Motins em presídios

Juiz condena duas advogadas do PCC por motins e absolve um

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22 de outubro de 2008, 15h03

As advogadas Valéria Dammous e Libânia Catarina Fernandes Costa foram condenadas a dez meses de detenção por motins de presos, dez meses de detenção e 230 dias-multa por danos qualificados e três anos de reclusão por manutenção de cárceres privados qualificados. A decisão contra as advogadas da facção criminosa Primeiro Comanda da Capital, o PCC, foi tomada pelo juiz José Roberto Cabral Longaretti. Ele absolveu Eduardo Diamante, terceiro advogado acusado no caso pelo Ministério Público. Cabe recurso.

As advogadas são acusadas, juntamente com a cúpula do PCC, de ter promovido entre maio de 2006 e junho de 2006 o “tráfico ilícito de entorpecentes, extorsões, seqüestros, cárceres privados, homicídios, motins, dano ao patrimônio público, entre outros, utilizando-se, para tanto, de armas de fogo”. As ações criminosas, lembra Longaretti, foram promovidas na capital paulista. E ainda em outras cidades do Estado de São Paulo, como Santos, Presidente Prudente, Presidente Venceslau, Itirapina, Mirandópolis, Getulina e Junqueirópolis.

O juiz condenou, também, três detentos da cúpula do PCC: Cláudio Rolin de Carvalho, o “Polaco”, Anderson de Jesus Parro, o “Moringa”, e Orlando Motta Júnior, o “Macarrão”.

Claudio Carvalho foi condenado a um ano de detenção pelos motins de presos, um ano de detenção e 276 dias-multa pelos danos qualificados e quatro anos de reclusão pelos cárceres privados qualificados.

Anderson Parro deve cumprir um ano e dois meses de detenção pelos motins de presos, um ano e dois meses de detenção e 322 dias-multa pelos danos qualificados e quatro anos, sete meses e vinte e nove dias de reclusão pelos cárceres privados qualificados.

Orlando Motta Júnior foi condenado a um ano, quatro meses e dezenove dias de detenção pelos motins de presos, um ano, quatro meses e dezenove dias de detenção e 345 dias-multa pelos danos qualificados e cinco anos, seis meses e dezenove dias de reclusão pelos cárceres privados qualificados.

Os condenados estão obrigados, ainda, a pagar R$ 27,4 milhões de indenização ao Estado por danos ao patrimônio público que aconteceram com as depredações nos presídios.

Leia a íntegra da decisão:

VISTOS

VALÉRIA DAMMOUS, LIBÂNIA CATARINA FERNANDES COSTA, EDUARDO DIAMANTE, ORLANDO MOTA JÚNIOR, conhecido como “Macarrão”, CLÁUDIO ROLIM DE CARVALHO, conhecido como “Polaco” e ANDERSON DE JESUS PARRO, conhecido como “Moringa”, os três últimos presos integrantes da cúpula da facção criminosa denominada Primeiro Comando da Capital – PCC, qualificados nos autos, foram denunciados como incursos no artigo 288, parágrafo único (quadrilha armada); artigo 354 (motim de presos), vinte vezes; artigo 163, inciso III (dano ao patrimônio público do Estado), três vezes, e artigo 148, parágrafo 2º (cárcere privado qualificado), vinte vezes, c.c. o artigo 69, todos do Código Penal, porque, no período compreendido entre dia incerto no mês de maio de 2006 e 28 de junho de 2006, em operações concatenadas, envolvendo várias cidades do Estado de São Paulo, entre elas São Paulo – Capital, Santos, Presidente Prudente, Presidente Venceslau, Itirapina, Mirandópolis, Getulina e Junqueirópolis, com unidade de propósitos, todos voltados para um fim comum, juntamente com outras pessoas ainda não identificadas, associaram-se em quadrilha para o fim de cometerem crimes diversos, tais como o de tráfico ilícito de entorpecentes, extorsões, seqüestros, cárceres privados, homicídios, motins, dano ao patrimônio público, entre outros, utilizando-se, para tanto, de armas de fogo.

Consta da denúncia que, em nome da facção criminosa “PCC”, os advogados Valéria, Libânia e Eduardo deixaram a atividade profissional de defesa de garantia de seus clientes, ligados a facção criminosa, e passaram a servir como elo entre seus diversos integrantes, na distribuição de ordens dentro e fora dos presídios. Transformaram-se em importante figuras da organização, já que, com as dificuldade encontradas para a comunicação por celulares ou visitas – que estavam suspensas -, viabilizaram: a) transmissão de ordens, travestidos de advogados; b) organização de motins, atuantes como forma de pressionar as autoridades pública responsáveis pela gestão penitenciária; e c) entrada de celulares, corrompendo funcionários das penitenciárias.

A peça inicial acusatória ainda destacou, dentre as diversas atividades criminosas praticadas pelos acusados:

No dia 05 de junho de 2006, a ré Valéria, valendo-se de sua prerrogativa de Advogada, entrevistou-se com o co-réu Orlando, no parlatório da Penitenciária II de Presidente Venceslau (Penitenciária Maurício Henrique Guimarães Pereira), e recebeu dele a determinação de “virar duas cadeias” na região oeste paulista, dentre elas os presídios de Flórida Paulista e Lavínia, mensagem a ser transmitida a co-acusado Anderson. Na mesma ocasião, a advogada prestou relatório pormenorizado sobre a situação dos presídios na região, recebendo recados a serem transmitidos a outros integrantes do PCC. Por fim, no encerramento do diálogo criminoso, Valéria recomendou ao detento a destruição de penitenciárias federais em construção, recebendo a informação de que essa ordem já havia sido determinada pela liderança da facção.


Dessa forma, um dia após o recebimento da determinação de repassar a ordem de “virar” os estabelecimentos prisionais emanada de Orlando, Valéria dirigiu-se à Penitenciária de Getulina e entrevistou-se com o detento Anderson. A determinação foi então transmitida, tendo como efeito, em 07 de junho de 2006, a deflagração de motins em 17 estabelecimentos prisionais (Paraguaçu Paulista, Martinópolis, Dracena, Presidente Bernardes, Penitenciárias I e II de Mirandópolis, Penintenciárias I, II e III de Lavinia, Riolândia, Flórida Paulista, CDP de São José do Rio Preto, CDP de Caiuá, Lucélia, Assis e Junqueirópolis). Nesta ocasião, os presos, em razão das ordens veiculadas pela liderança do “PCC” e da advogada, causaram perturbação da ordem e da disciplina dos presídios, recusando-se ao comparecimento em audiências e ao atendimento de oficiais de justiça e agentes que compareceram para a movimentação processual correspondente, agindo com o propósito bem determinado, segundo as ordens retransmitidas de obtenção de benefícios aos detentos que se encontravam na Penitenciária II de Presidente Venceslau.

