUNCIO os acusados ALEXANDRE ALVES NARDONI e ANNA CAROLINA TROTTA PEIXOTO JATOBÁ, ambos qualificados nos autos, a fim de que sejam submetidos a julgamento perante o E. 2º Tribunal do Júri desta Comarca da Capital, o primeiro deles (Alexandre) com base na acusação de ter praticado os crimes previstos nos arts. 121, parágrafo segundo, incisos III, IV e V c.c. o parágrafo quarto, parte final e art. 13, parágrafo segundo, alínea “a” (com relação à asfixia) e art. 347, parágrafo único, todos c.c. os arts. 61, inciso II, alínea “e”, segunda figura e 29, todos do Código Penal, e a segunda (Anna Jatobá) com fundamento na acusação de ter infringido as disposições legais contidas nos arts. 121, parágrafo segundo, incisos III, IV e V c.c. o parágrafo quarto, parte final e art. 347, parágrafo único, ambos c.c. o art. 29, todos do Código Penal.

Por entender este Juízo que continuam presentes as condições previstas nos arts. 311 e 312, ambos do Código de Processo Penal, que levaram à decretação da custódia cautelar dos acusados, nego-lhes o direito de recorrer em liberdade da presente decisão, devendo aguardar encarcerados a data a ser designada para realização de seu julgamento perante o Tribunal do Júri.

Isto porque, como já ressaltado acima, existe, sim, prova da materialidade do crime e indícios suficientes de autoria em relação aos acusados, tanto que estão sendo pronunciados para serem submetidos a julgamento perante o Tribunal Popular.

Além disso, na visão deste julgador — respeitos outros entendimentos em sentido diverso — a prisão processual dos acusados se mostra realmente necessária para garantia da ordem pública, objetivando acautelar a credibilidade da Justiça em razão da gravidade e intensidade do dolo com que o crime descrito na denúncia foi praticado e a repercussão que o delito causou no meio social, uma vez que a prisão preventiva não tem como único e exclusivo objetivo prevenir a prática de novos crimes por parte dos agentes, como exaustivamente tem sido ressaltado pela doutrina pátria, já que evitar a reiteração criminosa constitui apenas um dos aspectos desta espécie de custódia cautelar.


Tanto é assim que o próprio Colendo Supremo Tribunal Federal já admitiu este fundamento como suficiente para a manutenção de decreto de prisão preventiva:

“HABEAS CORPUS. QUESTÃO DE ORDEM. PEDIDO DE MEDIDA LIMINAR. ALEGADA NULIDADE DA PRISÃO PREVENTIVA DO PACIENTE. DECRETO DE PRISÃO CAUTELAR QUE SE APÓIA NA GRAVIDADE ABSTRATA DO DELITO SUPOSTAMENTE PRATICADO, NA NECESSIDADE DE PRESERVAÇÃO DA “CREDIBILIDADE DE UM DOS PODERES DA REPÚBLICA”, NO CLAMOR POPULAR E NO PODER ECONÔMICO DO ACUSADO. ALEGAÇÃO DE EXCESSO DE PRAZO NA CONCLUSÃO DO PROCESSO.”

“O plenário do Supremo Tribunal Federal, no julgamento do HC 80.717, fixou a tese de que o sério agravo à credibilidade das instituições públicas pode servir de fundamento idôneo para fins de decretação de prisão cautelar, considerando, sobretudo, a repercussão do caso concreto na ordem pública.” (STF, HC 85298-SP, 1ª Turma, rel. Min. Carlos Ayres Brito, julg. 29.03.2005, sem grifos no original).

