Paridade de armas

Supremo vai decidir se advogado pode ter prazo igual ao do MP

Autor

27 de outubro de 2008, 17h28

Se o Ministério Público leva quase quatro meses para apresentar as alegações finais em um processo penal, os advogados do acusado devem ter direito ao mesmo prazo — e não apenas aos cinco dias previstos no Código de Processo Penal. É o que defendem três advogados do Rio de Janeiro que pediram Habeas Corpus no Supremo Tribunal Federal na última sexta-feira (24/10).

Os advogados Flávio Lerner Sadcovitz, Márcio Feijó e Renata Levy argumentam que, para fazer as alegações finais no processo contra seu cliente, o MP levou 114 dias. Por isso, não é justo que tenham de elaborar o mesmo trabalho em um prazo tão menor. Eles defendem Jânio Xavier de Brito, denunciado por crime contra o sistema financeiro nacional, estelionato e falsidade ideológica.

“A controvérsia a ser resolvida é saber se obedece aos princípios fundamentais do processo penal democrático o tratamento absolutamente díspar dispensando ao Ministério Público, mais de cem dias para formular suas alegações finais, enquanto se exige da defesa a elaboração a mesma tarefa em cinco dias”, afirmam os advogados. O pedido de Habeas Corpus foi distribuído para a ministra Cármen Lúcia.

Em primeira instância, o juiz negou o pedido de aumento de prazo com o argumento de que, se a defesa ficou todo o tempo sem reclamar da lentidão do MP, “indiretamente anuiu com toda a demora, que mal ou bem acaba lhe favorecendo em razão da prescrição intercorrente”. Para o juiz, é princípio “basilar de direito processual que a parte que, diretamente ou indiretamente, tenha participado ou anuído com um ilícito processual, depois não pode pugnar pela invalidação do ato processual”.

A decisão foi mantida pelo Tribunal Regional Federal da 2ª Região e pelo Superior Tribunal de Justiça. No STJ, o relator do pedido de Habeas Corpus, ministro Paulo Gallotti, negou liminar para suspender o prazo das alegações finais porque entendeu que o pedido exigiria um exame mais acurado.

No recurso ao Supremo, os advogados querem que seja concedido prazo igual ao do Ministério Público ou “ao menos, proporcional a complexidade apresentada pela demanda”.

Leia o pedido de Habeas Corpus

EXCELENTÍSSIMO SENHOR DOUTOR MINISTRO PRESIDENTE DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL

FLÁVIO LERNER SADCOVITZ, MÁRCIO FEIJÓ, RENATA LEVY e HUMBERTO PIRES RODRIGUES FREITAS, brasileiros, os três primeiros, advogados e o quarto estagiário de advocacia, inscritos na OAB/RJ sob os nºs. 75.229, 119.349, 125.238 e 162.440-E, respectivamente, todos com escritório localizado no Rio de Janeiro, vêm, respeitosamente, a Vossa Excelência, com fundamento nos arts. 5º, LXIII da Constituição Federal e art. 647 e seguintes do Código de Processo Penal, impetrar a presente ordem de

habeas corpus com pedido de liminar

em favor de JANIO XAVIER DE BRITO, brasileiro, casado, agente financeiro, residente no Rio de Janeiro apontando como autoridade coatora, por imperativo legal, o Ministro Relator do habeas corpus nº. 119.335-RJ, em trâmite na Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça, em razão do indeferimento da medida liminar requerida nos autos do writ acima referido, mantendo os efeitos da decisão denegatória da ordem proferida pela Segunda Turma Especializada do Tribunal Regional Federal da Segunda Região, em franca violação aos princípios da isonomia processual e da razoabilidade.

Do cabimento do habeas corpus

A necessidade de sanar o teratológico constrangimento ilegal imposto ao paciente fez com que os requerentes optassem pela impetração desta ação mandamental contra a decisão denegatória de pedido de concessão de liminar exarada pelo relator do mandamus manejado perante o Superior Tribunal de Justiça.

Os impetrantes não desconhecem que a Súmula 691 dessa Suprema Corte declara não ser cabível a via do habeas corpus para cassar decisão que indefere liminar requerida nos autos de impetração ainda não julgada pelo tribunal inferior.