No dia 26 de junho de 2006, a acusada Valéria novamente entrevistou-se como detento Anderson, ocasião na qual recebeu do mesmo a ordem de mandar matar cinco agentes penitenciários. A determinação, segundo Anderson, deveria ser transmitida ao sentenciado conhecido por “Magrelo”, no presídio de Flórida Paulista. A ordem não foi cumprida.

A co-ré Libânia, por sua vez, agindo com o mesmo propósito de sua colega, valendo-se da prerrogativa de Advogada, no dia 14 de junho de 2006, junto ao parlatório da Penitenciária II de Presidente Venceslau, entrevistou-se com o detento Orlando, tendo ficado estipulado que a advogada seria o elo entre ele e o líder da organização criminosa, Marcos Willians Herbas Camacho, vulgo “Marcola”, mencionado na conversa como “Playboy” ou “Barba”. Este contato deveria ser realizado por meio de entrevista da advogada com o detento Luiz Henrique Fernandes, conhecido por “LH”, que cumpre pena em cela próxima a “Marcola”, na Penitenciária de Presidente Bernardes. Na ocasião, Libânia recebeu a determinação de “fazer quebrar” e “colocar no chão” as penitenciárias de Araraquara e Itirapina II. Esta ordem foi prontamente repassada por telefone celular ao detento Cláudio, recolhido na Penitenciária de Junqueirópolis.

Os fatos que se seguiram à comunicação de Libânia foram devastadores. As ordens repassadas por ela foram integralmente cumpridas nos presídios de Araraquara e Itirapina II. Como conseqüência direta da determinação, a rebelião se estendeu à penitenciária de Mirandópolis, fato absolutamente previsto pela advogada, que, assim, assumiu o risco de produzi-lo. Os presos recolhidos naqueles três estabelecimentos entraram em motim nos dias 16 e 17 de junho de 2006, perturbando a ordem e a disciplina da prisão, dando cumprimento integral à determinação da cúpula do “PCC”.

As rés Valéria e Libânia, agindo com o propósito específico de retransmitir as ordens da facção criminosa, deram ensejo à perda parcial do patrimônio público do Estado de São Paulo, permitindo que presos do Primeiro Comando da Capital destruíssem as dependências daqueles presídios. Os danos na Penitenciária de Mirandópolis foram estimados em R$ 6.722.249,04; na Penitenciária de Araraquara, os danos resultaram no comprometimento da estrutura de segurança do presídio e foram estimados em R$ 13.125.000,00; e na Penitenciária de Itirapina os danos somaram R$ 7.632.869,67. Consta, ainda, que, também em razão direta das ordens emanadas de Libânia, os presos amotinados naquelas três penitenciárias privaram agentes penitenciárias de suas liberdades, mantendo-os deliberadamente em cárcere privado.

Na Penitenciária de Mirandópolis foram tomados como reféns seis agente penitenciários, as vítimas Aparecido Roque da Silva, Frederico Giometti Filho, Paulo César dos Santos, Ricardo José Salton, Valdir Fonseca da Silva e Wilson Lima de Lacerda, mantidos privados de suas liberdades das 13:30 às 21:15 horas do dia 16 de junho de 2006, quando os presos foram dominados por ação policial. Na Penitenciária de Araraquara, foram feitos reféns dez agentes penitenciários, as vítimas Odair José Manzine, Antonio Fachinetti, Paulo César Marin Júnior, Dorival Mendes, Egbert Willians Cererri, Joaquim Pereira Gomes, Wilson Shizuo Takaki, Pedro Álvaro Accarini, Dário Rezendo Lima e Valmir Marani, e, também o médico Ubirajara das Neves Gonçalves Júnior, as vítimas só recuperaram a liberdade às 7h15 de dia 17 de junho de 2006, com a intervenção da Tropa de Choque da Polícia Militar do Estado de São Paulo. Por fim, na Penitenciária de Itirapina, também em razão dos motins desencadeados, foram feitos reféns três agentes penitenciários, as vítimas José Edvaldo Oseli, Carlos Develis Andrade e Antonio Carlos de Souza, privados da liberdade desde as 14:10 do dia 16 de junho até a manhã de 17 de junho de 2006, por volta de 11:00 horas, também em razão de ação da Policia Militar. Devido a maus-tratos, levados a efeito por centenas de presidiários, as vítimas, nos três presídios, suportaram grave sofrimento físico e moral. Muitas delas foram submetidas a queimaduras com pontas de cigarro, ameaças de morte e lesões corporais em regiões nobres e visíveis.


Não bastasse isso, na mesma oportunidade, Libânia combinou com Orlando o acionamento do réu Eduardo, a quem encarregaria fazer entrar na Penitenciária II de Presidente Venceslau a quantia de R$ 15.000,00 em espécie e 03 aparelhos de telefonia celular, pré-pagos, com baterias e carregadores, da operadora Claro.

Assim, em 21 de junho de 2006, na Penitenciária II de Presidente Venceslau, Eduardo, valendo-se do concurso de agentes penitenciários não identificados, deu integral cumprimento à ordem emanada da facção criminosa, recebida por meio de sua colega Libânia e, a pretexto de entrevistar-se com o detento Orlando, fez chegar no interior do presídio, à disposição dos criminosos ali recolhidos, os equipamentos de telefonia celular, preponderantes e eficientes para a atuação da quadrilha.

Com a segregação física das principais lideranças do “PCC” na região oeste do Estado, Eduardo apresentou-se em entrevista com Orlando disponibilizando-se e aceitando o encargo de confiança para tornar-se um dos principais pombos-correios da facção criminosa em função da facilidade que a proximidade de seu escritório, em Presidente Prudente, proporcionava. Assim agindo, Eduardo não só desvirtuou-se dos ideais de sua honrosa profissão, como também ensejou mobilidade impar às ações criminosas de seus asseclas, dando celeridade e segurança na retransmissão de ordens criminosas, chegando ao ponto de, inclusive, preparar levantamento e estudos aptos a dar sobrevida ao “PCC”.

Os três advogados, bem articulados dentro da organização criminosa, desvirtuaram a relação profissional que deve nortear o exercício da advocacia para manter contato pessoal com os principais líderes do Primeiro Comando da Capital. Transmitiram ordens constantes das lideranças da facção a outros presos que possibilitaram atos de violência e destruição. Apurou-se, por derradeiro, que as ações dos três advogados acusados eram compartimentadas de tal forma a que, dentro da facção criminosa, houvesse divisão de tarefas, porém sem excluir a participação deles em todos os crimes praticados, de que estavam cientes juntamente com os detentos envolvidos nas ordens de destruição de presídios, motins, cárcere privado e outros delitos variados.

