Igualdade de armas

Interpelação só cabe quando há dúvida sobre hostilidade

Autor

21 de outubro de 2008, 20h21

Ao referir-se a seu adversário eleitoral, que foi preso político, como bandido comum, o deputado federal Leonardo Quintão, que disputa a prefeitura de Belo Horizonte com Márcio Lacerda, não pode invocar imunidade parlamentar para evitar ação criminal. Mas não pode ser interpelado no Supremo Tribunal Federal por uma razão técnica: esse instrumento só é admitido quando houver dúvida em relação à intenção de ofender. No caso concreto, Quintão o ofendeu claramente.

Essa foi a decisão do ministro do STF Celso de Mello no julgamento da Petição 4.444-4, em que se negou o pedido de explicações apresentado. O ministro invocou voto de sua própria autoria quando, no Inquérito 1.400-QO/PR, o STF decidiu que a imunidade parlamentar é suspensa durante o período eleitoral, para ofensas feitas em campanha — já que o privilégio o colocaria em desigualdade frente a não detentores de cargo no Legislativo. Na ocasião, Roberto Requião atacara duramente Jaime Lerner, na disputa pelo governo do Paraná. Com dez votos contra o de Nelson Jobim, valeu a tese do relator.

A condição básica da interpelação analisada é a que se encontra no artigo 144 do Código Penal. Eventual iniciativa contra o ofensor, diz o artigo 355 do Código Eleitoral, só pode ser empreendida por meio de Ação Pública. Ou seja, o adversário não tem legitimidade ativa — só o Ministério Público, e no caso, a Procuradoria-Geral da República poderá ter a iniciativa. Em caso de inércia do MP, no prazo de dez dias, o próprio promotor ou procurador terá que responder criminalmente pela inação imotivada — o que se provoca com queixa subsidiária.

A decisão do ministro é didática. Explora as situações em que é cabível a interpelação judicial — um processo de natureza cautelar destinada a obter elementos para abertura de processo criminal. Mas que depende da equivocidade do ato, já que seu objetivo é o de dissipar ambigüidades ou desfazer dúvidas.

Leia a decisão

PETIÇÃO 4.444-4 DISTRITO FEDERAL

RELATOR: MIN. CELSO DE MELLO

REQUERENTE(S): MÁRCIO ARAÚJO DE LACERDA

ADVOGADO(A/S): ANDRÉ RODRIGUES COSTA OLIVEIRA E OUTRO(A/S)

REQUERIDO(A/S): LEONARDO QUINTÃO


EMENTA: INTERPELAÇÃO JUDICIAL. PEDIDO DE EXPLICAÇÕES AJUIZADO CONTRA DEPUTADO FEDERAL (CP, ART. 144). POSSIBILIDADE, NÃO OBSTANTE A GARANTIA DA IMUNIDADE PARLAMENTAR, POR SE TRATAR DE CONGRESSISTA- -CANDIDATO. IMPUTAÇÕES ALEGADAMENTE OFENSIVAS. AUSÊNCIA, NO ENTANTO, DE DUBIEDADE, EQUIVOCIDADE OU AMBIGÜIDADE. INEXISTÊNCIA DE DÚVIDA OBJETIVA EM TORNO DO CONTEÚDO MORALMENTE OFENSIVO DAS AFIRMAÇÕES. INVIABILIDADE JURÍDICA DO AJUIZAMENTO DA INTERPELAÇÃO JUDICIAL, POR FALTA DE INTERESSE PROCESSUAL. PEDIDO DE EXPLICAÇÕES A QUE SE NEGA SEGUIMENTO.

A questão do congressista-candidato e a impossibilidade de invocação, por ele, em seu favor, e contra os demais concorrentes, da garantia da imunidade parlamentar em sentido material: exigência de observância da igualdade de oportunidades, no contexto do processo eleitoral, entre todos os candidatos, parlamentares ou não. Precedentes: Inq 1.400-QO/PR, Rel. Min. CELSO DE MELLO, v.g..