Contudo, os Ministros do Supremo Tribunal Federal vêm abrindo exceções à aplicação desse verbete, sempre que a decisão atacada pelo remédio heróico constituir flagrante ilegalidade e grave ofensa às garantias constitucionais.

Desse modo, a via manejada por este writ se mostra eficiente e apta para demonstrar o patente constrangimento ilegal a que está sendo submetido o paciente, consistente no indeferimento pela autoridade coatora de liminar pleiteada para suspender o curso do prazo para apresentação de alegações finais até o julgamento do mérito da ação mandamental, cujo pedido se cinge a reclamar a dispensa de tratamento igualitário entre as partes.

O abrandamento dos efeitos da Súmula 691 vem sendo admitido pelo Plenário do Supremo Tribunal Federal quando a questão apresentada no writ revelar patente o constrangimento ilegal imposto ao paciente.


Tal hipótese é inteiramente aplicável à espécie, pois, como se verá ao longo desta impetração, a decisão de primeiro grau que negou a defesa do paciente prazo igual aquele dispensado ao Ministério Público Federal para apresentação de alegações finais, decisum prestigiado no mérito pelo Tribunal Regional Federal e liminarmente pelo Superior Tribunal de Justiça, colide frontalmente com os princípio da paridade das armas, da razoabilidade e da ampla defesa.

Deste modo, entendem os impetrantes que se encontram presentes os requisitos necessários para que seja conhecida esta impetração, restando contornada a vedação imposta pela Súmula 691 desse Supremo Tribunal Federal.

Para a melhor compreensão das razões que recomendam, no caso, a atenuação do verbete, assim como o deferimento da liminar adiante pleiteada e, finalmente, a concessão da ordem aqui suplicada, se faz necessário um breve escorço dos episódios que geraram o constrangimento ilegal imposto ao paciente.

Brevíssimo relato dos fatos processuais

No dia vinte de julho de 2006, o paciente foi denunciado pelo cometimento dos crimes previstos nos arts. 4º caput e § único, 5º, por 36 vezes, arts. 6º, 7º, 9º, 10º e 11 da Lei 7.492/86, na forma dos artigos 29 e 69 do Código Penal; 171 § 2º, dez vezes na forma do art. 71, todos do Código Penal e do art. 299, por quatro vezes, também na forma dos arts. 29 e 69 do Código Penal (doc. nº. 01 – fls. 11/26), tendo à incoativa sido recebida em vinte e cinco de agosto daquele mesmo ano (doc. nº. 01 – fls. 27/28).

A demanda teve sua regular tramitação até que no dia doze de maio de 2008, os autos foram remetidos ao Ministério Público Federal para apresentação de alegações finais, tendo a representante do Parquet os recebido no dia seguinte (doc. nº. 01 – fls. 29).

Todavia, apesar da previsão legal vigente a época estabelecer o prazo de três dias para apresentação de alegações finais, a acusação pública utilizou-se de cento e quatorze dias, pois, conforme se vê no lançamento do protocolo da serventia judicial de primeira instância, o Ministério Público somente apresentou suas alegações finais no dia quatro de setembro do corrente ano (doc. nº. 01 – fls. 30).

Em nove de setembro último, a defesa do paciente foi intimada para apresentar “as alegações finais, em memoriais, na forma do art. 403 § 3º do CPP”, ou seja, no prazo de cinco dias (doc. nº. 01 – fls. 31).

No primeiro dia útil subseqüente à publicação de sua intimação para apresentação de memoriais, a defesa do paciente requereu fosse concedido o mesmo lapso temporal utilizado pelo Ministério Público Federal para apresentar sua derradeira manifestação (doc. nº. 01 – fls. 33/35).

Contudo, para a autoridade judiciária de primeiro grau a gigantesca desigualdade do prazo conferido ao Parquet e aquele concedido à defesa para sua fala não evidenciou qualquer ofensa ao princípio da paridade de armas, razão pela qual indeferiu o pleito defensivo. In verbis:

“Em relação ao pedido de reconsideração à respeito das diligências requeridas na defesa prévia, mantenho em todos os seus termos a decisão de fls. 807/209, bem como o de fls. 923, que se encontram devidamente fundamentadas.