A denúncia foi recebida em 06 de julho de 2006, quando foi decretada a prisão preventiva dos acusados (fls. 699/702).

Os réus foram citados e interrogados a fls. 877/934.

A prova oral foi produzida a fls. 2536/2561, 2685/2689, 2718/2724, 2811/2813, 2972 e 2977/2978, fls. 3073/3077, 3099/3105, 3134, 3174 e 3180.

Nas alegações finais, o Ministério Público requereu, preliminarmente, a conversão do julgamento em diligência para a juntada das certidões de antecedentes dos acusados e, no mérito, a condenação deles nos termos da denúncia.

As defesas, por sua vez, pleitearam, no mérito, insuficiência probatória, atipicidade da conduta e não restar demonstrada a participação dos acusados como razões de absolvição. Foram argüidas, em preliminar, diversas nulidades, aqui especificadas: ausência do acusado nas audiências, configurando cerceamento de defesa, pela defesa do réu Anderson; impedimento dos Promotores, uso de prova ilícita (no tocante às escutas ambientais nos parlatórios) e falta de intimação para inquirição da testemunha José Victor Cunha, pela ré Valéria; ilegalidade da busca e apreensão e da escuta ambiental, inépcia da denúncia, impedimento do Ministério Público na investigação e cerceamento de defesa (ausência do réu em audiências), pela defesa do acusado Eduardo; inépcia da denúncia, ilegalidade da interceptação ambiental e prova ilícita da interceptação telefônica, pela co-ré Libânia; e nulidade do interrogatório por videoconferência, pela defesa do réu Orlando.

É O RELATÓRIO

D E C I D O

Desde logo determino seja realizado o ordenamento dos autos, uma vez que há folhas fora de ordem, procedendo-se a respectiva renumeração.

A ação penal é parcialmente procedente.

Concluída a instrução, não posso deixar de registrar que restou plenamente caracterizado aquilo que consignei em meu despacho de fls. 2696/2699: inexiste fato concreto a justificar o processamento do feito neste Juízo, uma vez que o critério básico de fixação de competência criminal, inserto no artigo 70 do Código de Processo Penal, foi totalmente ignorado.

Não vislumbro razão objetiva a justificar que os procedimentos cautelares tenham sido requeridos e deferidos pelo DIPO, considerando o local das diligências, com o conseqüente entendimento de que eles vinculariam o Juízo desta Comarca, uma vez que a regra do artigo 72 do mesmo Codex tem caráter subsidiário.

In casu, o lugar das infrações consta expressamente indicado na inicial, não tendo nenhuma delas ocorrido sequer próximo desta Comarca, pois a indicação de que as “operações concatenadas, envolvendo várias cidades do Estado de São Paulo, entre elas São Paulo-Capital” (fls. 01-d) não encontrava amparo naquilo que constava dos autos, no tocante a esta Comarca, já ando do oferecimento da denúncia.


Exatamente por isso, assim que me promovi para este Juízo e tive a oportunidade de examinar detalhadamente o volumoso processo, entendi de remetê-lo ao local de onde teriam partido as determinações (denominadas “salves”) que desencadearam todos os fatos subseqüentes.

Porém, como a Câmara Especial do Tribunal de Justiça de São Paulo julgou que houve prorrogação da competência, trata-se de matéria decidida, nada mais havendo a analisar.

Abordo, então, as preliminares argüidas pelos defensores nas alegações finais.

Quanto ao cerceamento de defesa alegado por Anderson e Eduardo, tem-se que o mero fato de os réus não estarem presentes em todas as audiências, a maioria realizada por carta precatória, não lhes ocasionou prejuízo algum, isso porque, apesar disso, sempre foram representados e assistidos por seus defensores, que foram previamente intimados, para que pudessem entrar em contato com os acusados e, assim, fazer uso de todas as prerrogativas necessárias para as suas defesas plenas. Portanto, a presença física dos acusados é plenamente dispensável, até mesmo porque, dada a dinâmica dos fatos sob exame, eles não seriam passíveis de eventual reconhecimento por ninguém. Quem conhecia os réus não necessitaria de sua presença para prestar qualquer informe. Quem não os conhecia, nada poderia indicar, concretamente, em termos de autoria.

Assim prescreve o Código de Processo Penal, “Art. 563. Nenhum ato será declarado nulo, se da nulidade não resultar prejuízo para a acusação ou para a defesa”.

Vale lembrar que, caso a testemunha assim deseje, o réu deve ser retirado da sala de audiência, a teor do artigo 217 do Código de Processo Penal, não configurando nulidade alguma a não presença dele ao ato.

No tocante ao impedimento dos Promotores de Justiça subscritores da denúncia, sua participação na investigação criminal que determinou a formação da lide penal não possui o condão de impedi-los de pessoalmente se encontrarem em dois planos: o de ensejadores da investigação e o de subscritores da peça inicial do processo-crime. Não há dispositivo legal que impeça essa participação.

A atividade do Promotor de Justiça é intrínseca à investigação, pois são os fatos apurados na fase inquisitorial que embasarão a denúncia que dará início à ação penal. Portanto, eles possuem especial interesse em determinadas ações penais, como a presente, que trata de fatos de extrema gravidade.

Ademais, a jurisprudência está consolidada a esse respeito, “RESP – PENAL E PROCESSO PENAL – PODER INVESTIGATIVO DO MINISTÉRIO PÚBLICO – PROVAS ILÍCITAS – INOCORRÊNCIA – TRANCAMENTO DA AÇÃO PENAL – IMPOSSIBILIDADE. A questão acerca da possibilidade do Ministério Público desenvolver atividade investigatória objetivando colher elementos de prova que subsidiem a instauração de futura ação penal, é tema incontroverso perante esta eg. Turma. Como se sabe, a Constituição Federal, em seu art. 129, I, atribui, privativamente, ao Ministério Público promover a ação penal pública. Essa atividade depende, para o seu efetivo exercício, da colheita de elementos que demonstrem a certeza da existência do crime e indícios de que o denunciado é o seu autor. Entender-se que a investigação desses fatos é atribuição exclusiva da polícia judiciária, seria incorrer-se em impropriedade, já que o titular da Ação é o Órgão Ministerial. Cabe, portanto, a este, o exame da necessidade ou não de novas colheitas de provas, uma vez que, tratando-se o inquérito de peça meramente informativa, pode o MP entendê-la dispensável na medida em que detenha informações suficientes para a propositura da ação penal. Ora, se o inquérito é dispensável, e assim o diz expressamente o art. 39, § 5º, do CPP, e se o Ministério Público pode denunciar com base apenas nos elementos que tem, nada há que imponha a exclusividade às polícias para investigar os fatos criminosos sujeitos à ação penal pública. A Lei Complementar n.º 75/90, em seu art. 8º, inciso IV, diz competir ao Ministério Público, para o exercício das suas atribuições institucionais, “realizar inspeções e diligências investigatórias”. Compete-lhe, ainda, notificar testemunhas (inciso I), requisitar informações, exames, perícias e documentos às autoridades da Administração Pública direta e indireta (inciso II) e requisitar informações e documentos a entidades privadas (inciso IV). Recurso provido para determinar o regular andamento da ação penal. Decisão: Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Srs. Ministros da Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas taquigráficas a seguir, por unanimidade, em conhecer do recurso e lhe dar provimento, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator. Votaram com o Sr. Ministro Relator os Srs. Ministros LAURITA VAZ, JOSÉ ARNALDO DA FONSECA, FELIX FISCHER e GILSON DIPP” (Acórdão RESP 331903/DF; RECURSO ESPECIAL. 2001/0084450-3. Fonte DJ DATA:01/07/2004 PG:00248. Relator Min. JORGE SCARTEZZINI (1113). Data da Decisão: 25/05/2004. Órgão Julgador T5 – QUINTA TURMA).