Portanto, diante da hediondez do crime atribuído aos acusados, pelo fato de envolver membros de uma mesma família de boa condição social, tal situação teria gerado revolta à população não apenas desta Capital, mas de todo o país e até no exterior — já que além dos indícios de autoria serem bastante consistentes, a tese de negativa de autoria sustentada por eles, de tão genérica e baseada apenas em meras suposições, chegou a ser classificada pelo I. Desembargador Caio Eduardo Canguçu de Almeida, relator de um dos primeiros “habeas corpus” impetrados pelos réus, como destituída de “…nenhum resquício de razoabilidade…” (autos em apenso) — tanto que envolveu diversas manifestações coletivas que chegaram a ponto de exigir até mesmo a interdição de ruas e instauração de verdadeiro aparato militar de contenção, quando do comparecimento dos mesmos ao Fórum para participarem de audiências, tamanho o número de populares e profissionais de imprensa que para cá acorreram, daí porque a manutenção de suas custódias cautelares se mostra necessária para a preservação da credibilidade e da respeitabilidade do Poder Judiciário, as quais ficariam extremamente abaladas caso, agora, quando já existe decisão formal pronunciando os acusados para serem submetidos a julgamento pelo Júri Popular, conceder-lhes o benefício de liberdade provisória, uma vez que permaneceram encarcerados durante toda a fase de instrução.

Esta posição já foi acolhida inclusive pelo Egrégio Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, como demonstra a ementa de acórdão a seguir transcrita:

“LIBERDADE PROVISÓRIA — Benefício pretendido — Réu preso provisoriamente antes da sentença de pronúncia — Existência de elementos suficientes para submetê-lo a julgamento pelo Tribunal do Júri — Constrangimento ilegal inocorrente — Recurso improvido.

LIBERDADE PROVISÓRIA — Benefício pretendido — Primariedade do recorrente — Irrelevância — Gravidade do delito — Preservação do interesse da ordem pública — Constrangimento ilegal inocorrente.” (In JTJ/Lex 201/275, RSE nº 229.630-3, 2ª Câm. Crim., rel. Des. Silva Pinto, julg. em 09.06.97).

O Nobre Desembargador Caio Eduardo Canguçu de Almeida, naquele mesmo voto condutor do v. acórdão proferido no mencionado recurso de “habeas corpus”, resume bem a presença dos requisitos autorizadores da prisão preventiva no presente caso concreto:

“Mas, se um e outro, isto é, se clamor público e necessidade da preservação da respeitabilidade de atuação jurisdicional se aliarem à certeza quanto à existência do fato criminoso e a veementes indícios de autoria, claro que todos esses pressupostos somados haverão de servir de bom, seguro e irrecusável fundamento para a excepcionalização da regra constitucional que presumindo a inocência do agente não condenado, não tolera a prisão antecipada do acusado.”

E, mais à frente, arremata:

“Há crimes, na verdade, de elevada gravidade, que, por si só, justificam a prisão, mesmo sem que se vislumbre risco ou perspectiva de reiteração criminosa. E, por aqui, todos haverão de concordar que o delito de que se trata, por sua gravidade e característica chocante, teve incomum repercussão, causou intensa indignação e gerou na população incontrolável e ansiosa expectativa de uma justa contraprestação jurisdicional. A prevenção ao crime exige que a comunidade respeite a lei e a Justiça, delitos havendo, tal como o imputado aos pacientes, cuja gravidade concreta gera abalo tão profundo naquele sentimento, que para o restabelecimento da confiança no império da lei e da Justiça exige uma imediata reação. A falta dela mina essa confiança e serve de estímulo à prática de novas infrações, não sendo razoável, por isso, que acusados por crimes brutais permaneçam livre, sujeitos a uma conseqüência remota e incerta, como se nada tivessem feito.” (sem grifos no original).


Nessa mesma linha de raciocínio também se apresentou o voto do não menos brilhante Desembargador revisor, Dr. Luís Soares de Mello que, de forma firme e consciente da função social das decisões do Poder Judiciário, assim deixou consignado:

“Aquele que está sendo acusado, e com indícios veementes, volte-se a dizer, de tirar de uma criança, com todo um futuro pela frente, aquilo que é o maior ‘bem’ que o ser humano possui — ‘a vida’ — não pode e não deve ser tratado igualmente a tantos outros cidadãos de bem e que seguem sua linha de conduta social aceitável e tranqüila.