O pedido de explicações em juízo acha-se instrumentalmente vinculado à necessidade de esclarecer situações, frases ou expressões, escritas ou verbais, caracterizadas por sua dubiedade, equivocidade ou ambigüidade. Ausentes esses pressupostos, a interpelação judicial, porque desnecessária, revela-se processualmente inadmissível.

A interpelação judicial, por destinar-se, exclusivamente, ao esclarecimento de situações dúbias ou equívocas, não se presta, quando ausente qualquer ambigüidade no discurso contumelioso, à obtenção de provas penais pertinentes à definição da autoria do fato delituoso.

O pedido de explicações em juízo não se justifica quando o interpelante não tem dúvida alguma sobre o caráter moralmente ofensivo das imputações que lhe foram dirigidas pelo suposto ofensor. Doutrina. Precedentes.

DECISÃO: Trata-se de “interpelação criminaldeduzida, com fundamento no art. 144 do Código Penal, contra Leonardo Quintão, que é membro do Congresso Nacional. Pretende-se que este ofereça explicações necessárias ao esclarecimento de afirmações que foram noticiadas no jornal “O Tempo” (edição de 15/10/2008 – fls. 09).


O requerente assim justifica a presente interpelação judicial (fls. 03/04):

Como é fato público e notório, tanto o interpelante quanto o interpelado são, atualmente, candidatos ao cargo de Prefeito do Município de Belo Horizonte, no pleito de 2008, em sua disputa de 2º Turno.

Dentro do contexto de campanha eleitoral, como é costumeiro, vem sendo o interpelante vítima de ataques à sua honra, vinculados ao ‘denuncismo’ peculiar que sempre aflora nas proximidades dos debates para a escolha dos candidatos.

E, nesse diapasão, o interpelante tomou ciência de matéria publicada no periódico ‘O Tempo’, com circulação nesta data, que já anuncia, em sua manchete principal, o seguinte:

Eleição. Quintão chama Lacerda de preso comum em resposta ao vídeo do chute na bunda.

SEGUNDO TURNO EM BH ENTRA EM CLIMA DE GUERRA.

Candidatos usam televisão, Internet e debates para trocar acusações.

Os candidatos em Belo Horizonte partiram para a guerra. Leonardo Quintão (PMDB) e Marcio Lacerda (PSB) trocam acusações na TV, na Internet e em debates. Ontem, na sabatina de O TEMPO, Quintão chamou Lacerda de preso comum, em resposta à divulgação do vídeo em que o peemedebista diz que vai chutar a bunda dos adversários’.

A matéria de fundo, localizada na página 3, traz o seguinte conteúdo:


Sucessão. Candidatos abrem guerra na campanha de segundo turno e começa a onda de denúncias.

QUINTÃO RESPONDE VÍDEO E DIZ QUE LACERDA FOI PRESO COMUM.

PEEMEDEBISTA DIZ QUE ADVERSÁRIO ASSALTOU BANCO E DEU CORONHADAS.

Desde anteontem à noite, o segundo turno da eleição em Belo Horizonte está em clima de guerra, ao contrário do que aconteceu na primeira fase. O programa de televisão, a Internet e os debates transformaram-se em verdadeiras barricadas. Na tarde de ontem, durante sabatina realizada pelo O TEMPO, o candidato Leonardo Quintão (PMDB), ao se defender sobre um vídeo divulgado no programa eleitoral do adversário Márcio Lacerda (PSB) – em que aparece chutando o ar e afirmando que nós vamos ganhar e chutar a bunda deles – disse que o socialista não foi preso político e, sim, comum. Ele disse que Lacerda assaltou banco e uma padaria e deu coronhadas durante suas ações. Ele (Lacerda) fala que foi preso político e não foi. Ele foi preso comum porque é assaltante de banco. E de uma padaria também, disse, afirmando que acordo com militar não é coisa de preso político. E repetiu preso comum, crime comum.