Acrescento, outrossim, que entendo prejudicada a parte da petição de fls. 928/930 que argüi uma possível falta de observância integral ao despacho de fls. 851, por entender o novo rito processual implantado no CPP, já aplicável, inclusive, aos processos em tramitação, não mais trata desta possibilidade.

Por fim, quanto à devolução do prazo para oferecimento de alegações finais em 114 dias, o pleito de forma alguma deve prosperar. Se a defesa se sentiu prejudicada pelo retardo ocasionado pelo MPF, existem os canais competentes para formular a sua irresignação e averiguar possível infração administrativa. O que não se pode consentir, porém, é em ratificar esse equívoco em prol de uma pretensa isonomia.

Não custa lembrar, aliás, que, se a defesa ficou todo este tempo sem peticionar nos autos, indiretamente anuiu com toda a demora, que mal ou bem acaba lhe favorecendo em razão da prescrição intercorrente. É princípio basilar de direito processual que a parte que, diretamente ou indiretamente, tenha participado ou anuído com um ilícito processual, depois não pode pugnar pela invalidação do ato processual.

No entanto, para que a defesa não fique de forma alguma prejudicada, restituo tão somente o prazo de 5 dias (art. 403, par. 3º, CPP) para oferecimento dos memoriais a partir da intimação desta decisão. Vale acrescentar que, após o ofício deste juízo requerendo a devolução dos autos pelo MPF, lá recepcionado em 02/09/2008 (fl. 922), os memoriais foram apresentados em menos de 2 dias, conforme se depreende na autenticação mecânica de fl. 908.” (doc. nº. 01 – fls. 36).


Ante ao flagrante constrangimento ilegal imposto pela decisão acima reproduzida a defesa do paciente impetrou ordem de habeas corpus dirigido ao Tribunal Regional Federal da Segunda Região, a fim de garantir o tratamento igualitário entre as partes ou, ao menos, a concessão ao paciente de prazo mais elástico para apresentação de suas alegações finais em face da complexidade da demanda.

No dia vinte e três de setembro último, a relatora deferiu a liminar para suspender o curso do prazo para apresentação da manifestação defensiva até o julgamento do mérito da ação mandamental.

Todavia, no dia quatorze do corrente mês, o feito foi levado a julgamento, ocasião em que a ordem vindicada pelos recorrentes foi denegada. A ementa restou assim redigida:

“EMENTA

HABEAS CORPUS. ALEGAÇÕES FINAIS. PRAZO. PARIDADE DE ARMAS. DILIGÊNCIAS. INDEFERIMENTO. CERCEAMENTO DE DEFESA.

1. Se houve efetivamente uma irregularidade na permanência do processo com o Ministério Público federal por 114 (cento e quatorze dias), para a apresentação de alegações finais, ou se estava ele gozando de prerrogativa em função de ser representante do Estado, não é viável a concessão à defesa do paciente do mesmo prazo exorbitante, para supostamente atender ao princípio da paridade de armas. Seria certamente mais adequado que devolvesse os autos ao juízo ou tivesse provocado o Juízo para sanar tal irregularidade. No entanto, preferiu ficar inerte durante Todo o período.

2. O simples indeferimento de diligência requerida pela defesa, por si só, não implica cerceamento de defesa e nem eiva de nulidade o feito, pois cabe ao Magistrado decidir sobre a conveniência ou necessidade da produção da prova pleiteada.

3. Ordem denegada” (doc. nº. 01 – fls. 82).

O acórdão foi publicado na imprensa oficial no dia dezessete do corrente mês.

Inconformados com a subsistência do flagrante constrangimento ilegal a que vem sendo submetido o paciente, a defesa do acusado impetrou, no mesmo dia dezessete, novo habeas corpus, desta feita perante o Superior Tribunal de Justiça. (doc. nº. 02)

O writ foi tombado sob o nº. 119.335/RJ e distribuído à Sexta Turma daquela corte, sob a relatoria do ilustre Ministro Paulo Gallotti.

