Troca de funções

Advogado diz que MP usa PM em investigações e é processado

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25 de outubro de 2008, 23h00

O advogado criminalista Paulo Sérgio Leite Fernandes tenta trancar, no Tribunal de Justiça de São Paulo, a Ação Penal que tramita contra ele por calúnia qualificada. Ele afirmou, durante sustentação oral, que o Ministério Público de São Paulo cometia crime por contratar policiais militares para investigar civis. A liminar no pedido de Habeas Corpus de Fernandes já foi negada pelo desembargador Louri Barbiero, da 8ª Câmara Criminal do TJ paulista.

Os fatos ocorreram em janeiro de 2007. A Ação Penal é movida por Rodrigo Pinho, que era procurador-geral de Justiça na época. Paulo Sérgio Leite Fernandes defendia em julgamento na 14ª Câmara Criminal do TJ-SP o advogado Eduardo Diamante, acusado de colaborar com a organização criminosa Primeiro Comando da Capital (PCC). Fernandes queria garantir o direito de seu cliente ficar retido em sala de Estado-Maior. Diamante conseguiu, posteriormente, liberdade por decisão do Supremo Tribunal Federal.

Durante a sustentação oral, houve discussão. Segundo o processo, o procurador de Justiça Carlos Eduardo Buono afirmou que “uma sociedade de marginais pagava competentes advogados para a defesa de seus apadrinhados”. Paulo Sérgio Leite Fernandes ficou ofendido e retrucou afirmando que quem cometia crime era o Ministério Público de São Paulo, que pagava policiais militares para que investigassem cidadãos sob as ordens do Grupo de Atuação Especial de Repressão ao Crime Organizado (Gaeco). Buono comunicou o fato ao então procurador-geral de Justiça do estado, Rodrigo Pinho.

Um ano depois, o advogado soube da Ação Penal. Ele pediu exceção da verdade, alegando ter provas da acusação que fez. A primeira instância indeferiu o pedido. Segundo o advogado, na própria Ação Penal, o Ministério Público e o juiz admitiram que os fatos narrados por Paulo Sergio Leite Fernandes eram verdadeiros.

“Falta justa causa à ação penal, pois a calúnia só acontece quando se atribui falsamente a alguém fato definido como crime. O paciente explicou, e muito bem, estar atribuindo ao antigo procurador-geral conduta ilegal. Não a tipificou como infração penal, mas o comportamento atribuído ao pseudo-ofendido era verdadeiro. Pretender-se saber se o paciente agiu ou não com dolo (elemento subjetivo do tipo) constitui absurdo sem par, porque o tipo só se integra com a falsa atribuição e, se a imputação é verdadeira, inexiste integração típica”, afirma a defesa de Paulo Sergio Leite Fernandes, representada pelos advogados Rogério Seguins Martins Junior e Otávio Augusto Rossi Vieira.

Paulo Sergio Leite Fernandes distribuiu à OAB e ao Órgão Especial do Tribunal de Justiça de São Paulo um livreto que chamou de “livro negro de uma grande injustiça”. “Não admito que a verdade estabelecida e irretorquível seja a geratriz da ação penal referida. Uma conseqüência salutar já aconteceu com o Ato Normativo com que o novo procurador-geral de Justiça, Fernando Grella, atento às extravagâncias, está a determinar que nada aconteça no Gaeco sem conhecimento da autoridade superior. Sinto-me compensado parcialmente”, afirma.

O advogado acredita que o Tribunal de Justiça vai determinar o trancamento da Ação Penal. “Devo dizer que o procurador Buono poderia ter evitado que as coisas chegassem ao ponto dramático agora relatado, sendo co-responsável pelas conseqüências. Amenizando o texto, convenha-se, com o teatrólogo Nelson Rodrigues, que ‘Toda Nudez Será Castigada’”, disse Leite Fernandes em nota colocada em seu site.