HABEAS CORPUS. TRÁFICO DE ENTORPECENTES (art. 12 da Lei 6.368/76) e ASSOCIAÇÃO PARA O TRÁFICO (art. 14 da Lei 6.368/76). INVESTIGAÇÃO PELO MINISTÉRIO PÚBLICO. POSSIBILIDADE. PRECEDENTES DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. DOUTRINA. DECISÃO DA CÂMARA: À UNANIMIDADE, DENEGARAM A ORDEM. (Habeas Corpus Nº 70009016015, Segunda Câmara Criminal, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Marco Aurélio de Oliveira Canosa, Julgado em 19/08/2004).

No mais, me reporto à decisão de fls. 2419/2423.

A alegação de que a escuta ambiental é prova ilícita não merece prosperar. Em que pese o direito à intimidade, bem como o direito do advogado entrevistar-se de forma isolada com seu cliente no parlatório, tem-se que tais direitos são relativos, podendo ser suprimidos em razão do interesse público.

No presente caso, temos que os direitos individuais dos acusados, se estão a servir de proteção para o exercício de atividade criminosa e ilícita, devem, por óbvio, ceder em face do interesse estatal em impedir a prática de outros delitos. Ademais, temos que a escuta foi devidamente autorizada, em decisão devidamente fundamentada a fls. 465/472, à qual também me reporto.

Quanto à qualidade e a ausência de peritos na escuta, isso será avaliado oportunamente, de modo a sopesar sua valoração.

A falta de intimação do defensor da ré Valéria para a inquirição da testemunha José Victor Cunha foi sanada, vez que não foi argüida em tempo oportuno. Ademais, houve intimação da ré em audiência, conforme se depreende de fls. 3043.

A ilegalidade da busca e apreensão não restou configurada. Tal procedimento foi autorizado judicialmente, pelo mandado de fls. 104, em conformidade com os dispositivos legais, inclusive o artigo 5º, inciso XI, da Carta Magna, como suscitado pela defesa. Além disso, as formalidades legais previstas para busca e apreensão em escritório de advocacia foram atendidas, razão pela qual não há que se falar em ilegalidade das provas colhidas nesse procedimento.

Não deve prosperar a alegação de inépcia da denúncia. A peça acusatória foi incisiva e descreveu de forma pormenorizada as ações de cada um dos acusados, apontando datas e narrando satisfatoriamente a conduta criminosa dos réus.

A peça acusatória foi precisa em relatar os fatos, seu contexto e suas conseqüências, formando uma narrativa coesa, bem estruturada e em conformidade com o previsto no artigo 41 do Código de Processo Penal. Portanto, não apresenta qualquer vício.

Desnecessária a conversão do julgamento em diligência pois as diligências requeridas pela defesa da ré Libânia, na fase do artigo 395 do Código de Processo Penal, já foram apreciadas pela decisão de fls. 2469/2473 e suas determinações foram cumpridas (fls. 2622, 2753, 2757 e 2948).

No mais, as diligências que foram cumpridas já se mostraram suficientes para a formação do convencimento do Juízo.

Saliento que, ao contrário do que se alega a fls. 3669/3677, considero as decisões que autorizaram as interceptações telefônicas devidamente fundamentadas, não havendo qualquer nulidade a reconhecer.

Cumpre destacar que não houve nulidade alguma na utilização de videoconferência no interrogatório de alguns acusados. O sistema de videoconferência utilizado nos autos possibilitou aos réus a comunicação prévia com seus defensores, por fone próprio e com preservação da privacidade, sendo que o acusado, de onde estava, era acompanhado por advogado, assistia e escutava todos os atos da audiência como se estivesse presente, não ocorrendo, assim, qualquer prejuízo à defesa ou acusação.

Tal recurso foi inteligentemente aplicado no caso, em especial tendo em vista o grande percurso seria percorrido na remoção dos acusados, que são de extrema periculosidade. O sistema utilizado criou uma situação análoga a uma audiência comum, sendo observados todos os direitos e prerrogativas do interrogando, bem como os fundamentos e objetivos de tal fase processual. Não houve, portanto nulidade ou cerceamento de defesa na utilização de tal recurso.

Nesse sentido já decidiu o E. Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, “PROCESSO-CRIME – Interrogatório – Realização por videoconferência – Nulidade – Inocorrência – Ato cuja tecnologia permite o pleno exercício do contraditório e da ampla defesa, reduzindo ainda os custos ao erário e a insegurança da sociedade – Paciente, ademais, considerado de alta periculosidade – Ordem denegada” (Habeas Corpus nº 428.580-3/8-00 – 1ª Câmara Criminal – Relator: David Haddad – 01.09.2003 – V.U.).

