Paixão nacional

Jogar futebol com a parte não impede de ser testemunha na ação

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19 de outubro de 2008, 1h00

O fato de duas pessoas jogarem futebol juntas e até mesmo saírem em grupo após a partida não os vincula com laços de amizade a ponto de uma estar impedida de testemunhar em processo judicial que envolva a outra. Com esse entendimento, a 2ª Turma do Tribunal Regional do Trabalho de Mato Grosso rejeitou o pedido de um shopping de Cuiabá que queria a desconsideração do depoimento de uma testemunha em ação trabalhista. O shopping foi condenado a pagar R$ 10 mil de indenização por assédio moral a um ex-empregado.

O trabalhador, um ex-vigilante do shopping, disse ter sido acusado por supervisores da empresa de ter furtado passe de ônibus de outra trabalhadora e de ter participado de assalto a uma joalheria.

Na primeira instância, após analisar os documentos juntados ao processo e ouvir testemunhas e envolvidos, a juíza Claudirene Andrade Ribeiro, da 7ª Vara do Trabalho de Cuiabá, entendeu que as atitudes da empresa causaram dano ao trabalhador. Por isso, mandou a empresa pagar R$ 20 mil de indenização.

A empresa recorreu da decisão no TRT. Alegou que uma das testemunhas era amiga do ex-vigilante, pois além de vizinhos, jogavam futebol e davam “esticadinhas” (no bar) após os jogos. Pediu a exclusão da condenação (ou diminuição no valor), argumentando não haver prova cabal dos danos alegados.

O trabalhador recorreu da decisão. Alegou que o valor da condenação era insuficiente para compensar a dor e o constrangimento sofridos, insistindo no valor de R$ 124 mil. Por unanimidade a 2ª Turma do TRT manteve a condenação, mas reduziu o valor de R$ 20 mil para R$ 10 mil.

Ao julgar o pedido de desconsideração do depoimento de uma testemunha, os desembargadores mantiveram o indeferimento de contradita solicitada pela empresa. Contradita é o ato pelo qual uma das partes requer a impugnação de um depoimento na instrução de um processo por entender que esse depoente não tem a isenção necessária para relatar os fatos.

No entanto, os desembargadores avaliaram que não estava presente nenhuma das hipóteses de impedimento: amizade íntima, inimizade capital, parentesco e interesse pessoal na ação.

De acordo com o relator, desembargador Osmair Couto, o simples fato de residirem relativamente próximos, ainda que em bairros distintos, por si só não os torna amigos nem suspeitos de deporem em juízo. “O fato de jogarem futebol juntos também não os vincula com laços de amizade, pouco importando quem marcava os jogos (se o shopping, o sindicato ou os próprios empregados), pois tal esporte é considerado “paixão nacional” e é praticado entre pessoas das mais diversas classes, sem que, necessariamente, tenham vínculos de amizade”, enfatizou.

Da mesma forma, as alegadas “esticadinhas” após as partidas não garantem relação de amizade íntima, pois até mesmo testemunha indicada pela empresa afirmou que essas saídas depois dos jogos também envolviam outros funcionários da empresa, sendo tal prática comum entre colegas de trabalho.

Os membros da 2ª Turma também confirmaram que o ex-vigilante foi vítima de assédio moral: que as acusações de roubo contra ele tiveram grande repercussão no ambiente de trabalho e que ele era constantemente submetido pelos seus superiores a tratamento descortês e humilhante, traço mais característico do assédio.

Assim, o relator entendeu que estavam presentes os três requisitos que caracterizam a necessidade de indenizar: o ato ilícito, pela forma como foi tratado o trabalhador; o dano, causado pelo abalo moral e o constrangimento; e o chamado nexo casual, a ligação entre o ato e o dano.

Os desembargadores, contudo, julgaram que o valor da indenização fixado na primeira instância deveria ser reduzido por uma questão de proporcionalidade uma vez eu os danos não extrapolaram os limites do ambiente de trabalho, não repercutindo na vida profissional.

Processo 00901.2007.007.23.00-5

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