HC 990.08.078800-0

Leia o pedido de Habeas Corpus

Excelentíssimo Senhor Doutor Desembargador Presidente da Seção Criminal do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo:

Os advogados Rogério Seguins Martins Júnior e Otávio Augusto Rossi Vieira, brasileiros, casados, inscritos na Seccional de São Paulo da Ordem dos Advogados Brasil sob números 218.019 e 111.539, respectivamente, mantendo escritório na Rua Mário Guastini número 380, em São Paulo, impetram habeas corpus, com pedido de liminar suspensiva da ação penal de origem, em favor de Paulo Sérgio Leite Fernandes, também brasileiro, casado, advogado regularmente inscrito na Ordem dos Advogados do Brasil, Secção de São Paulo, sob o número 13.439, também domiciliado e residente nesta Capital (Rua XXX número XXX, apartamento XXX).

O paciente é, seguramente, um competente, conhecido e respeitado advogado criminal em São Paulo, exercendo o mister há meio século. É antigo professor titular da cadeira de Processo Penal na Universidade Católica de Santos, onde lecionou por vinte anos. Foi também professor convidado de prática processual penal na Universidade Mackenzie. Exerceu dois mandatos como conselheiro do Conselho Federal da Ordem dos Advogados. Presidiu, no Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil, a Comissão Nacional de Defesa das Prerrogativas do Advogado. Integrou, por três mandatos, o Conselho Seccional de São Paulo da OAB. Tem livros jurídicos publicados, destacando-se “Nulidades no Processo Penal”, em 5ª. Edição, “Aborto e Infanticídio”, em 2.a edição, esgotado, “Tóxicos”, esgotado e “Na Defesa das Prerrogativas do Advogado”, reeditado pela quinta vez com texto atualizado.


A descrição do “curriculum vitae” do paciente não é concretizada com o propósito de lhe enaltecer virtudes, mas vem aos autos para levar a essa Corte a angústia com que um criminalista septuagenário, com meio século de serviços prestados à classe e à ciência jurídica, é submetido imerecidamente a uma disputa judicial que, embora constituindo, em tese, chamamento do Juiz à dicção do Direito, precisa ser encarada dentro de pressupostos extremamente prudentes.

Apontam os impetrantes, inicialmente, o impedimento dos eminentes desembargadores integrantes da 14.ª Câmara Criminal desse Egrégio Tribunal. Os cultíssimos juízes em questão exerceram jurisdição no feito que originou a ação penal motivadora do “Writ,”sendo arrolados pelo Ministério Público como testemunhas do fato (Doc. I).

Pleiteiam liminarmente a suspensão do curso do procedimento até o julgamento definitivo do “Writ”.Cuida-se de ação penal tramitando sob número 050.07.015926-2 (Controle n.º 768/2007) na 31ª Vara Criminal do Fórum Central da Capital. O paciente foi denunciado por adequação ao artigo 138, combinado com o artigo 141, inciso II, ambos do Código Penal (Doc. I). A denúncia foi recebida em 30 de junho de 2008 (Doc. II). Era ofendido Rodrigo César Rebello Pinho, Procurador-Geral de Justiça do Estado de São Paulo ao tempo dos acontecimentos incriminados.

A ação penal, pela extravagância, apresenta peculiaridades que justificam a pretensão à interrupção do curso do procedimento, evitando-se, “sit et in quantum”, prejuízos inenarráveis ao contraditório.

Tem o “Writ” três fundamentos, dois mais extensos e independentes, correspondentes à falta de causa justa para a perseguição, outro mais restrito, mas não menos relevante, ligado a anômalo e nunca visto, na jurisprudência pátria, constrangimento ilegal análogo adstrito a impedimento ao pleno exercício da atividade defensiva.

É costume dos impetrantes a seca exposição do pedido logo no intróito, facilitando com isso a delibação imediata. Dentro de tal contexto, desenvolvem, agora, a exposição atinente à geratriz do socorro pretendido:

Primeiro Fundamento

Falta de Justa Causa

Relato de uma triste ocorrência

1) – O paciente, hoje decano dos advogados criminais paulistas na ativa, contanto 72 anos de idade e cinqüenta na especialidade, foi encarregado de defender o também advogado Eduardo Diamante, preso em razão de decreto de prisão preventiva lançado por suspeita de co-participação em atividade delinqüencial atribuída a integrantes do denominado “PCC”. A imputação feita ao advogado Diamante advinha de interceptação ambiental levada a cabo por membros do Ministério Público do Estado de São Paulo, acolitados por assessores pertencentes, segundo sérios indícios, à Polícia Militar paulista. Lembrar-se-á esse Egrégio Tribunal de que o fato provocou noticiário abundante, porque a augusta Instituição do Ministério Público pretendera plantar indiscriminadamente, no parlatório de duas penitenciárias paulistas (Presidente Prudente e Presidente Bernardes), artefatos eletrônicos permitindo a gravação de diálogos entre advogados e seus clientes, obtendo autorização para fazê-lo quanto a alguns profissionais, sem exceção do paciente Eduardo Diamante (Docs. III-V). Tal atividade de promotores de justiça foi bem delineada no habeas corpus impetrado em favor de Diamante, sofrendo os persecutores, naquele contexto, as críticas adequadas (Doc. VI).

2) – O paciente Paulo Sérgio Leite Fernandes, embora pretendendo também a revogação da custódia preventiva imposta ao defendido, reivindicava com predominância o recolhimento do advogado-réu a Sala de Estado-Maior. Durante a impetração, o juiz de primeiro grau deferira a prisão diferenciada, levando o paciente Paulo Sérgio então, a comunicar o fato ao Tribunal recipiendário (Doc. VII).

3) – O habeas corpus em questão foi levado a julgamento no dia 11 de janeiro de 2007, sendo distribuído, antes, à 14.ª Câmara Criminal, integrada por cinco desembargadores, três dos quais tinham voto, relatando-o o eminente desembargador Fernando Matallo. Cuidava-se, evidentemente, de postulação delicadíssima, porque a discussão sobre hipotética participação de advogados na atividade do denominado crime organizado acelerava o tônus das disputas corporativas. A impetração, à semelhança de outras, pretendia assegurar prerrogativas estatutárias deferidas àquele paciente em particular e aos advogados em geral, insurgindo-se o “Parquet” contra o desiderato. Assim, a sessão reservada ao julgamento do “Writ” se revestiu de toque emocional inflamado, havendo sustentação oral, posta pelo paciente Paulo Sérgio Leite Fernandes, refugada, também oralmente, pelo promotor público Carlos Eduardo Buono. Enquanto contrariava a sustentação oral, o representante do “Parquet” chamava o paciente de bandido, mesmo sendo ele primário e ostentando imaculada vida pregressa. O acusador público usava o epíteto desnecessariamente, agredindo o denominado “estado de inocência” constitucionalmente assegurado a todo cidadão. Isso motivou reação também agressiva do paciente Paulo Sérgio Leite Fernandes, afirmando o último, em alto e bom som, que a utilização de policiais militares pelo MPSP, dirigido à época pelo Procurador Rodrigo Pinho, constituía atividade ilegal, visto que aqueles policiais ganhavam duplamente, uma vez na própria Corporação, outra vez no Ministério Público, caracterizando-se, portanto, conduta ilícita. Foi o bastante para que o membro do “Parquet” se enfurecesse. O entremeio da disputa é dispensável, bastando assentar que o paciente não se intimidou com a manifestação do promotor público de segundo grau, insistindo na assertiva antes concretizada. Parte da disputa vem assentada na ata ou tira de julgamento, depois parcialmente refeita, porque merecera observações do paciente (Docs. VIII-X). Vale a pena acentuar, em continuação, que o procurador Buono, insciente de provas existentes a respeito do que o paciente Paulo Sérgio afirmava, decidiu provocar uma relação causal absurdamente desenlaçada dos limites do contraditório penal. Açodadamente, comunicou o fato por escrito a Rebello Pinho, circunstância, aliás, só conhecida do paciente um ano depois. Buscando dar ao incidente dimensão razoável, o advogado Paulo Sérgio Leite Fernandes explicara à Corte, por petição, os argumentos usados na sustentação oral, pretendendo, com isso, ultrapassar a dissidência (Doc. IX). Enquanto se comportava naquele leva-e-traz, o membro do Ministério Público em questão não sabia – presume-se – que estava a gerar um problema muito sério à própria Instituição, porque a Procuradoria-Geral de Justiça, com ou sem conhecimento do chefe, fazia estipendiar um grupo de policiais militares dedicados exclusivamente ao assessoramento de um setor denominado “GAECO”. Tais soldados, conforme confissão expressa por um ou outro, dedicavam-se a investigações determinadas pelo GAECO, trabalhando muitas vezes sem farda e cumprindo determinações respeitantes, inclusive, à prisão dos investigados. A prova dessa característica é absoluta, perfeita, incontornável e admitida sem discrepância, inclusive, pelo Ministério Público e pelo Juiz apontado, aqui, como autoridade coatora (Docs. XI-XII).