E ainda, “A realização de ato processual pela videoconferência diz respeito à forma do ato. E esta pode ser feita sem compromisso com o modo pré-concebido pelo legislador (que à época ignorava a computação), bastando que alcance o fim colimado sem infringir as regras de garantia. Por isso esse sistema de realização de atos processuais é aceito na quase totalidade dos países onde prevalece o direito ocidental, quer naqueles que adotam o sistema da civil law quer nos regidos pela common law. Muito se teria que imaginar para identificar prejuízo que, “frente a frente” juiz e réu por via da informática, resultasse como afrontoso ao artigo 185 do Código de Processo Penal. A relevância absoluta das formas já não vige no direito como preceito geral, mas foi substituída pelo princípio da instrumentalidade. Isto é, assim como o direito processual existe para servir de instrumento, é meio de realização do direito material, a forma estabelecida para um ato serve para que ele alcance o respectivo escopo, é meio para garantir-lhe a eficácia. A informática no interrogatório não tem categoria de ato processual, é simples meio a concretizar o ditame da lei processual, é maneira de cumprir o ato processual. E os atos processuais, repita-se, não têm a forma como fim em si mesma. As normas que os modelam não dispensam, por isso, uma interpretação saneadora do desvirtuamento de seus objetivos. Via de conseqüência, todo código de processo moderno consagra preceitos relativizadores das nulidades. Eles asseguram ao processo e respectivos atos o cumprimento de sua missão, não os transformando em fins de si mesmos. Na linha dessa diretriz é que se escreveu o artigo 563 do Código de Processo Penal: “Nenhum ato será declarado nulo, se da nulidade não resultar prejuízo para a acusação ou para a defesa”. Trata-se de preceito com categoria de “sobredireito processual”, isto é, ele se sobrepõe às demais regras processuais, condicionando-lhes a imperatividade. A nulidade constitui sanção de invalidade ao ato desobediente ao modelo da lei. O artigo 563 do Código de Processo Penal neutraliza a pena que, em princípio, deverá sofrer o ato processual rebelde ao traçado da lei. É ele regra antiformalista, autêntico “sobredireito processual” (Habeas Corpus n.° 1.129.771-3/1 – Voto n.° 7914 – Comarca de São Paulo – Impetrante: Daniela Maxta Rodrigues Mota Singer – Paciente: André Luís Sicherolli).


No mérito, tem-se que a ação é parcialmente procedente.

Relativamente à acusada Libânia, os documentos de fls. 649/653, 2757, 2894/2945 e 2948/2951 comprovam sua relação com os co-réus presos e em especial na execução de ordens e serviços espúrios, não se devendo falar em insuficiência probatória para absolvê-la.

Tais provas também atingem os réus Orlando, Anderson e Cláudio, por se referirem especificamente a eles e demonstrar a conexão criminosa existente com as rés.

Os indícios presentes na fase policial foram completamente respaldados pela prova oral, formando a certeza que levou ao entendimento desse Juízo.

As rés Valéria e Libânia, ouvidas na fase extrajudicial, confessaram a autoria dos delitos.

Valéria afirmou, em declarações prestadas ao GAECO, que foi contratada por Anderson de Jesus para defendê-lo em uma sindicância e acabou prestando diversos serviços para ele e para outros integrantes do “PCC”, passando a trabalhar para a facção. Confessou que transmitia recado entre presos e prestava outros serviços, como entrega de documentos, ordens da cúpula da organização e prestação de contas de atividades ilícitas. Contou que, em junho de 2006, “Macarrão” (ORLANDO) pediu para ela transmitir uma ordem de “virar” duas cadeias, Flórida e Lavínia, para Anderson, pedido esse que foi atendido. Por ter uma ordem descumprida, Orlando destituiu a ré de sua função, passando-a para Eduardo e Libânia. Disse também que forneceu celulares a Anderson e que algumas ordens transmitidas por ela foram amplamente atendidas e que atuava também, a pedido dos presos, junto à organização “Nova Ordem”. Demonstrou ter amplo conhecimento da organização da facção criminosa e informou ter auferido cerca de R$ 20.000,00 em dois meses de serviço prestados ao “PCC” (fls. 96/100).

Ouvida em uma segunda oportunidade, no mesmo dia e agora na DIG de Presidente Prudente, Valéria ratificou integralmente suas declarações e relatou outros serviços prestados por ela, como transmissão de ordens de compra e venda de entorpecentes e realização de seqüestros (fls. 95).

Libânia confessou que prestava serviços para o “PCC”, entrando e saindo de presídios, com a finalidade de transmitir ordens de dentro da facção criminosa. Narrou que recebeu ordem de Orlando para mandar “virar” as penitenciárias de Araraquara e Itirapina II, que repassada, via celular, para o réu Cláudio, sendo cumprida, inclusive, com a “virada” de Mirandópolis, que não constava na ordem original. Além disso, recebeu recomendação de Orlando para que fizesse chegar ao co-réu Eduardo a ordem de providenciar R$ 15.000,00 em dinheiro e três aparelhos celulares, para entrar na Penitenciária de Presidente Venceslau, sendo que repassou o recado para Claudio, e também iria encaminhar recados para Marcos William Herbas Camacho, o “Marcola”, mas foi presa antes de executá-los. Disse que fez entrar celulares em presídios com ajuda de agentes penitenciários. Por fim, disse mantinha contato com a organização “Nova Ordem”, a qual acredita ser uma “organização de fachada do PCC” (fls. 297/300).

Já os outros acusados negaram qualquer envolvimento com os fatos narrados na peça inicial acusatória.

Eduardo aduziu que nunca trabalhou para a facção criminosa “PCC”, somente prestando serviço para alguns presos que se rotulam como membros de tal organização. Fez referência aos co-réus Orlando e Anderson, afirmando que eram clientes seus, sendo essa relação estritamente profissional. Esclareceu que o dinheiro encontrado em sua residência era proveniente de honorários e de retiradas de sua empresa, que somente transmitia recados legais e que realmente foi procurando para introduzir celulares no Presídio II de Venceslau, mas não o atendeu por saber que não poderia realizar tal missão (fls. 553/554).

Em nova oitiva Eduardo confirmou que os co-réus Orlando e Anderson eram clientes seus, mas que essa relação era somente profissional e prestou esclarecimentos sobre objetos encontrados em sua residência (fls. 622/623).

Orlando alegou conhecer os advogados Eduardo, Valéria e Libânia, mas disse que não pediu para que nenhum deles transmitisse recados a outros presos e que não faz parte da facção Primeiro Comando da Capital (fls. 2353).

Anderson negou a acusação e afirmou que Eduardo e Valéria já trabalharam para ele, sendo a relação entre eles meramente profissional. Negou ser integrante do “PCC” (fls. 2357).

Cláudio afirmou conhecer Libânia, mas jamais transmitiu ordens por intermédio dela. Confessou fazer parte da facção “PCC”, mas não exerce qualquer tipo de posto ou liderança na organização (fls. 2361).

Em Juízo, todos os réus negaram a autoria.

Valéria aduziu que Orlando e Anderson eram seus clientes e que foi obrigada a assinar o depoimento extrajudicial como “moeda de troca” para sua filha não ter que assinar “um doze”, pois havia sido surpreendida na posse de drogas. Disse que sua relação com os co-réus era unicamente em virtude do exercício da advocacia, mas confessou que mantinha contato por telefone com presos (fls. 877/887).


Por sua vez, Libânia alegou que foi advogada dos co-réus Cláudio e Orlando, mantendo com eles relação meramente profissional. Afirmou que foi forçada, mediante ameaça, pelos Promotores de Justiça a assinar sua confissão extrajudicial (fls. 888/897).