Lacerda disse ontem que realmente assaltou banco para obter recursos para a resistência à ditadura militar. Ele ressaltou que as declarações do rival demonstraram o total desconhecimento dele sobre a história do Brasil. O vice de Lacerda, Roberto Carvalho (PT) aconselhou Quintão a se informar com a apoiadora Jô Moraes sobre a guerrilha no Brasil’.

Como é óbvio, os fatos narrados são de notória inverdade, atentam contra a honra do interpelante e configuram, em tese, a prática dos crimes de injúria e difamação.

Repare-se, a propósito, na seguinte afirmativa:


‘Ele foi preso comum porque é assaltante de banco. E de uma padaria também’.

Diante desse contexto, se infere que o interpelado vem se utilizando do espaço democrático, de debate político, para difamar e injuriar o interpelante, jogando por terra a preciosa luta que ele e outros tantos outros encamparam ao longo de sua juventude, com o objetivo de propiciar a liberdade de expressão na República.

Mais do que isso: ao reputar como ‘crime comum’ uma ação sabidamente revolucionária, o interpelado, irresponsavelmente, jogou por terra a recente história de luta da população brasileira, por uma sociedade mais digna, na qual vários pagaram com suas próprias vidas.

Assim, considerando a publicação das declarações em periódico, com o intuito de esclarecimento, a fim de promover a devida queixa-crime contra o referido Deputado Federal, necessário se fez o ajuizamento da presente interpelação, nos estritos termos do art. 144 C. Penal, que preconiza: ‘Se, de referências, alusões ou frases, se infere calúnia, difamação ou injúria, quem se julga ofendido pode pedir explicações em juízo. Aquele que se recusa a dá-las ou, a critério do juiz, não as dá satisfatórias, responde pela ofensa’.” (grifei)

Presente esse contexto, impõe-se verificar, preliminarmente, se assiste, ou não, competência a esta Suprema Corte para processar, originariamente, este pedido de explicações.

A notificação, como se sabe, considerada a natureza cautelar de que se reveste, deve processar-se perante o mesmo órgão judiciário que é competente para julgar a ação penal principal eventualmente ajuizável contra o suposto ofensor.

Essa é a razão pela qual, tratando-se de Deputado Federal, como o ora notificando, compete, ao próprio Supremo Tribunal Federal, processar, originariamente, o pedido de explicações, tal como formulado na espécie:


COMPETÊNCIA PENAL ORIGINÁRIA DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL PARA O PEDIDO DE EXPLICAÇÕES.

A competência penal originária do Supremo Tribunal Federal, para processar pedido de explicações em juízo, deduzido com fundamento na Lei de Imprensa (art. 25) ou com apoio no Código Penal (art. 144), somente se concretizará quando o interpelado dispuser, ‘ratione muneris, da prerrogativa de foro, perante a Suprema Corte, nas infrações penais comuns (CF, art. 102, I, ‘b’ e ‘c’).

(RTJ 170/60-61, Rel. Min. CELSO DE MELLO, Pleno)

Reconhecida, desse modo, a competência originária desta Suprema Corte, impende verificar se a garantia constitucional da imunidade parlamentar em sentido material, de que é titular o ora requerido, Leonardo Quintão, impede, ou não, a instauração deste processo de índole cautelar.

O fato de o ora requerido ostentar a condição de Deputado Federal poderia inviabilizar, só por si, a formulação da presente “interpelação criminal”, eis que inadmissível, contra os congressistas, a instauração de processo de natureza penal ou de caráter civil, “por quaisquer de suas opiniões, palavras e votos” (CF, art. 53, “caput”).

É que, como se sabe, o pedido de explicações qualifica-se como verdadeira ação de natureza cautelar destinada a viabilizar o exercício ulterior de ação principal (notadamente a ação penal), cumprindo, desse modo, a interpelação judicial, uma típica função instrumental inerente às providências processuais revestidas de cautelaridade.