4) – Doze meses depois, o paciente Paulo Sérgio Leite Fernandes foi interrompido na faina diária por um mandado de intimação resultante de denúncia que pretendia inculpá-lo pelo delito de calúnia qualificada, cientificando-se-o, então, de que o Procurador-Geral de Justiça Rebello Pinho, incorretamente aconselhado, representara ao Ministério Público de primeiro grau, acentuando na delação postulatória que o paciente o acusara falsamente de fatos definidos como crimes (Doc.XIII). Embora a falta de justa causa decorrente dessa representação não seja a razão predominante do “Writ”, é bom lembrar que aquele chefe-maior do Ministério Público de São Paulo não se devotou a descobrir, quanto ao GAECO, qual o organograma que permitia àquele setor o desenvolvimento das decantadas atividades, deixando à deriva, assim, a circunstância de que os cofres do órgão persecutor estipendiavam, verdadeiramente, soldados da Polícia Militar, que realizavam as atribuições indicadas, consumando-se, então, dualidade de pagamento expressamente proibida pelo Direito Administrativo e por leis outras regentes das atividades do funcionário público em geral, realçando-se igual vedação posta na Constituição Federal. Realmente, as assertivas do paciente Paulo Sérgio Leite Fernandes, na hipótese vertente, jamais constituiriam calúnia, pois se adaptavam perfeitamente à verdade real.

5) – Afirma o persecutor oficial que o paciente Paulo Sérgio teria, enquanto descrevendo a conduta do Procurador-Geral de Justiça do Estado, formalizado, quanto a este, imputação de prática de peculato-desvio. Não é verdade. A conduta descrita pelo denunciado Leite Fernandes caracterizava, com extrema certeza, alusão a ilícito administrativo visualizável sem entraves maiores ou necessidade qualquer de raciocínio sibilino. Na verdade, quando o servidor público, desviando-se de suas funções, pratica outros comportamentos para os quais qualificado não está, recebendo dinheiros na origem e na instituição derivada, há, seguramente, violação de preceitos atinentes ao Direito Administrativo, inserindo-se o defeito, diga-se de passagem, nas especificações do artigo 144, parágrafos 4.° e 5.°, bem como do artigo 39, parágrafo 4.° , ambos da Constituição Federal. O primeiro dispositivo impede o policial militar de investigar criminalmente civis. O segundo proíbe ao funcionário público militar auferir qualquer gratificação, adicional, abono, prêmio, verba de representação ou outra espécie remuneratória.

6) – Diogenes Gasparini, examinando o tema, disserta, referindo-se à acumulação de cargos: “Os servidores militares têm, quanto à acumulação de cargos, regime próprio, substancialmente desenhado pelos incisos II e III do artigo 142 da Constituição Federal que, em termos práticos, nega para agentes públicos a acumulação (ocupação simultânea de dois cargos, empregos ou funções, desde que haja, para os respectivos exercícios, compatibilidade de horário). Com efeito, se aceitar cargo público civil permanente, será transferido para a reserva, e se aceitar cargo, emprego ou função temporária, na Administração direta ou indireta, ficará agregado. Nas duas situações não há exercício simultâneo, dado que o militar deixa a ativa”. Adiante: “Em razão desse regime, é fácil perceber porque, como regra, se afirma que os militares não podem deixar suas funções para ocupar cargo, emprego ou função civil, estranhos à sua carreira. Esse regime também se aplica aos militares dos Estados e do Distrito Federal, por força do parágrafo primeiro do artigo 42 da Constituição” (Direito Administrativo, Editora Saraiva, 12.ª Edição, página 255). Cuidando das peculiaridades, Maria Sylvia Zanella Di Pietro assevera: “Nos termos do artigo 37, inciso XVI, alterado pela emenda constitucional número 19, é vedada a acumulação remunerada de cargos públicos, exceto quando houver compatibilidade de horários, observado, em qualquer caso, o disposto no inciso XI (teto de vencimento ou subsídio): a) – de dois cargos de professor; b) – a de um cargo de professor com outro técnico ou científico; c) – a de dois cargos de médicos” (Direito Administrativo, Editora Atlas, 10ª edição, página 379).