Eduardo esclareceu que era patrono de Orlando e Anderson e negou participação nos casos narrados na peça acusatória. Contou que foi ouvido informalmente por Promotores que o pressionaram a confessar fatos dos quais não tinha conhecimento, sendo que nada disse pois não tinha participação neles. Acrescentou que suspeitou da escuta ambiental e combinou com um preso para conversarem apenas o essencial (fls. 898/909).

Orlando confirmou que conhecia as advogadas Valéria e Libânia, mas negou completamente os fatos a ele imputados. Afirmou que transmitiu alguns recados que deveriam ser repassados para sua família, inclusive alguns parentes presos (fls. 910/919).

Cláudio falou que Libânia fora sua advogada e que desconhece os fatos pelos quais está sendo acusado (fls. 920/925).

Anderson contou que Valéria era sua advogada e que mantinha contato estritamente profissional para com ela (fls. 926/934).

Não obstante as negativas dos acusados, tem-se que elas restaram isoladas nos autos, sendo elididas pelas provas produzidas no curso da instrução criminal, as quais confirmaram parcialmente os termos da denúncia.

O policial militar Almir informou que participou da prisão da ré Valéria, sendo que em seu depoimento, no qual estavam presentes, o tempo todo, representantes da OAB, ela confessou que trabalhava para o “PCC”, com a função de repassar mensagens de um presídio para outro, para fazer rebeliões. Acrescentou que na busca domiciliar foi encontrada quantidade de “maconha”, que o interrogatório, a pedido da ré, foi filmado e que havia outros familiares, além da filha dela, na Delegacia de Polícia (fls. 2536/2561).

A testemunha Marcel Pala, agente penitenciário, informou que presenciou os monitoramentos ambientais realizados na Penitenciária de Presidente Venceslau, nos quais a ré Valéria recebeu recado do co-réu Orlando, destinado a Anderson, para que fossem quebradas unidades prisionais. Libânia recebeu recado de Orlando, dirigido a Cláudio, para que fosse quebrada a Penitenciária II de Itirapina, o que de fato acabou ocorrendo. Esclareceu que, quanto a Eduardo, teve notícia de que iria ocorrer ingresso de aparelhos celulares na Penitenciária II de Presidente Venceslau e que soube que Valéria efetivamente conversou com Anderson na Penitenciária de Getulina no dia seguinte à sua entrevista com Orlando (fls. 2718/2721).

José Reinaldo, agente penitenciário da Penitenciária de Presidente Venceslau, contou que tinha conhecimento da escuta que estava sendo realizada e que ficou sabendo dos fatos por meio de Promotores de Justiça. Disse achar estranho que em rebeliões a co-ré Valéria sempre chegava com muita rapidez, além de aparentemente manter contato telefônico com os sentenciados. Também afirmou que Valéria esteve em Presidente Venceslau e no dia seguinte se entrevistou com Anderson em Getulina, sobrevindo as rebeliões em Itirapina e Araraquara e que tanto ela quanto Libânia mantinham relacionamento amoroso com presos (fls. 2722/2724).

A testemunha Paulo Sérgio, funcionário da Penitenciária I de Mirandópolis, asseverou que Libânia era amante do preso “Cuba” e que ela também trabalhava para Orlando, que era quem transmitia as ordens para deflagração de rebeliões. Afirmou que a advogada inclusive chegou a doar mil colchões, em nome do “PCC”, para os presos e que, nas rebeliões, além da destruição do presídio, oito funcionários foram feitos reféns e torturados. Relatou que sabia que Libânia também era advogada dos réus Anderson e Cláudio, e que nas rebeliões seu comportamento era muito suspeito, parecendo que estava sempre em contato com os presos. Narrou ainda que, durante uma rebelião, os presos disseram que a estavam fazendo porque havia uma determinação e que não tinham nada contra a diretoria e os funcionários e que Eduardo mantinha contato com os presos por celular, mas que parecia se comportar como um advogado comum (fls. 2811/2812).

Seu parceiro de profissão Paulo César aduziu que foi feito refém em uma rebelião e foi ameaçado (fls. 2813).

O agente penitenciário Carlos contou que foi feito refém, junto com outros dois agentes, na rebelião que houve em maio de 2006 na Penitenciária II de Itirapina, sendo que o presídio sofreu diversos danos (fls. 2972).

A testemunha Rudy contou que foi o responsável pela instalação das escutas ambientais na Penitenciária de Presidente Venceslau, entretanto não chegou a ouvir a mídia (fls. 2977/2978).

A testemunha Tiago, “genro” da ré Valéria, afirmou que estava na casa dela no momento da busca e apreensão, sendo que não feita nenhuma ameaça a ele ou à filha da ré. Quanto à droga apreendida, disse que a Delegada de Polícia lavrou o termo competente (fls. 3100/3101).


A testemunha João Emílio (fls. 3102/3103) confirmou que participou da busca e apreensão no escritório da ré Valéria e que a oitiva dela foi feita na sua presença, não havendo qualquer ato de violência ou arbitrariedade contra ela. Informou também que a busca em relação ao co-réu Eduardo foi acompanhada pelo então Vice-Presidente da OAB local, Dr. Ronaldo Delfim (fls. 3102/3103).

Grazielle, filha de Valéria, ouvida meramente como informante, alegou que a droga encontrada em sua casa foi utilizada para pressionar sua mãe ou todos seriam acusados por tráfico (fls. 3105).

A testemunha de defesa José Victor (fls. 3180) informou que no dia da rebelião de Valparaíso a ré Valéria se apresentou como advogada do “partido”, referido-se ao Primeiro Comando da Capital, sendo que ela conversava o tempo todo por telefone celular com os presos rebelados e dizia que uma “torre” de fora mandava as ordens que ela deveria repassar para os presos (fls. 3180).

As testemunhas Odair José (fls. 2685/2689), Maria Doraci (fls. 3073/3075), Gustavo Martins (fls. 3076/3077), Cristiane Aparecida (fls. 3104), João Carlos (fls. 3134) e Fernando Baccarin (fls. 3174) nada trouxeram de relevante a respeito dos fatos narrados na denúncia.

Tem-se, desta forma, que as testemunhas ratificaram com firmeza aquilo que descreve a inicial.

As negativas dos réus, com exceção de Eduardo, não convencem diante do robusto conjunto probatório existente nos autos, corroborando o que já havia sido apurado na fase inquisitiva.

Os depoimentos colhidos fornecem embasamento suficiente para respaldar o pedido de condenação dos acusados, tendo em vista a coerência e segurança com que foram prestados, bem como sua harmonização com os termos da confissão extrajudicial das rés Valéria e Libânia, devendo prevalecer frente à negativa apresentada em Juízo.