E o Judiciário não pode ficar alheio ou ausente a esta preocupação, dês que a ele, em última instância, é que cabe a palavra e a solução.

Ora.

Aquele que está sendo acusado, ‘em tese’, mas por gigantescos indícios, de ser homicida de sua ‘própria filha’ — como no caso de Alexandre — e ‘enteada’ — aqui no que diz à Anna Carolina — merece tratamento severo, não fora o próprio exemplo ao mais da sociedade.

Que é também função social do Judiciário.

É a própria credibilidade da Justiça que se põe à mostra, assim.” (sem grifos no original).

Nem se diga que estaria ocorrendo constrangimento ilegal em virtude da manutenção da prisão cautelar dos acusados na hipótese, tal como pretendido pelos réus em suas alegações finais, posto que constitui entendimento pacífico perante a jurisprudência pátria que, após a pronúncia, a manutenção da prisão preventiva do réu não caracteriza excesso de prazo, como atesta a emenda de acórdão proferido pelo Colendo Superior Tribunal de Justiça, a seguir colacionada:

“PRONÚNCIA — Liberdade provisória — Fundamentos — Encerramento da instrução — Excesso de prazo — Constrangimento ilegal — Inocorrência.

A prisão provisória, de natureza processual, medida que implica sacrifício à liberdade individual, deve ser concebida com cautela, em face do princípio constitucional da inocência presumida, impondo-se, por isso, que a mesma tenha por base motivos concretos, suscetíveis de autorizar a medida constritiva de liberdade. A mera circunstância de ser o réu primário e portador de bons antecedentes não impede o magistrado processante de, uma vez encerrada a instrução criminal e convencido da necessidade da custódia, indeferir pedido de liberdade provisória. Não consubstancia constrangimento ilegal a ordem de prisão processual devidamente fundamentada, ainda mais quando o réu encontrava-se foragido, sendo preso em razão de diligência policial. “Pronunciado o réu, fica superada a alegação do constrangimento ilegal da prisão por excesso de prazo na instrução” (Súmula 21 do Superior Tribunal de Justiça). Habeas corpus denegado.” (STJ — HC nº 12.305 — MA — 6ª T — Rel. Min. Vicente Leal — DJU 11.09.2000 – v.u).

Além disso, a prova pericial juntada aos autos apresenta fortes indícios de que o local do crime foi sensivelmente alterado, com o evidente intuito de prejudicar eventuais investigações que viessem ser ali realizadas posteriormente, já que vários vestígios de sangue de aspecto recente no interior do apartamento teriam sido parcialmente removidos por limpeza, inclusive em uma fralda de algodão encontrada dentro de um balde no local do crime, em processo de lavagem, onde foi obtido resultado positivo para presença de sangue, como apontado nas conclusões contidas nos laudos periciais já encartado aos autos (fls. 674, 693, 707 e 802).

Embora se reconheça que tal prova pericial já foi realizada e que, em tese, a permanência dos réus em liberdade em nada alteraria o teor daquela prova técnica já produzida, não é menos certo que este comportamento atentatório à lealdade processual atribuído a eles constitui forte indício para demonstrar a predisposição dos mesmos em prejudicar a lisura e o bom resultado da instrução processual em Juízo — a qual somente se encerra com o julgamento em Plenário do Tribunal do Júri — com o objetivo de tentar obter sua impunidade, o que foi ainda mais reforçado pelo comportamento adotado por eles durante a fase de formação da culpa, quando, já encerrada a colheita dos depoimentos de todas as testemunhas admitidas em 30 de julho de 2.008, insistiram na oitiva dos Assistentes Técnicos por eles contratados em outros Estados da Federação — já que poderiam muito bem ter se apresentado para serem ouvidos perante este magistrado, uma vez que estiveram por diversas vezes nesta Comarca da Capital de São Paulo durante a elaboração de seus pareceres, como foi amplamente divulgado pela mídia — atrasando o encerramento da fase de instrução em mais de 60 dias, sem contar o esforço que teve que ser realizado pelo I. Magistrado da E. 1ª Vara do Júri da Comarca de Salvador para ouvir a perita Delma da Gama e Narici que, por todos os meios, tentou obstruir a realização do ato, como se verifica, em riqueza de detalhes, através dos documentos de fls. 3362/3503.