Todavia, Sua Excelência, indeferiu o pleito liminar ali deduzido sob a argumentação que não vislumbrava, naquele momento, o perigo na demora da prestação jurisdicional, alegando, ainda, que a matéria em debate exigiria um exame mais acurado da demanda. In verbis:

DECISÃO

Tratam os autos de habeas corpus deduzido em favor de Jânio Xavier de Brito, denunciado pela prática de crimes contra o sistema financeiro nacional, estelionatos e delitos de falsidade ideológica, indicada como autoridade coatora o Tribunal Federal da 2ª Região.

Afirmando que o Ministério Público levou cento e catorze dias para apresentar alegações finais, pretende a impetração “seja possibilitada à defesa a utilização do mesmo prazo concedido ao representante do parquet para apresentação do seu memorial, ou na sua impossibilidade, a disponibilização de prazo razoável”, fl. 11.

A liminar, na via eleita, não tem previsão legal, sendo criação da jurisprudência para casos em que a urgência, necessidade e relevância da medida se mostrem evidenciadas de forma indiscutível na própria impetração e nos elementos de prova que a acompanham.

Não vislumbro, neste juízo preliminar, o fumus boni juris necessário à concessão da medida de urgência, exigindo a verificação do alegado constrangimento uma análise mais percuciente dos elementos de convicção contidos nos autos, o que ocorrerá por ocasião do julgamento de mérito.

Assim, indefiro a liminar.

Determino se solicitem informações ao Juiz de primeiro grau, abrindo-se, após, vista dos autos ao Ministério Público Federal.

Assim, diante da frontal ofensa aos princípios norteadores do processo penal os impetrantes apresentam este writ com o objetivo de por fim ao patente constrangimento ilegal que vem sendo imposto ao paciente” . (doc. nº. 03)

Como se vê, a decisão denegatória da liminar proferida pela autoridade coatora pereniza grave constrangimento ilegal imposto ao paciente, uma vez que não lhe está sendo autorizada a utilização de prazo idêntico àquele disponibilizado pelo Ministério Público Federal para apresentação de suas alegações finais, situação que fere os princípios da paridade das armas, da razoabilidade e da ampla defesa, não se coadunando, portanto, com os preceitos constitucionais que norteiam o processo penal democrático, razão pela qual os impetrantes suplicam a atuação dessa corte, na qualidade de guardiã da Magna Carta.

Estes são os fatos.


Do Direito

Ao negar a liminar requerida nos autos do habeas corpus nº. 119.335, a autoridade coatora manteve hígidos os argumentos lançados pelo magistrado de primeiro grau e pelo Tribunal Regional Federal da Segunda Região.

Contudo, como veremos a seguir, a solução preconizada pelas instâncias inferiores afronta princípio basilares que regem a lei instrumental a luz da constituição vintenária.

Vejamos.

A solução apontada pela autoridade judiciária de primeiro grau, prestigiada pelo Tribunal Regional Federal da Segunda Região e mantida pela autoridade coatora de que a defesa deveria ter se manifestado ao Juízo de primeiro grau requerendo a “intimação do Ministério Público para que devolvesse os autos ao Juízo ou tivesse provocado o Juízo para sanar tal irregularidade” ou de que os impetrantes deveriam buscar a punição administrativa do representante do Parquet responsável pelo retardo da acusação pública em apresentar suas alegações, não enfrentam a questão fulcral posta no presente remédio heróico.

A controvérsia a ser resolvida através deste mandamus é saber se obedece aos princípios fundamentais do processo penal democrático o tratamento absolutamente díspar dispensando ao Ministério Público, mais de cem dias para formular suas alegações finais, enquanto se exige da defesa a elaboração a mesma tarefa em cinco dias.

A simples leitura dos fatos processuais revela a clara ofensa ao princípio da paridade de armas. Observemos.

O tratamento privilegiado concedido ao órgão acusador se torna ainda mais evidente quando, como no presente caso, se está diante de imputação de cometimento de várias condutas ilícitas, cuja complexidade pode ser aquilatada pela dimensão da própria denúncia (doc. nº. 01 – fls. 11/26), bem como pelo alentado caderno processual, composto de quatro volumes e três apensos, passando das mil páginas (doc. nº. 01 – fls. 42/48), motivo que por si só deveria ensejar a concessão de prazo mais elástico para a apresentação de memoriais, à luz do princípio da razoabilidade.

