Hierarquia de valores

Se há conflito entre a lei e a Justiça, prevaleça a Justiça

Autor

29 de outubro de 2008, 11h52

Gosto de ler a coluna de cartas dos leitores, presente na quase totalidade dos jornais. Mergulho com simpatia neste espaço democrático, disponível para a discussão dos mais variados temas. Observo que as cartas dos leitores, com muita freqüência, tratam de questões ligadas ao Direito e à Justiça.

Em outros tempos o cidadão comum supunha que o território do Direito e da Justiça era cercado por um muro. Só os iniciados — os que tinham consentimento dos potentados — podiam atravessar a muralha. O avanço da cidadania, a partir dos debates pré-constituintes (1985), funcionamento da Constituinte e promulgação da Constituição (1988), modificou substancialmente esse panorama.

O mundo do Direito não é apenas o mundo dos advogados e outros profissionais da seara jurídica. Todas as pessoas, de alguma forma, acabam envolvidas nisto que poderíamos chamar de “universo jurídico”. Daí a legitimidade da participação do povo nessa esfera da vida social.

Cidadãos ou profissionais, todos estamos dentro dessa nau. De minha parte foi como profissional que fiz a viagem. Comecei como advogado, integrei o Ministério Público, fui juiz suplente do Trabalho. Após cumprir esse rito de passagem, vim a ser juiz de Direito porque a magistratura comum era mesmo o meu destino. Eu seria juiz no Espírito Santo, como juiz em Santa Catarina fora meu avô materno, aquele velhinho estudioso e doce que, na infância, tanto fascínio exerceu em mim.

Meu caminho, nas sendas do Direito, não foi tranqüilo e sem conflitos interiores. Se a consciência apontava para uma busca apaixonada da Justiça; se uma independência mental muito grande levava-me a não temer trilhas desconhecidas; nem por isso as dificuldades cessavam. Havia dogmas absorvidos do ambiente cultural que nos cercava.

Foi um tormentoso caminho este no qual vivi um conflito entre o dever de aplicar a lei e o dever de servir à Justiça, que nem sempre está expressa na lei.

A vida, os sofrimentos, a reflexão levaram-me a compreender que há uma hierarquia de valores a ser observada.

O juiz está, sem dúvida, submetido à lei. Mas o “regime de legalidade”, em oposição ao regime de arbítrio, não significa submeter os magistrados ao culto idólatra da lei. Nem retira dos juízes a missão, diante dos casos concretos, de trabalharem sabiamente com a lei para que prevaleça a Justiça. Se há um conflito entre a lei e a Justiça, prevaleça a Justiça.

Da mesma forma que os cidadãos em geral não podem fechar os olhos para as coisas do Direito, o estudioso do Direito não pode limitar-se ao estreito limite das questões jurídicas. O jurista que só conhece Direito acaba por ter do próprio Direito uma visão defeituosa e fragmentada.

Estamos num mundo de intercâmbio, de diálogo, de debate.

Se quisermos servir ao bem comum, contribuir com o nosso saber para o avanço da sociedade, impõe-se que abramos nosso espírito a uma curiosidade variada e universal.

Autores

Tags:

Encontrou um erro? Avise nossa equipe!