Não se desconhece que, entre o pedido de explicações em juízo, de um lado, e a causa principal, de outro, há uma evidente relação de acessoriedade, pois a medida a que alude o art. 144 do Código Penal reveste-se, como salientado, de um nítido caráter de instrumentalidade.


Tal observação se impõe, porque a incidência da imunidade parlamentar material – por tornar inviável o ajuizamento da ação penal de conhecimento e da ação de indenização civil, ambas de índole principal – afeta a possibilidade jurídica de formulação e, até mesmo, de processamento do próprio pedido de explicações, em face da natureza meramente acessória de que se reveste tal providência de ordem cautelar, tal como esta Suprema Corte tem reiteradamente proclamado e advertido (Pet 3.205/DF, Rel. Min. EROS GRAU – Pet 3.585/DF, Rel. Min. RICARDO LEWANDOWSKI – Pet 3.588/DF, Rel. Min. NELSON JOBIM – Pet 3.686/DF, Rel. Min. CELSO DE MELLO – Pet 4.199/DF, Rel. Min. CELSO DE MELLO, v.g.).

Ocorre, no entanto, que o amparo da imunidade parlamentar em sentido material, enquanto expressiva garantia de índole constitucional dos membros do Congresso Nacional, não alcança nem protege o parlamentar, quando candidato, em pronunciamentos motivados por propósitos exclusivamente eleitorais, considerada a essencial igualdade que deve existir entre todos aqueles que, sejam parlamentares ou não, disputam mandatos eletivos.

Essa compreensão em torno do alcance restrito da cláusula constitucional de inviolabilidade, nos casos em que se delineia a figura do parlamentar-candidato, tem o beneplácito do magistério jurisprudencial do Supremo Tribunal Federal, como o registra decisão proferida pelo Plenário desta Suprema Corte:

— A garantia constitucional da imunidade parlamentar em sentido material (CF, art. 53, ‘caput’) – destinada a viabilizar a prática independente, pelo membro do Congresso Nacional, do mandato legislativo de que é titular – não se estende ao congressista, quando, na condição de candidato a qualquer cargo eletivo, vem a ofender, moralmente, a honra de terceira pessoa, inclusive a de outros candidatos, em pronunciamento motivado por finalidade exclusivamente eleitoral, que não guarda qualquer conexão com o exercício das funções congressuais. Precedentes.

O postulado republicanoque repele privilégios e não tolera discriminações — impede que o parlamentar-candidato tenha, sobre seus concorrentes, qualquer vantagem de ordem jurídico-penal resultante da garantia da imunidade parlamentar, sob pena de dispensar-se, ao congressista, nos pronunciamentos estranhos à atividade legislativa, tratamento diferenciado e seletivo, capaz de gerar, no contexto do processo eleitoral, inaceitável quebra da essencial igualdade que deve existir entre todos aqueles que, parlamentares ou não, disputam mandatos eletivos.


(Inq 1.400-QO/PR, Rel. Min. CELSO DE MELLO, Pleno)

Essa é a razão pela qual não incide, na espécie, a garantia da imunidade parlamentar em sentido material (o requerido, embora congressista, é candidato), o que torna possível, analisada a questão sob essa específica perspectiva, o conhecimento da presente “interpelação criminal”.

Impende analisar, agora, a natureza e a destinação da interpelação judicial em referência, fundada no art. 144 do Código Penal.

Cumpre ter em consideração, neste ponto, que o pedido de explicações reveste-se de função instrumental, cuja destinação jurídica vincula-se, unicamente, ao esclarecimento de situações impregnadas de dubiedade, equivocidade ou ambigüidade (CP, art. 144), em ordem a viabilizar, tais sejam os esclarecimentos prestados, a instauração de processo penal de conhecimento tendente à obtenção de um provimento condenatório, consoante o reconhece a própria jurisprudência do Supremo Tribunal Federal:

“— O pedido de explicações constitui típica providência de ordem cautelar, destinada a aparelhar ação penal principal, tendente a sentença penal condenatória. O interessado, ao formulá-lo, invoca, em juízo, tutela cautelar penal, visando a que se esclareçam situações revestidas de equivocidade, ambigüidade ou dubiedade, a fim de que se viabilize o exercício futuro de ação penal condenatória.