Além disso, conforme estabelece o art. 125, inciso I, do Código de Processo Civil, aqui aplicado de forma subsidiária, a igualdade de tratamento das partes é um dever do juiz e não uma faculdade, sendo certo que as partes e os seus procuradores devem merecer tratamento igual, com ampla possibilidade e oportunidade de fazer valer em juízo as suas alegações.

A necessidade de se assegurar aos litigantes um tratamento equânime, para que os sujeitos processuais desempenhem seu mister em condições parelhas, é a essência da estrutura dialética que norteia o caráter instrumental da Lei Processual Penal.

Neste sentido, nos socorremos do escólio dos ilustres magistrados Luis Gustavo Grandinetti Castanho de Carvalho e Sólon Bittencourt Depaoli, que em recente artigo publicado no Boletim do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais – IBCCRIM abordam o tema do seguinte modo:

“A conformação estrutural dessa idéia resulta nas hipóteses de participação efetiva das partes, em caráter de equilíbrio, exercitando “simétrica paridade das suas posições, na mútua implicação das suas atividades (destinada, respectivamente, a promover e impedir a emanação do provimento); na relevância das mesmas para o autor do provimento.”

Ademais, esse tratamento desigual causa efetivo prejuízo à defesa, que além de não poder dispor de tempo satisfatório para se debruçar sob os autos que tratam de matéria de extrema complexidade, prazo esse concedido ao Parquet, está vendo frustrada a iniciativa de obter prova imprescindível a sua defesa, cuja realização foi pleiteada pelo acusado em sua defesa prévia, tendo, na época, o juízo singular definido como sendo um ônus defensivo a sua realização, e que agora, diante da alteração do rito processual e extinção da fase prevista no artigo 499 do Código de Processo Penal, estaria prejudicada a sua efetivação, segundo o magistrado.

Explicamos.

De acordo com o despacho de fls. 37/39, a autoridade judiciária de primeiro grau indeferiu a realização de diligência referente à expedição de ofício à companhia Centrais Elétricas do Pára – CELPA — S/A para que essa empresa prestasse diversas informações sobre os valores de suas ações.

Essa diligência, apesar de indispensável à defesa do paciente, eis que a imputação de gestão temerária reside exatamente nas operações financeiras realizadas com esses títulos mobiliários, foi indeferida, pois, na visão de Sua Excelência, os informes requeridos poderiam ser obtidos através de requerimento feito diretamente pela defesa (doc. nº. 01 – fls. 37/39).

Assim, o paciente encaminhou, em duas ocasiões, correspondências à CELPA — S/A requerendo fossem fornecidos alguns dados sobre as suas ações (doc. nº. 01 – fls. 40/41), sendo certo que até a presente data a companhia em comento não atendeu o solicitado pelo acusado.


Deste modo, permanecendo o paciente obrigado a apresentar suas alegações finais com a ligeireza estabelecida pela decisão do magistrado de primeiro grau e ratificada tanto pelo Tribunal Regional Federal da Segunda Região, como pela autoridade coatora, o acusado estará sofrendo flagrante cerceamento na sua atividade defensiva, pois diante do exíguo lapso temporal o paciente não só deverá apresentar seus memoriais, como também terá que canalizar esforços visando obter, de outra forma, os informes solicitados à CELPA S/A, não obstante o Parquet ter despendido quase quatro meses somente para apresentar suas alegações finais.

Por sua vez merece censura a alegação contida no acórdão proferido pelo Tribunal Regional Federal de que “o habeas corpus se consubstancia em remédio constitucional destinado à proteção do direito de locomoção do paciente, não se prestando a tal pleito”.

É certo que os impetrantes não desconhecem que o writ em comento só deve ser empregado quando estiver em jogo a locomoção do paciente. Todavia, não é necessário que a ameaça ou lesão à liberdade do paciente esteja sendo diretamente violada. Como bem destacado no aresto proferido pelo Tribunal Pleno da Suprema Corte no julgamento da AI-QO 664567 / RS, “Para obviar a ameaça ou lesão à liberdade de locomoção – por remotas que sejam – há sempre a garantia constitucional do habeas corpus”.