7) – O militar recebe soldo, gratificações e indenizações regulares, não podendo acumular proventos na inatividade, a menos que estando na reserva remunerada e no exercício de mandato eletivo, isto quanto ao magistério ou cargo em comissão (v. Lei 6.880, de 09.12.1980). José Afonso da Silva é explícito: “A remuneração ou subsídio dos cargos com empregos acumulados ficam sujeitos aos tetos estabelecidos no inciso XI, do mesmo artigo 37, e, ainda que em qualquer das hipóteses excepcionais, a acumulação só será lícita havendo compatibilidade de horário, notando-se que a Constituição exige a correlação de matérias entre os cargos acumuláveis de professores ou um de professor e outro técnico ou científico” (Comentário Contextual à Constituição, Editora Malheiros, 2006, pagina 344). A Constituição do Estado de São Paulo proíbe no artigo 115, inciso XVIII, a acumulação remunerada de cargos públicos, admitindo exceções incompatíveis com a espécie em debate. Perceba-se, portanto, a inexistência de qualquer hipótese permitindo ao militar da ativa, compreendendo-se no contexto a Polícia Militar estadual, receber dupla remuneração, seja a qualquer título. Fazendo-o, o agente incorre em ilicitude extensível à Administração que o estipendia ou que, conhecendo a circunstância, permite que a mesma se corporifique. Aliás, a Lei número 9.527, de 10 de dezembro de 1997, obriga à instauração de procedimento administrativo para apurar essa alternativa no âmbito do serviço público federal.


A prova da infração político-administrativa

8) – O procurador Buono e o procurador Pinho precisavam conhecer o que se passava nas entranhas da Instituição. O primeiro, não pertencendo à intimidade do Ministério Público, poderia ter buscado informações respeitantes ao tema; não se permitiria ao último desconhecer o destino dos dinheiros do importantíssimo órgão do Poder Executivo. Há, a respeito, presunção irredutível de ciência, principalmente quando se trata da delicadíssima atividade investigatória que o Ministério Público, insistentemente, realiza, com ou sem razão, não sendo o “Writ’ sede adequada à resilição da disputa dogmática. É importantíssimo fixar, apesar disso, que não existe dúvida mínima a respeito do duplo pagamento feito aos citados policiais militares. Existe prova não contestada respeitante à minúcia e, na ação penal movida ao paciente Paulo Sérgio Leite Fernandes, o próprio Ministério Público denunciante confessa que o fato é verdadeiro, seguindo-se igual confidência do magistrado ora apontado como autoridade coatora. Simplificando: houve juntada de prova relativa à espécie, o promotor público denunciante confirma tardiamente a veracidade da mesma e o juiz processante, compungidamente, acentua que o fato é verdadeiro (Docs.XI-XII). Anomalamente, apesar disso, teimam todos em manter o paciente atrelado à absurda ação penal, pretendendo o Ministério Público produzir prova testemunhal para provar o que se afirma ser o elemento subjetivo do tipo (Doc. XIV), embora admitindo, já se afirmou, que o fato é verdadeiro e não falso, ou seja, que o Ministério Público do Estado de São Paulo pagava policiais militares duplamente, reforçando o soldo de origem, destinando a milícia a uma atividade espúria.

