Reforma do CPC

Considerações sobre o prazo para recorrer contra execução

Autor

  • Dierle José Coelho Nunes

    é advogado doutor em Direito Processual (PUC-Minas/Università degli Studi di Roma “La Sapienza”) mestre em Direito Processual (PUC-Minas) professor universitário e membro da Comissão de Ensino Jurídico da seccional mineira da OAB.

18 de outubro de 2008, 0h00

As reformas no sistema executivo vêm trazendo novas temáticas para a discussão processual, em face da dimensão das alterações implementadas pelas Leis 11.232/05 e 11.382/06.

No entanto, as reformas também reavivam velhas questões tormentosas, como a que trata do momento cujo prazo, para oferta de contraposição do devedor na execução, deva ser contado na hipótese de execução por quantia certa.

Isto porque após o advento da Lei 11.232/05 e criação da fase de cumprimento dos artigos 475J e seguintes, CPC, a forma de contraposição do devedor em relação à execução se modificou sensivelmente quando esta estiver embasada em titulo executivo judicial, eis que nessas hipóteses não existe mais o cabimento de propositura de embargos do devedor (procedimento autônomo), mas, tão-somente de um incidente cognitivo de Impugnação ao cumprimento, de cognição parcial e exauriente (artigo 475L, CPC), cujo prazo para interposição se iniciaria, a priori, nos moldes do artigo 475J, parágrafo 1º, CPC, a partir da intimação da penhora (garantia do juízo) que poderá ocorrer na pessoa de seu advogado, ou na sua falta, pessoalmente na pessoa do devedor.

Significa que o advento da reforma não alterou a necessidade de prévia garantia do juízo (penhora) para a oposição do devedor (agora, via impugnação), apesar de vozes doutrinárias em sentido contrário.

Entretanto, como já se disse, com o advento da reforma velhas polêmicas jurispudenciais foram reavivadas, eis que há algum tempo o STJ discute se na hipótese de oferta de garantia do juízo expontânea (por exemplo, mediante um depósito do valor exequendo) far-se-ia necessária a intimação do devedor ou se este ato de cientificação, ínsito às garantias do contraditório e ampla defesa, seria desnecessário.

Esta é a hipotese tratada no precedente de 23 de setembro de 2008, julgado pelo Superior Tribunal de Justiça, Recurso Especial 972.812 – RJ, relatado pela ministra Nancy Andrighi, que, em face da importância que os precedentes dos Tribunais Superiores vêm auferindo no discurso jurídico pátrio, deve ser amplamente divulgado, de modo a ofertar aos advogados maior cautela técnica na contagem do aludido prazo.

Recurso especial 972.812 – RJ – hipótese em discussão

No precedente, a Caixa de Previdência do Banco do Brasil – Previ – interpôs o recurso especial em face de acórdão do TJRJ, que havia confirmado decisão de primeiro grau, que contou o prazo da impugnação ao cumprimento pelo devedor independentemente da intimação da garantia da execução, eis que esta (Previ) a havia ofertado mediante o depósito do valor que se executava.

Esmiuçando melhor o caso: a Previ foi condenada a pagar uma determinada quantia no procedimento cognitivo; na fase de cumprimento (artigo 475J, et seq, CPC) a devedora fora intimada a pagar a quantia e efetuou o depósito do valor que reputava adequado, independente de qualquer constrição judicial (penhora).

No entanto, o credor se manifestou alegando que o valor depositado era inferior ao seu crédito, conduzindo o juízo de primeiro grau a determinar a penhora do valor não adimplido, acrescido da multa de 10% do artigo 475J, CPC, em face do inadimplemento parcial da dívida, aplicado proporcionalmente, nos moldes parágrafo 4º, do referido dispositivo legal. Porém, a devedora se antecipou a penhora, despositando o valor que faltava, mas, reservando-se no direito de impugnar a execução em relação à diferença e, ainda, requerendo sua intimação para o inicio da contagem de seu prazo para oferta da impugnação ao cumprimento.

Em face da situação, como já explicitado, a devedora, ao esperar a intimação, perdeu o prazo para impugnar, eis que o juízo contou o prazo do depósito, afirmando ser desnecessária e incabível a intimação da segurança do juízo (depósito) uma vez que a finalidade do ato (cientificação do devedor) já existia, devido ao aludido depósito ter sido voluntário.

Discussão da temática no Superior Tribunal de Justiça

A temática quanto à contagem do aludido prazo não é nova na jurisprudência do STJ, tendo sido recorrente mesmo quando a forma de contraposição da execução pelo devedor era realizada mediante os embargos.

Em precedente de 1999, a 3ª Turma do Tribunal afirmou que “se os devedores nomeiam bens à penhora, que reduzida a termo é por eles assinado, o prazo para oposição dos embargos tem início a partir da data da assinatura, sem necessidade da intimação” (STJ, 3T, Rel. Min. Waldemar Zweiter, RESP 151.343/SC, j. 02/02/1999, p. DJ 03/05/1999 p. 144)

Ao tratar especificamente da temática da garantia voluntária da execução existem prececedentes do Tribunal Superior com dois entendimentos diversos. O primeiro entendimento, afirma ser necessária a intimação do devedor, veja-se:

O oferecimento de fiança bancária no valor da execução não tem o condão de alterar o marco inicial do prazo para os embargos do devedor, porquanto, ainda assim, há de ser formalizado o termo de penhora, do qual deverá o executado ser intimado e, partir de então, fluirá o lapso temporal para a defesa. (destacamos) (STJ, 4T, REsp 621855/PB, Min. Rel. FERNANDO GONÇALVES, j. 11/05/2004, p. DJ 31/05/2004 p. 324, RJADCOAS vol. 58 p. 109)