Verdadeiramente afrontoso pretender acolhida a alegação de “coação” na oitiva policial das rés, eis que Valéria foi acompanhada por representantes da Ordem dos Advogados do Brasil, os quais certamente denunciariam qualquer irregularidade no ato. Libânia, por seu turno, experiente advogada que é, certamente não seria “coagida” por ninguém. Fulminando essa tese, tem-se que Eduardo, em nenhum momento, confessou qualquer conduta criminosa, nem disse ter sido “coagido” por quem quer que fosse.

Quanto à tese de que a confissão da co-ré Valéria foi utilizada como “moeda de troca”, em virtude da apreensão de drogas em sua residência, tem-se que o seu próprio “genro”, a testemunha Tiago Rocha, assegurou que não houve ameaças ou “pressão” nesse sentido. Ademais, a oitiva da acusada foi acompanhada pelo representante da OAB, João Emílio, que também asseverou que não houve qualquer tipo de pressão ou intimidação. Tais informes devem prevalecer frente àquilo que falou sua filha, Grazielle, que, além de não prestar compromisso, tem flagrante interesse no deslinde da causa. Ademais, parece estranho que apesar da testemunha continuar a namorar Tiago, não tenha sequer mencionado tal pressão com ele.

Além disso, a ré ratificou integralmente seu depoimento na segunda vez em que foi ouvida, já na Delegacia de Polícia, o que afasta completamente a tese da coação.

Assim, não há que se falar em insuficiência probatória para beneficiar os acusados, sendo a condenação dos réus Valéria, Libânia, Orlando, Anderson e Cláudio medida de rigor.

Entretanto, não se logrou demonstrar a efetiva participação do co-réu Eduardo nos fatos narrados na denúncia, sendo de rigor sua absolvição.

As testemunhas ouvidas nada souberam declinar que demonstrasse a relação do co-réu Eduardo e sua versão negativa de autoria sustentada desde a fase inquisitiva não foi elidida pela prova produzida nos autos.

Não se logrou demonstrar, em Juízo, qualquer envolvimento dele com conduta ilícita, motivo pelo qual deve ser absolvido.

Descabido pretender-se sua condenação com amparo apenas nos indícios que existiram na fase inquisitiva, mas que não se jurisdicionalizaram.

Como é cediço, a inquirição das testemunhas foi realizada naquela fase sem o respaldo dos princípios constitucionais da ampla defesa, do contraditório e do devido processo legal, de modo que não deve prevalecer.

Solução contrária equivaleria à supressão da fase judicial do processo penal, já que o conteúdo do inquérito, que serve de fundamento para o oferecimento da denúncia, seria suficiente para o julgamento da ação penal, tornando a atuação do Judiciário, e até a do Ministério Público, nesta fase do procedimento, ociosa.

Não é essa, certamente, a interpretação adequada da lei, que previu expressamente a produção em Juízo, com a repetição de determinados atos, dos meios de prova para o julgamento da lide.

Portanto, considero que, ao cabo da instrução criminal, tem-se comprovados os crimes imputados a todos os réus, com exceção de Eduardo, que será absolvido.


A quadrilha configurada pelos réus agiu de forma una e organizada, visando cometer diversos crimes.

Nesse sentido, “O crime de quadrilha é consumado pela simples associação estável e permanente para delinqüir, gozando de autonomia e independência em relação à prática de outro crime”. (STF – HC 68.322-3-DF – Rel. Min. PAULO BROSSARD – 2ª T. – J. 11.6.91 – Um.).

Porém, deve ser afastada a qualificação da quadrilha, até mesmo porque nada de concreto se produziu nesse sentido.

Os acusados Orlando, Anderson e Cláudio, diante da verdadeira hierarquia existente no “PCC”, determinaram fossem realizadas as rebeliões descritas, utilizando-se, como meio para transmissão das ordens, das acusadas Valéria e Libânia.

Porém, considero que a capitulação inicial merece adequação, uma vez que entendo terem os diversos crimes de motim, dano e cárcere privado sido praticados em concurso formal.

Passo, então, à fixação da pena que será aplicada:

Na fase do artigo 59 do Código Penal, observo inexistirem razões a justificar a majoração das penas de Valéria, Libânia e Cláudio, as quais fixo em um ano de reclusão para a quadrilha, seis meses de detenção para cada motim de presos, seis meses de detenção e dez dias-multa para cada dano qualificado e dois anos de reclusão para cada cárcere privado qualificado. Anderson possui maus antecedentes (fls. 22 do apenso de antecedentes), motivo pelo qual suas penas são de um ano e dois meses de reclusão pela quadrilha, sete meses de detenção para cada motim de presos, sete meses de detenção e onze dias-multa para cada dano qualificado e dois anos e quatro meses de reclusão para cada cárcere privado qualificado. Por fim, Orlando apresenta péssimos antecedentes (fls. 116, 122, 124 e 126 do mesmo apenso), motivo pelo qual suas penas-base serão de um ano e quatro meses de reclusão pela quadrilha, oito meses de detenção para cada motim de presos, oito meses de detenção e treze dias-multa para cada dano qualificado e dois anos e oito meses de reclusão para cada cárcere privado qualificado.

Ademais, Cláudio (fls. 60 e 62 do mesmo apenso), Anderson (fls. 20 e 28) e Orlando (fls. 113, 120 e 122), são reincidentes, motivo pelo qual suas penas são majoradas para: um ano, dois meses e doze dias de reclusão pela quadrilha, sete meses e seis dias de detenção para cada motim de presos, sete meses e seis dias de detenção e doze dias-multa para cada dano qualificado e dois anos, quatro meses e vinte e quatro dias de reclusão para cada cárcere privado qualificado, as de Cláudio; um ano, quatro meses e vinte e quatro dias de reclusão pela quadrilha, oito meses e doze dias de detenção por cada motim de presos, oito meses e doze dias de detenção e quatorze dias-multa para cada dano qualificado, e dois anos, nove meses e dezoito dias de reclusão para cada cárcere privado qualificado, as de Anderson e um ano e oito meses de reclusão pela quadrilha, dez meses de detenção por cada motim de presos, dez meses de detenção e quinze dias-multa para cada dano qualificado e três anos e quatro meses de reclusão para cada cárcere privado qualificado, as de Orlando.

Uma vez que os delitos de motim de presos, dano qualificado e cárcere privado qualificado foram praticados em concurso formal, aplico uma das penas com acréscimo de dois terços para o primeiro, um quarto para o segundo e dois terços para o terceiro, sempre considerando o número de sujeitos passivos ou de ações.

Assim, a pena total de cada réu será:

Valéria e Libânia: dez meses de detenção pelos motins de presos, dez meses de detenção e duzentos e trinta dias-multa pelos danos qualificados e três anos de reclusão pelos cárceres privados qualificados.