Um constrangimento ilegal nunca visto

9) – Nunca se viu na jurisprudência pátria hipótese análoga: o paciente é processado criminalmente porque afirmou, em relação a um agente do Poder Público, fato verdadeiro, verdade esta provada, admitida e confessada por quem o denunciou e por aquele que exerce no fim das contas, pois preposto da jurisdição, atividade fiscalizadora sobre o pretendido constrangimento ilegal. A anomalia resulta mais aprofundada quando se percebe, no desenrolar da ação penal, que o representante do Ministério Público e o eminente magistrado negam ao paciente o direito à exceção da verdade, a ser deslindada no 2.º grau de Jurisdição (perante o Órgão Especial desse Egrégio Tribunal, portanto), fundamentando-se ambos no reconhecimento de que o fato cuja verdade se pretende provar verdadeiro é (Doc. XV). Vale a indignação do paciente porque a alternativa é teratológica. Proíbe-se o paciente de chegar ao 2.º grau, sede natural de resolução da “exceptio veritatis”, com conseqüência dramática se e quando provada a realidade, bifurcando-se tal causalidade porque, enquanto o excepto seria castigado na exceção reconhecida, o excipiente teria a exculpação decretada. A singularidade não se resolve com a pretensa simplicidade esposada pelo Juiz. Não pode o juiz penal impedir que o Órgão Especial do Tribunal de Justiça tome conhecimento do conflito, sobressaindo como pedra- de- toque do raciocínio que o excepto, antes Procurador-Geral, tinha assegurado o foro especial. Os acusados, regra geral, se conformam com resultado que põe a termo as imputações. Dentro do pragmatismo, soluciona-se a angústia de uma persecução penal sacrificante. Aqui, entretanto, o paciente mais não fez a não ser trazer à superfície uma atividade não legítima de episódico representante da nobre Instituição do Ministério Público, não merecendo sujeição a um processo criminal que se desenrola além do prazo adequado, sabendo-se que parte do termo se passou nos escaninhos desse Tribunal, desconhecendo o paciente Paulo Sérgio, à época, a tramitação de conflito de competência instalado, pois não intimado da tramitação (Doc. XVI). Sintetizando: a) – o paciente afirmou, em sustentação oral desenvolvida na defesa de advogado, que o Ministério Público do Estado de São Paulo estipendiava policiais militares para o desenvolvimento de investigações adstritas ao GAECO mediante paga e dissimulação, deixando os soldados de usar fardas e borzeguins; b) – o fato é verdadeiro, havendo prova inconteste disso e admissão advinda do Ministério Público e do próprio juiz; c) – apesar disso e desconhecendo a circunstância de a exceção da verdade ser deferida, no julgamento, a órgão especial desse Tribunal em razão de prerrogativa de foro atribuída ao excepto, o magistrado de primeiro grau assume competência que não é sua, trancando ao paciente a demonstração e impulsionando a ação penal como se nada tivesse acontecido. Evidentemente, falta justa causa à ação penal, pois a calúnia só acontece quando se atribui falsamente a alguém fato definido como crime. O paciente explicou, e muito bem, estar atribuindo ao antigo Procurador-Geral conduta ilegal. Não a tipificou como infração penal, mas o comportamento atribuído ao pseudo-ofendido era verdadeiro. Pretender-se saber se o paciente agiu ou não com dolo (elemento subjetivo do tipo) constitui absurdo sem par, porque o tipo só se integra com a falsa atribuição e, se a imputação é verdadeira, inexiste integração típica.


10) – Afirma-se que justa é causa que pelo Direito justificaria a coação. Por via travessa, se o Direito não a abrange, a causa é injusta. De outra parte, a jurisprudência dessa Corte, e de outras, inadmite discussão de provas em habeas corpus, asseverando que a admissão de pressupostos aptos ao deferimento do “Writ” deve ser absolutamente desenlaçada de dúvidas. Se estrutura houve para exemplo disto, assenta-se tal pressuposto no “Writ” em tramitação. Insista-se, obstinadamente: não há quem negue a veracidade da afirmativa feita pelo paciente. Pela última vez, diga-se, existe demonstração inconteste de que o Ministério Público do Estado de São Paulo estipendiava policiais militares paulistas para as atividades ligadas ao GAECO. Na calúnia há inverídica afirmativa correspondente à conduta infracional. Aqui, não há dúvida quanto à veracidade do comportamento ilícito praticado na Instituição do Ministério Público do Estado de São Paulo.