No mesmo sentido:

Oferecida pelo devedor quantia em dinheiro para ser penhorada e aceita a nomeação, não há como iniciar a contagem do prazo para os embargos do termo de depósito, porquanto a constrição somente se apresenta perfeita e acabada quando da realização do competente termo nos autos, do qual, no presente caso, foi lançado pelo devedor o ciente, por intermédio de advogado constituído, com poderes para isso, iniciando-se, então, o transcurso do lapso temporal para oferecimento da defesa. É que a execução é por quantia certa e o prazo para oferecimento dos embargos conta-se da intimação da penhora. (destacamos) (STJ, 4T, REsp 324339/SP, Min. Rel. FERNANDO GONÇALVES, j. 24/05/2005, p. DJ 13/06/2005 p. 308)

Em sentido contrário, contando o prazo do depósito:

Depósito judicial do valor integral da dívida. Termo inicial do prazo para oferecer embargos do devedor. – Com o depósito judicial do valor integral da dívida, a constituição da penhora é automática, independe da lavratura do respectivo termo. – O termo inicial do prazo para oferecer embargos do devedor deve ser a data da efetivação do depósito judicial da quantia objeto da ação de execução. (destacamos) (STJ, 3T, REsp 590560/SP, Min. Rel. Nancy Andrighi, j. 14/12/2004, p. DJ 01/02/2005 p. 546)

No mesmo sentido:

Execução por quantia certa. Depósito em dinheiro. Termo inicial para apresentação de embargos de devedor. Precedentes da Corte. 1. Havendo depósito judicial do valor da execução, há precedente indicando que, nesse caso, “a constituição da penhora é automática, independe da lavratura do respectivo termo”, e o prazo “para oferecer embargos do devedor deve ser a data da efetivação do depósito judicial da quantia objeto da ação de execução” (REsp nº 590.560/SP, Terceira Turma, Relatora a Ministra Nancy Andrighi, DJ de 1º/2/05; no mesmo sentido: REsp nº 163.990/SP, Quarta Turma, Relator o Ministro Ruy Rosado de Aguiar, DJ de 9/11/98; REsp nº 599.279/RJ, Terceira Turma, Relatora a Ministra Nancy Andrighi, DJ de 14/6/04). (STJ, 3T, Rel. Ministro CARLOS ALBERTO MENEZES DIREITO, j. 16/05/2006, p. DJ 28/08/2006 p. 283)

E, exatamente seguindo este segundo entendimento é o conteúdo do novo precedente do STJ, proferido já sobre os efeitos da nova sistemática executiva; nesses termos, o Tribunal Superior, no precedente de 23 de setembro de 2008, afirma que:

Com o depósito judicial do valor integral da dívida, a constituição da penhora é automática, dispensada, portanto, a lavratura de termo de penhora. Tal depósito já é a garantia da execução, considerando que o devedor perde a disponibilidade do numerário depositado. O relevante para o legislador é a comunicação ao executado para que ele possa, se entender necessário, manifestar seu inconformismo. Entretanto, em se tratando de depósito efetuado pelo próprio executado, é prescindível sua intimação, porque a finalidade do ato já foi alcançada — ciência do devedor. Logo nada mais razoável e de acordo com a simplificação e racionalização do processo que contar o prazo para a impugnação desde a data do depósito. Como se não bastasse isso, o dinheiro é bem que se encontra em primeiro lugar na lista de preferência do artigo 655, CPC, e, quando depositado para garantia do juízo, não expõe o credor a vicissitudes que justifiquem eventual recusa da nomeação.

Percebe-se na decisão a predileção do Tribunal pela eficiência processual, mas, nessa hipótese, sem qualquer sacrifício a qualquer garantia processual constitucional do modelo constitucional de processo1 uma vez que o devedor possuiu ampla cientificação da garantia do juízo, até mesmo por ter sido levada a cabo por ele.

No entanto, o precedente demonstra o grau de complexidade normativa do sistema processual brasileiro,2 eis que o próprio Tribunal apresenta entendimentos dissonantes acerca da matéria.

Nesses termos, na dúvida, seria conveniente ao advogado, quando da oferta de garantia do juízo expontânea (depósito, nomeação de bens etc.) optar pela contagem do prazo da respectiva realização do ato, eis que não parece que o entendimento jurisprudencial, pelas razões postas, tenda a adotar uma solução que exija a intimação do devedor.

Entretanto, ainda duas colocações devem ser realizadas nesse breve comentário jurisprudencial: a) A temática da contagem do prazo para impugnação ao cumprimento, não se altera se a garantia do juizo for realizada mediante a penhora de bens. B) Nas hipóteses de execução autônoma por quantia certa (artigo 652 et seq, CPC), embasada em titulo executivo extrajudicial, a problemática aqui tratada também não possui aplicação, eis que o prazo para oferta de contraposição (na espécie, via procedimento autônomo de embargos do devedor) será contado da juntada aos autos do mandado de citação (artigos 736 e 738, CPC).

Nota de rodapé:

1. Para uma análise da temática do modelo constitucional conferir: ANDOLINA, Italo, VIGNERA, Giuseppe. Il modelo costituzionale del processo civile italiano. Torino: Giappichelli Editore, 1990.

2. Para uma análise mais adequada conferir: NUNES, Dierle José Coelho. Processo jurisdicional democrático: uma análise crítica das reformas processuais. Curitiba: Porto Alegre, 2008.p. 165 et seq.

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    é advogado, doutor em Direito Processual (PUC-Minas/Università degli Studi di Roma “La Sapienza”), mestre em Direito Processual (PUC-Minas), professor universitário e membro da Comissão de Ensino Jurídico da seccional mineira da OAB.

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