Vida de empresa

Juiz é acusado de cobrar para não decretar falência de empresa

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24 de outubro de 2008, 8h40

O juiz Fernando Sebastião Gomes vai responder ação penal pública pelos crimes de concussão e corrupção passiva. A decisão foi tomada pelo Órgão Especial do Tribunal de Justiça de São Paulo, que aceitou denúncia oferecida pelo procurador-geral de justiça.

Gomes é acusado de exigir vantagem indevida no valor de US$ 600 mil para não decretar a falência da SID Informática, empresa que foi controlada pelo grupo Sharp. O juiz também é acusado de exigir vantagem para levantar valores depositados em outro processo que corria na vara onde era o titular. Além de Gomes, também é acusado o engenheiro João Bosco Paes de Barros.

Na defesa, o juiz e o engenheiro sustentaram a inépcia da denúncia e pediram seu trancamento por falta de justa causa. O Órgão Especial, por votação unânime, entendeu que estavam presentes os requisitos de prova de materialidade e de indícios de autoria, que autorizam a abertura da ação penal. Ou seja, se a denúncia descreve uma conduta que, em tese, configura crime, ela deve ser recebida.

O juiz Fernando Sebastião Gomes está em disponibilidade há cerca de dois anos e afastado das funções desde abril de 2003. Antes, o Conselho Superior da Magistratura (CSM) determinou seu afastamento da função pelo prazo de 60 dias. A decisão foi depois referendada pelo Órgão Especial. Em seguida, seu afastamento foi prorrogado por mais 30 dias. O CSM propôs a abertura de processo administrativo disciplinar. Gomes apresentou defesa prévia, que foi rejeitada, e aplicada a pena de disponibilidade. Ele recorreu até o Supremo Tribunal Federal, que rejeitou seus argumentos e manteve a decisão do TJ paulista. Com a decisão, o resultado da investigação foi encaminhado ao chefe do Ministério Público.

Salva da falência

O pedido de concordata preventiva da SID Informática deu entrada em setembro de 2001 na 2ª Vara Cível Central da Capital, onde o juiz era titular. A empresa declarou que tinha passivo quirografário de R$ 49,5 milhões e se propunha a saldá-lo, integralmente, no prazo legal de dois anos.

O processo, pela sua numeração, deveria ser distribuído para a então juíza auxiliar, Celina Dietrich e Trigueiros Teixeira Pinto, mas, sem fundamento legal, acabou nas mãos do juiz Fernando Sebastião Gomes, diz a denúncia.

De acordo com a denúncia do Ministério Público, antes de exercer o cargo de juiz, Gomes advogou na empresa Paes de Barros Associados Engenheiros e Consultores. O representante legal da companhia era o engenheiro João Bosco Paes de Barros. A convivência profissional deu origem a uma relação de amizade. Em abril de 1985, Gomes ingressou na magistratura e anos depois habilitou Paes de Barros para atuar como perito na 2ª Vara Cível.

No início de 2002, segundo a Procuradoria-Geral de Justiça, o engenheiro procurou o advogado que atuava no pedido de concordata da SID Informática (segundo a defesa de Gomes, esse advogado se chama Cláudio Stella) e se apresentou como amigo e intermediário do juiz. Paes de Barros teria exigido o pagamento de US$ 600 mil sob a ameaça de que, se o dinheiro não fosse entregue, seria decretada a falência da empresa. A exigência não foi atendida e, conta a denúncia, em 18 de fevereiro daquele ano, o juiz decretou a falência da empresa de ofício.

A publicação da sentença e a expedição do mandado de lacração da SID Informática aconteceram no mesmo dia. À noite, os acusados teriam solicitado para eles vantagem indevida no valor de US$ 100 mil para que Fernando Sebastião Gomes reconsiderasse e revogasse a decisão. A proposta foi aceita pelos advogados da empresa e, três dias depois, os acusados receberam o dinheiro, ainda segunda a denúncia do Ministério Público.

De ofício, conforme combinado com Paes de Barros, o juiz reformou a decisão anterior e deferiu o pedido de concordata preventiva da SID Informática, conta o MP. De acordo com o Ministério Público, o juiz Gomes infringiu seu dever legal e funcional de ouvir o MP como determinava o artigo 144 do Decreto-Lei 7.661/45.

De acordo com o procurador-geral de justiça, Gomes passou por cima do dever funcional de determinar à empresa a prévia apresentação do plano de recuperação e de respeitar a preferência dos credores na nomeação do comissário.

Outro lado

Os advogados do juiz Fernando Sebastião Gomes — Antônio de Arruda Sampaio e Francisco de Moraes Filho — negam todas as acusações. De acordo com Moraes Filho, o advogado da Sharp, Cláudio Stella, que teria insinuado a tentativa de suborno, se retratou e declarou que não conhecia o juiz Gomes, que este nunca pediu e nem solicitou qualquer tipo de propina e que a empresa jamais pagou qualquer coisa para o magistrado. A declaração teria sido feita ao então vice-presidente do TJ, desembargador Mohamed Amarado, na época em que era julgado o processo administrativo.

Cláudio Stella, ou Cláudio Augusto Stella, foi procurado pela Consultor Jurídico, confirmou ter trabalhado como advogado da Sharp, mas negou que tenha feito qualquer acusação contra o juiz Fernando Sebastião Gomes. Stella disse até desconhecer o nome do juiz.

Segundo o advogado Moraes Filho, não houve tentativa de suborno por parte do juiz. “Se usaram o nome dele para subornar alguém, ele nem ficou sabendo”, declara. O advogado afirma que Gomes sofreu uma tentativa de suborno em 1992. Na ocasião, ele levou o caso à Corregedoria do TJ e o autor do suborno acabou preso em flagrante. “Ora, se ele [Gomes] foi inocente em 1992, por que é que, em 2002, teria se disposto a praticar delito que já havia se negado?”, questiona o advogado. Para ele, não há qualquer prova que incrimine o juiz.

Declínio da empresa

Fundada em 1978, a Sid Informática chegou a ter 25% do mercado de terminais bancários, fornecendo produtos para instituições de peso da época, como Banespa, Banco Real, Nossa Caixa e a Caixa Econômica Federal. Até 1997, a empresa faturava US$ 120 milhões por ano. Avalista da Sharp, a Sid viu seu faturamento cair para R$ 54 milhões em pouco mais de três anos.

O crash aconteceu com o pedido de um dos credores da Sharp, o Multibanco, para que 50% de todo o faturamento da Sid fosse penhorado. A Justiça paulista atendeu a reclamação e a empresa foi obrigada a pedir concordata.

Em 2001, quando o caso chegou nas mãos do juiz Fernando Sebastião Gomes, a dívida da Sid Informática estava perto de R$ 100 milhões. A metade estava comprometida com credores quirografários, aqueles sem garantias e que só podem receber no final do processo. O restante do passivo envolvia dívidas trabalhistas, com o fisco e com os credores com garantia.

A Sharp S/A, controladora que detinha 99% da Sid Informática, já estava em concordata há um ano e meio, com passivo acumulado de R$ 650 milhões. Com a concordata da holding, a credibilidade da Sid foi afetada. Os negócios da empresa começaram a minguar e as encomendas sumiram. A companhia passou a viver da prestação de serviços de manutenção para os terminais já instalados.

Notícia alterada às 18h31, de 24 de outubro de 2008, para correção de informação. O juiz Fernando Sebastião Gomes ingressou na magistratura em 1985 e não em 1995 como havíamos informado.

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