Leiam-se: “Para que se tenha caracterizado o crime de calúnia, deve o agente ter a intenção de imputar falsamente a alguém a prática de um crime. Evidenciada a não ocorrência do elemento falsidade, o fato não constitui crime. A falsidade é o elemento constitutivo do crime” (RT 828, Página 613 – TJSP, 5ª Câmara Criminal, Relator Desembargador Octavio Helene, RSE 1.405.581/8). Em seqüência: “Para que exista calúnia é ncessário qiue se atribua falsamente a outrem fato positivo, definido como crime, com as características de autoria, tempo e lugar” (RT 265/615). Ainda, em colocação aleatória: “Se o fato imputado, posto que constituía crime for verdadeiro, não há falar em calúnia, visto faltar à infração o elemento da falsidade como manifestação do dolo específico, porquanto não se poderá levantar calúnia sobre aquilo que é verdadeiro (RT 429/44). Por fim: “A descrição típica do crime de calúnia exige um elemento normativo, contido na expressão falsamente. Diante disso, é necessário que seja falsa a imputação formulada pelo sujeito. Se atribui a terceiro a prática de crime que realmente ocorreu, inexiste calúnia (TACRIM-SP Rel. Djalma Lofrano – J.TACRIM vol. 68/472).

Aguarda-se o trancamento da ação penal por falta de justa causa, na medida em que o paciente não atribuiu ao pseudo-ofendido, enquanto na condição de Procurador-geral de Justiça do Estado de São Paulo, falsamente, fato definido como crime. Atribuiu-lhe, sim, conduta realmente praticada.

Outro aspecto da falta de justa causa

A Imunidade Penal

11) – Enquanto defendendo Eduardo Diamante, o paciente Paulo Sérgio Leite Fernandes afirmou claramente que o Ministério Público do Estado de São Paulo estipendiava policiais para atividades sigilosas ligadas a um grupo especializado dedicado a combater o crime organizado. A suspeita contra Eduardo Diamante derivava de gravação feita em parlatório de presídio, valendo-se o Ministério Público, para fazê-lo, de técnicos fornecidos por órgãos ainda não perfeitamente identificados, mas existindo envolvimento de policiais militares do Estado de São Paulo. Havia, naquelas assertivas, íntima e indissociável ligação com a causa, isto significando que a imunidade penal se prenunciava absoluta, na medida em que o incidente não poderia ser desprezado. Dava-se, ali, o contexto retratado em profusa jurisprudência pátria: “Imunidade Judiciária – Crimes Contra a Honra – Reconhecimento da excludente antes do recebimento da denúncia ou queixa. Possibilidade. Nos crimes contra a honra, é possível o reconhecimento da imunidade judiciária, antes do recebimento da denúncia ou da queixa, uma vez que, embora versando sobre elemento subjetivo, a imunidade é um dado objetivo, apreciável de pronto por meio de documentação idônea, não se tratando de decidir sobre a realidade de um certo ânimo ofensivo, mas de recusar, à saída, sua possibilidade jurídica de ser” (TACRIM-SP, 11.ª Câmara, RESE 121.105-5/3, rel. Juiz Ricardo Dip, j. 14/08/2000, boletim AASP número 2232). Ainda: “Calúnia – Delito atribuído a advogado – Inocorrência – Animus narrandi. Não caracteriza o crime de calúnia a afirmação feita pelo advogado em petição, com animus narrandi, ao fito de lastrear pedido formulado em prol de sua cliente. É entendimento jurisprudencial que o exercício da advocacia não seria possível se o advogado estivesse sujeito à ação penal pelo só enunciado do que pretende provar em Juízo” (2º TA-RJ, Acórdão unânime da 4.ª Câmara Criminal, HC 2.348-RJ, capital, Boletim Adcoas ano XV, 1983, número 21) Ainda: “O animus defendendi neutraliza o animus caluniandi. Sem a intenção de ofender, não há o dolo específico que constitui o elemento indispensável e integrante de qualquer das modalidades de crimes contra a honra” (RT 489, página 348). Por fim: “Prescreve o artigo 133 da Carta Magna que o advogado tem por invioláveis seus atos e manifestações no exercício da profissão, inviolabilidade esta que não se restringe apenas à difamação e à injúria, estendendo-se inclusive a calúnia, desde que relacionada ao exercício da advocacia, pois a intenção de defender, animus defendendi, neutraliza a intenção de caluniar, animus caluniandi” (RT 769, Página 591).