Por fim, como este Juízo já havia deixado consignado anteriormente, ainda que se reconheça que os réus possuem endereço fixo no distrito da culpa, posto que, como noticiado, o apartamento onde os fatos ocorreram foi adquirido recentemente pelo pai de Alexandre para ali estabelecessem seu domicílio, com ânimo definitivo, além do fato de Alexandre, como provedor da família, possuir profissão definida e emprego fixo, como ainda pelo fato de nenhum deles ostentarem outros antecedentes criminais e terem se apresentado espontaneamente à Autoridade Policial para cumprimento da ordem de prisão temporária que havia sido decretada inicialmente, isto somente não basta para assegurar-lhes o direito à obtenção de sua liberdade durante o restante do transcorrer da presente ação penal, conforme entendimento já pacificado perante a jurisprudência pátria, face aos demais aspectos mencionados acima que exigem a manutenção de suas custódias cautelares, o que, de forma alguma, atenta contra o princípio constitucional da presunção de inocência:

“RHC — PROCESSUAL PENAL — PRISÃO PROVISÓRIA — A primariedade, bons antecedentes, residência fixa e ocupação lícita não impedem, por si só, a prisão provisória” (STJ, 6ª Turma, v.u., ROHC nº 8566-SP, rel. Min. Luiz Vicente Cernicchiaro, julg. em 30.06.1999).

“HABEAS CORPUS . HOMICÍDIO QUALIFICADO. PRISÃO PREVENTIVA. ASSEGURAR A INSTRUÇÃO CRIMINAL. AMEAÇA A TESTEMUNHAS. MOTIVAÇÃO IDÔNEA. ORDEM DENEGADA.

1. A existência de indícios de autoria e a prova de materialidade, bem como a demonstração concreta de sua necessidade, lastreada na ameaça de testemunhas, são suficientes para justificar a decretação da prisão cautelar para garantir a regular instrução criminal, principalmente quando se trata de processo de competência do Tribunal do Júri.

2. Nos processos de competência do Tribunal Popular, a instrução criminal exaure-se definitivamente com o julgamento do plenário (arts. 465 a 478 do CPP).

3. Eventuais condições favoráveis ao paciente — tais como a primariedade, bons antecedentes, família constituída, emprego e residência fixa — não impedem a segregação cautelar, se o decreto prisional está devidamente fundamentado nas hipóteses que autorizam a prisão preventiva. Nesse sentido: RHC 16.236/SP, Rel. Min. FELIX FISCHER, DJ de 17/12/04; RHC 16.357/PR, Rel. Min. GILSON DIPP, DJ de 9/2/05; e RHC 16.718/MT, de minha relatoria, DJ de 1º/2/05).

4. Ordem denegada. (STJ, 5ª Turma, v.u., HC nº 99071/SP, rel. Min. Arnaldo Esteves Lima, julg. em 28.08.2008).

Por todas essas razões, ficam mantidas as prisões preventivas dos réus que haviam sido decretadas anteriormente por este Juízo, negando-lhes assim o direito de recorrerem em liberdade da presente decisão.

Regularmente intimados os acusados e seus Defensores a respeito do teor da presente decisão, caso não seja interposto qualquer recurso ou, em caso positivo, após seu regular processamento, será aberta vista dos autos às partes para cumprimento da disposição contida no art. 422 do Código de Processo Penal, com a nova redação que lhe foi dada pela Lei nº 11.689, de 09.06.2008.

P.R.I.C.

São Paulo, 31 de outubro de 2008.

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