A notificação prevista no Código Penal (art. 144) e na Lei de Imprensa (art. 25) traduz mera faculdade processual, sujeita à discrição do ofendido. E só se justifica na hipótese de ofensas equívocas.

(RTJ 142/816, Rel. Min. CELSO DE MELLO)

Também JULIO FABBRINI MIRABETE, em preciso magistério sobre o tema (“Código Penal Interpretado”, p. 1.138, 5ª ed., 2005, Atlas), revela igual entendimento sobre os pressupostos legitimadores da utilização do pedido de explicações em juízo:


O pedido de explicações previsto no art. 144 é uma medida preparatória e facultativa para o oferecimento da queixa, quando, em virtude dos termos empregados ou do sentido das frases, não se mostra evidente a intenção de caluniar, difamar ou injuriar, causando dúvida quanto ao significado da manifestação do autor, ou mesmo para verificar a que pessoa foram dirigidas as ofensas.

Cabe, assim, nas ofensas equívocas e não nas hipóteses em que, à simples leitura, nada há de ofensivo à honra alheia ou, ao contrário, quando são evidentes as imputações caluniosas, difamatórias ou injuriosas.” (grifei)

Essa mesma orientação — que sustenta a inviabilidade do pedido de explicações, quando não houver situação de dubiedade ou de equivocidade quanto ao conteúdo das imputações questionadasé também observada por GUILHERME DE SOUZA NUCCI (“Código Penal Comentado”, p. 626, 7ª ed., 2007, RT), ANÍBAL BRUNO (“Crimes Contra a Pessoa”, p. 323/324, 3ª ed., Editora Rio), FERNANDO CAPEZ/STELA PRADO (“Código Penal Comentado”, p. 281, item n. 1, 2007, Verbo Jurídico), ROGÉRIO GRECO (“Curso de Direito Penal”, vol. II/564, 2005, Impetus) e CEZAR ROBERTO BITENCOURT (“Código Penal Comentado”, p. 577, 4ª ed., 2007, Saraiva), cabendo referir, por valioso, o magistério de PAULO JOSÉ DA COSTA JUNIOR (“Código Penal Comentado”, p. 442, 8ª ed., 2005, DPJ):

Se a ofensa for equívoca, por empregar termos ou expressões dúbias, cabe o pedido de explicações previsto pelo art. 144.

Por vezes, o agente emprega frases ambíguas propositadamente, quiçá ‘para excitar a atenção dos outros e dar mais efeito ao seu significado injurioso’.

Trata-se de medida facultativa, que antecede o oferecimento da queixa. Só tem cabimento o pedido nos casos de ofensas equívocas.” (grifei)

Impende acentuar que esse entendimento reflete-se, por igual, na jurisprudência desta Suprema Corte e na dos Tribunais em geral (RT 488/316 — RT 519/402 — RT 534/377 — JTACrSP 86/227 — JTACrSP 97/287 — JTARGS 84/65, v.g.):


O pedido de explicações em juízo acha-se instrumentalmente vinculado à necessidade de esclarecer situações, frases ou expressões, escritas ou verbais, caracterizadas por sua dubiedade, equivocidade ou ambigüidade. Ausentes esses pressupostos, a interpelação judicial, porque desnecessária, revela-se processualmente inadmissível.

A interpelação judicial, por destinar-se, exclusivamente, ao esclarecimento de situações dúbias ou equívocas, não se presta, quando ausente qualquer ambigüidade no discurso contumelioso, à obtenção de provas penais pertinentes à definição da autoria do fato delituoso.

O pedido de explicações em juízo não se justifica quando o interpelante não tem dúvida alguma sobre o caráter moralmente ofensivo das imputações que lhe foram dirigidas pelo suposto ofensor.