12) – Já se percebe que a segunda vertente da falta de justa causa, abrigando-se no exercício regular do direito enquanto o paciente defendia o advogado Eduardo Diamante, autoriza, igualmente, a concessão do habeas corpus, se pelo primeiro motivo não for este deferido.

O constrangimento ilegal resultante da recusa à prova da verdade

13) – O paciente está proibido de levar ao Órgão Especial do Tribunal de Justiça a exceção da verdade. A recusa é singela: o juiz admite que o fato é verdadeiro. Logo, não há necessidade de se conduzir ao segundo grau a intenção de comprová-lo. Se tal argumento serve ao contraditório na absoluta demonstração de que o paciente não integrou de forma alguma o delito de calúnia, por faltar um elemento normativo do tipo (a falsa imputação), o magistrado, impedindo a tramitação da exceção da verdade, escamoteia do Órgão Especial desse Egrégio Tribunal a possibilidade de apreciar a conduta do excepto. Em outros termos, pretende o eminente juiz resolver a questão no primeiro grau, embora o excepto, mantendo foro privilegiado, deva ter seu comportamento analisado por seus juízes naturais, verificando-se, por constituir lição básica, que a exceção é uma ação dentro da ação. Tal circunstância caracteriza, indubitavelmente cerceamento de defesa, pois na exceção da verdade, frente à análise do comportamento do excepto, o paciente teria sua inocência eventualmente reconhecida. Existe nisso, a bem-dizer, invasão da competência do segundo grau de jurisdição. Dir-se-ia que a mantença do procedimento no primeiro grau de jurisdição estaria a visar solução mais simples. A finalidade pode, verdadeiramente, ser simplificadora, mas o sacrifício imposto ao paciente durante o quase biênio de submissão ao processo criminal não pode ser dirimido com a rústica opção. O fato atribuído ao ex-Procurador-Geral de Justiça do Estado de São Paulo é verdadeiro. A realidade foi confessada, sem rebuços, pelo promotor público que denunciou o paciente e pelo juiz da ação penal. A conduta do promotor de justiça Rebello Pinho constituiria ou não infração penal mas tal posicionamento escapa à opção do paciente, dizendo com juízo de valor adequado a atribuições específicas de órgão jurisdicional competente.

Fecho

14) – De qualquer forma, o paciente merece a concessão do habeas corpus, por um dos três fundamentos: a) – reconhecimento da falta de justa causa ligada à atipicidade da conduta, porque faltante elemento normativo do tipo (falsidade da imputação); b) – pretende-se, ainda, a concessão do “Writ” em razão do reconhecimento da imunidade penal, pois o fato narrado estaria indissoluvelmente ligado à defesa do advogado defendido na ação penal correlata; c) – por último, mereceria o “Writ” abrigo desse Tribunal, pois o constrangimento ilegal advindo do impedimento à tramitação da verdade é evidente, impedindo-se o Órgão Especial dessa Corte de examinar o contexto da exceptio veritatis, exculpando-se o paciente caso comprovada a realidade.

15) – Prestará informações o Juiz da 31.ª Vara Criminal do Foro Central da Comarca de São Paulo (Processo número 050.07.015926-2 (Controle n.º 768/2007).

16) – Os impetrantes têm procuração com poderes pleníssimos abarcando todas as afirmativas e referências postas no contexto do “Writ”(Doc. XVII).

São Paulo, 19 de agosto de 2008.

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Rogério Seguins Martins Junior

Advogado – OAB-SP 218.019

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Otávio Augusto Rossi Vieira

Advogado – OAB-SP 111.539

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