Cláudio: um ano de detenção pelos motins de presos, um ano de detenção e duzentos e setenta e seis dias-multa pelos danos qualificados e quatro anos de reclusão pelos cárceres privados qualificados.

Anderson: um ano e dois meses de detenção pelos motins de presos, um ano e dois meses de detenção e trezentos e vinte e dois dias-multa pelos danos qualificados e quatro anos, sete meses e vinte e nove dias de reclusão pelos cárceres privados qualificados.

Orlando: um ano, quatro meses e dezenove dias de detenção pelos motins de presos, um ano, quatro meses e dezenove dias de detenção e trezentos e quarenta e cinco dias-multa pelos danos qualificados e cinco anos, seis meses e dezenove dias de reclusão pelos cárceres privados qualificados.

Não havendo outros fatores a considerar, torno essas penas definitivas, salientando que as pecuniárias foram fixadas conforme o artigo 72 do Código Penal.

Dadas a natureza dos delitos, o quantum condenatório total e as condições subjetivas dos acusados, fixo o regime inicial aberto para o cumprimento das penas de Valéria e Libânia, e o fechado e o semi-aberto, conforme a pena, respectivamente, de reclusão ou detenção, para os demais.


Ante todo o exposto e considerando o mais que dos autos consta, JULGO PARCIALMENTE PROCEDENTE a pretensão punitiva estatal para CONDENAR:

VALÉRIA DAMMOUS como incursa no artigo 288, caput; artigo 354, por vinte vezes, na forma do artigo 70, artigo 163, inciso III, por três vezes, na forma do artigo 70, e artigo 148, parágrafo 2º, por vinte vezes, na forma do artigo 70, c.c. o artigo 29 e o artigo 69, todos do Código Penal, às penas de um ano de reclusão pela quadrilha, dez meses de detenção pelos motins de presos, dez meses de detenção e duzentos e trinta dias-multa pelos danos qualificados e três anos de reclusão pelos cárceres privados qualificados, todas no regime inicial aberto;

LIBÂNIA CATARINA FERNANDES COSTA como incursa no artigo 288, caput; artigo 354, por vinte vezes, na forma do artigo 70, artigo 163, inciso III, por três vezes, na forma do artigo 70, e artigo 148, parágrafo 2º, por vinte vezes, na forma do artigo 70, c.c. o artigo 29 e o artigo 69, todos do Código Penal, às penas de um ano de reclusão pela quadrilha, dez meses de detenção pelos motins de presos, dez meses de detenção e duzentos e trinta dias-multa pelos danos qualificados e três anos de reclusão pelos cárceres privados qualificados, todas no regime inicial aberto;

CLÁUDIO ROLIM DE CARVALHO como incurso no artigo 288, caput; artigo 354, por vinte vezes, na forma do artigo 70, artigo 163, inciso III, por três vezes, na forma do artigo 70, e artigo 148, parágrafo 2º, por vinte vezes, na forma do artigo 70, c.c. o artigo 29 e o artigo 69, todos do Código Penal, às penas de um ano, dois meses e doze dias de reclusão, no regime inicial fechado, pela quadrilha, um ano de detenção, no regime inicial semi-aberto, pelos motins de presos, um ano de detenção, no regime inicial semi-aberto, e duzentos e setenta e seis dias-multa pelos danos qualificados e quatro anos de reclusão, no regime inicial fechado, pelos cárceres privados qualificados;

ANDERSON DE JESUS PARRO, como incurso no artigo 288, caput; artigo 354, por vinte vezes, na forma do artigo 70, artigo 163, inciso III, por três vezes, na forma do artigo 70, e artigo 148, parágrafo 2º, por vinte vezes, na forma do artigo 70, c.c. o artigo 29 e o artigo 69, todos do Código Penal, às penas de um ano, quatro meses e vinte e quatro dias de reclusão, no regime inicial fechado, pela quadrilha, um ano e dois meses de detenção, no regime inicial semi-aberto, pelos motins de presos, um ano e dois meses de detenção, no regime inicial semi-aberto, e trezentos e vinte e dois dias-multa pelos danos qualificados e quatro anos, sete meses e vinte e nove dias de reclusão, no regime inicial fechado, pelos cárceres privados qualificados;

ORLANDO MOTA JUNIOR, como incurso no artigo 288, caput; artigo 354, por vinte vezes, na forma do artigo 70, artigo 163, inciso III, por três vezes, na forma do artigo 70, e artigo 148, parágrafo 2º, por vinte vezes, na forma do artigo 70, c.c. o artigo 29 e o artigo 69, todos do Código Penal, às penas de um ano e oito meses de reclusão pela quadrilha, um ano, quatro meses e dezenove dias de detenção, no regime inicial semi-aberto, pelos motins de presos, um ano, quatro meses e dezenove dias de detenção, no regime inicial semi-aberto, e trezentos e quarenta e cinco dias-multa pelos danos qualificados e cinco anos, seis meses e dezenove dias de reclusão, no regime inicial fechado, pelos cárceres privados qualificados;

Paralelamente, ABSOLVO o co-réu EDUARDO DIAMANTE com fundamento no artigo 386, inciso VII, do Código de Processo Penal.

O dia-multa será calculado pelo valor unitário mínimo, por não haver razões informadas nos autos para sua exacerbação.

Expeça-se, imediatamente, alvará de soltura clausulado em favor de Eduardo.

Considerando que Valéria e Libânia encontram-se em prisão domiciliar, faculto eventual recurso nessa condição.

Uma vez que os acusados Cláudio, Anderson e Orlando permaneceram presos durante a instrução, não se justifica sua libertação agora que condenados, e no regime inicial fechado, o que seria verdadeiramente paradoxal. Por essa razão, nego a possibilidade de eventualmente recorrerem desta decisão em liberdade. Expeça-se, imediatamente, mandados de prisão.

Fixo o valor mínimo para reparação dos danos, conforme dispõe o artigo 387, inciso IV, do Código de Processo Penal, em R$ 27.480.118,71 (vinte e sete milhões, quatrocentos e oitenta mil, cento e dezoito reais e setenta e um centavos), consoante o informe de fls. 660/665, valor esse que deve ser corrigido monetariamente desde o dia do fato até efetivo pagamento pelos índices oficiais do Tribunal de Justiça de São Paulo, e que será suportado, em partes iguais, por cada um dos ora condenados.

Oficie-se ao TED da OAB comunicando o ora decidido em relação aos réus advogados.

Custas ex lege.

Após o trânsito em julgado, expeça-se mandados de prisão em desfavor de Valéria e Libânia, lance-se os nomes de todos os réus condenados no rol dos culpados e, oportunamente, arquive-se.

P.R.I.

São Paulo, 17 de outubro de 2008.

JOSÉ ROBERTO CABRAL LONGARETTI

JUIZ DE DIREITO

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