(RT 709/401, Rel. Min. CELSO DE MELLO, Pleno)

(…) as explicações a que alude o artigo 25 da Lei nº 5.250/67daí exigir-se manifestação do Poder Judiciário -, visam a permitir se apure, objetivamente, se a inferência da calúnia, difamação ou injúria resultante de referência, alusão ou frase do notificado resulta, ou não, de imprecisão de linguagem. Visam, apenas, a isso, e não a ensejar a verificação da existência de crime, em seus elementos objetivos ou subjetivos, o que será objeto da ação penal própria, se promovida. O que se procura saber, por meio da explicação, é o que realmente quis dizer o autor da referência, da alusão ou da frase. Em outras palavras, as explicações do notificado se destinam a esclarecer se a inferência do notificante corresponde ao que aquele pretendeu exteriorizar. (…).

(RTJ 79/718, 725, Rel. Min. MOREIRA ALVES – grifei)

CRIME DE IMPRENSA — Pedido de explicaçõesIndeferimento — Alusão considerada ofensiva pelo requerente que não se reveste de forma dubitativaRejeição in limine’ – Decisão mantida — Inteligência do art. 144 do CP de 1940.


(RT 607/334, Rel. Juiz RENATO MASCARENHAS – grifei)

Vê-se, portanto, que, onde não houver dúvida objetiva em torno do conteúdo moralmente ofensivo das afirmações questionadas ou, então, onde inexistir qualquer incerteza a propósito dos destinatários de tais declarações, aí não terá pertinência nem cabimento a interpelação judicial, pois ausentes, em tais hipóteses, os pressupostos necessários à sua utilização.

E é, precisamente, o que ocorre na espécie, pois a leitura da publicação em referência, especialmente dos fragmentos abaixo reproduzidos, não permite qualquer dúvida, seja em torno do destinatário das afirmações alegadamente ofensivas, seja em torno do próprio conteúdo inequívoco e despojado de dubiedade das asseverações emanadas daquele contra quem se ajuizou a presente medida cautelar (fls. 03):

QUINTÃO RESPONDE VÍDEO E DIZ QUE LACERDA FOI PRESO COMUM.

PEEMEDEBISTA DIZ QUE ADVERSÁRIO ASSALTOU BANCO E DEU CORONHADAS.

Desde anteontem à noite, o segundo turno da eleição em Belo Horizonte está em clima de guerra, ao contrário do que aconteceu na primeira fase. O programa de televisão, a Internet e os debates transformaram-se em verdadeiras barricadas. Na tarde de ontem, durante sabatina realizada pelo O TEMPO, o candidato Leonardo Quintão (PMDB), ao se defender sobre um vídeo divulgado no programa eleitoral do adversário Márcio Lacerda (PSB) – em que aparece chutando o ar e afirmando que nós vamos ganhar e chutar a bunda deles – disse que o socialista não foi preso político e, sim, comum. Ele disse que Lacerda assaltou banco e uma padaria e deu coronhadas durante suas ações. Ele (Lacerda) fala que foi preso político e não foi. Ele foi preso comum porque é assaltante de banco. E de uma padaria também, disse, afirmando que acordo com militar não é coisa de preso político. E repetiu preso comum, crime comum.

Lacerda disse ontem que realmente assaltou banco para obter recursos para a resistência à ditadura militar.” (grifei)

Em suma: o magistério da doutrina e a jurisprudência dos Tribunais orientam-se, como precedentemente enfatizado, no sentido de que não cabe o pedido de explicações, por ausência de interesse processual, se não se registrar, quanto às declarações questionadas, a situação de necessária dubiedade, ambigüidade ou indeterminação subjetiva.

Não há, pois, em face das razões expostas, como dar trânsito à presente “interpelação criminal”, motivo pelo qual, por entendê-la incabível, nego-lhe seguimento nesta Suprema Corte.

Arquivem-se os presentes autos.

Publique-se.

Brasília, 21 de outubro de 2008.

Ministro CELSO DE MELLO

Relator

Autores

Tags:

Encontrou um erro? Avise nossa equipe!