Cumpre também advertir que, ao contrário do que consta na decisão monocrática, a concessão da ordem ora vindicada em nada frustrará a prestação jurisdicional, eis que as penas dos delitos imputados ao paciente são altíssimas, sendo necessário que a ação penal dure pelo menos mais dois anos para que se consume a causa extintiva da punibilidade, pela pena mínima, e mesmo assim de pequena parte dos ilícitos penais imputados ao paciente, pois do recebimento da denúncia até a presente data transcorreu apenas um biênio.

Deste modo, resta claro que a concessão da ordem aqui pleiteada jamais contribuirá para a ocorrência do fenômeno da prescrição, sendo certo que a defesa apenas postula um tratamento igualitário e que prolongará a tramitação da ação penal em pouco mais de três meses, não ferindo, desta forma, o princípio da duração razoável do processo.

Portanto, não se justifica qualquer atropelo na reta final do processamento da mencionada ação penal, em especial quando implica na ofensa ao princípio da isonomia, de importância vital ao processo penal democrático.

Por fim, a questão trazida ao conhecimento dessa corte, em especial no que diz respeito ao pedido de concessão de medida liminar, não demanda, como quer crer a autoridade coatora, “uma análise mais percuciente dos elementos de convicção contidos nos autos” (doc. nº 03).

A disparidade de tratamento concedido as partes é um fato incontroverso, uma vez que todas as decisões aqui reproduzidas reconhecem ter o representante do Parquet permanecido aproximadamente quatro meses com os autos para apresentar suas alegações finais.

Neste sentido, a questão central versada no presente writ e que enseja não só a provocação dessa Corte, como a necessidade da concessão de medida liminar, para que se evite a realização de atos processuais que posteriormente poderão ser declarados nulos (memoriais e sentença), está na admissão ou não da possibilidade das partes litigantes em ação penal obterem tratamento tão díspar.

Da liminar

Como se vê, a fumaça do bom direito reside na flagrante violação dos princípios da paridade de armas e da razoabilidade, ambos a garantir que o prazo a ser concedido à defesa para apresentação de suas alegações finais seja igual aquele oportunizado ao representante do Parquet, ou, ao menos, proporcional a complexidade apresentada pela demanda.

O perigo na demora da prestação jurisdicional repousa no fato de que a decisão denegatória da ordem proferida pelo Tribunal Regional Federal da Segunda Região e mantida pela autoridade coatora foi publicada na imprensa oficial no último dia dezessete (doc. nº. 01 – fls. 86), fazendo com que os impetrantes sejam, a qualquer momento, impelidos a cumprir o prazo concedido pelo magistrado de primeiro grau para apresentação dos memoriais, não podendo exercer seu munus de forma plena, seja pela subtração de tempo importantíssimo à elaboração de suas alegações finais, seja pela impossibilidade de dispor de todo o material probatório necessário à comprovação de sua tese defensiva, pois até a presente data a CELPA – S/A não enviou os informes requeridos pelo paciente.

Ante o exposto, requer o paciente liminarmente seja suspenso o prazo para apresentação de suas alegações finais até que essa Corte julgue o mérito da presente ação mandamental.

Do pedido

Como se pôde perceber ao longo desta impetração é patente a agressão ao princípio da igualdade das partes, cuja perenização colocará em risco um dos pilares que sustentam o processo penal democrático.

Diante desse constrangimento ilegal imposto ao paciente, requerem os impetrantes seja concedida a ordem a fim de que seja possibilitada à defesa a utilização do mesmo prazo concedido ao representante do Parquet para apresentação do seu memorial, ou na sua impossibilidade, a disponibilização de prazo razoável, para a defesa apresentar sua fala derradeira em condições aproximadas daquela oportunizada ao órgão acusador, ocasião em Vossas Excelências estarão fazendo a habitual JUSTIÇA!

Rio de Janeiro, 21 de outubro de 2008.

FLÁVIO LERNER SADCOVITZ — OAB/RJ 75.229

MÁRCIO FEIJÓ — OAB/RJ 119.349

RENATA LEVY — OAB/RJ 125.238

HUMBERTO PIRES R. FREITAS — OAB/RJ 162.440-E

Autores

Tags:

Encontrou um erro? Avise nossa equipe!