Instrumento processual

Uso do Mandado de Injunção no Direito brasileiro e comparado

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16 de outubro de 2008, 16h16

Faz-se mister uma análise de cunho pragmático sobre as necessidades existentes da época responsáveis pela formação da garantia constitucional do Mandado de Injunção pela Constituição Federal de 1988 (artigo 5º, LXXI). Uma abordagem ontológica do instituto, tanto no direito pátrio, quanto na busca de mecanismos similares ao que se pretende aprofundar no direito comparado, visa à aquisição de uma melhor compreensão do mecanismo constitucional consoante sua aplicabilidade na legislação vigente. Além de se tornar um recurso hermenêutico indispensável.

Após a inserção do instituto injuncional no ordenamento pátrio, muito se tem debatido a respeito da sua origem sob o prisma do Direito Comparado. Preliminarmente, o remédio injuncional pátrio foi tido, mormente por insignes juristas, como um instrumento derivado do writ of injunction do direito anglo-americano. No entanto, teorias que atribuem a origem do mandado de injunção a outros Códigos internacionais como o alemão, português, francês ou italiano, ganharam corpo na doutrina brasileira ao passar dos anos. Por fim, para complexar ainda mais a abordagem sobre a influência do direito alienígena na origem do mandado de injunção, grande parte dos doutrinadores modernos sobrepõem, às anteriores, a idéia de que nenhum outro código estrangeiro influenciou os legisladores constituintes na formação do remédio jurídico.

Esta forte divergência existente na seara doutrinatária corrobora, ainda mais, para a percepção da indispensabilidade de se tratar a matéria. Dito isto, tentar-se-á demonstrar, objetivamente, todas as correntes doutrinárias atuais sobre o tema, assim como suas respectivas fundamentações e conseqüentes refutações às teorias contrárias.

Fatores preponderantes à origem jurídica do mandado injuncional

Acredita-se que os direitos fundamentais lograram seu surgimento em meados do século XVIII, provenientes da Declaração de Independência Americana (1776) e, posteriormente, da Déclaration des Droits de I’Homme et du Citoyen1 (1789) francesa, terminando por se incorporar, no século XX, ao artigo primeiro da Declaração Universal dos Direitos do Homem da ONU, de 1948: “Todos os homens nascem livres e iguais em dignidade e direitos”. Entretanto, conforme ensina Nishiyama, apoiando-se nas lições de Rui Barbosa: “A existência de um direito não teria sentido se, ao mesmo tempo, não houvesse nenhum mecanismo para assegurá-lo”. Em síntese, uma norma jurídica não possui eficácia imediata, plena, se estiver desacompanhada de um preceito que lhe garanta sua realização. Estas normas necessitam da atividade do legislador ordinário para complementar-lhes o sentido, são as normas constitucionais não auto-aplicáveis.

Com a compreensão de que tais direitos são meramente declaratórios, os constituintes passaram a versar sobre a matéria confrontando-a com a necessidade de instituir novas técnicas de proteção e garantia dos direitos individuais. Desta feita, os remédios constitucionais apontaram juridicamente como forma de solução à limitação do exercício do poder público, por direitos pertencentes e inalienáveis ao homem, bem como meio garantidor contra o abuso de poder realizado freqüentemente pelos governantes.

Essencialmente com este intento os direitos e garantias fundamentais foram inseridos no ordenamento jurídico brasileiro, através da Carta Política Imperial de 1824, sob a luz das idéias liberais tão em voga à época. A referida Carta Constitucional reservou o seu Título VIII sobre o tema, denominado: “Das Disposições Gerais e Garantias dos Direitos Civis e Políticos dos Cidadãos Brasileiros”. Todavia, tal título não trouxe consigo o instituto do mandado de injunção. Somente com o passar dos tempos os writs foram surgindo nos diversos ordenamentos consagrados pelas constituições.

Carlos Augusto Alcântara Machado, em sua análise a respeito da gênese do mandado de injunção no direito vernáculo, afirma que tal ferramenta manifestou-se inicialmente através da Comissão Provisória de Estudos Constitucionais, instituída pelo ex-presidente José Sarney, antes mesmo de as discussões acontecerem no seio da Assembléia Nacional Constituinte de 1987-1988. A Comissão “Afonso Arinos”, assim como era conhecida, propôs uma medida judicial concreta para solucionar as omissões constitucionais: “Na falta ou omissão de lei prevista para discipliná-la [referência à Constituição], o juiz decidirá o caso, de modo a atingir os fins da norma constitucional”, haja vista que o desiderato do legislador constituinte era o de, se não resolver, amenizar a “Crise da Aplicabilidade” existente nas constituições pretéritas.

Contudo, há um relativo reconhecimento de que coube ao senador Virgílio Távora, em parceria com o deputado Carlos Virgílio, sob a Sugestão Constituinte 155-42, a proposta originária do mandado de injunção, com a seguinte redação: “Sempre que se caracterizar a inconstitucionalidade por omissão, conceder-se-á ‘mandado de injunção’, observado o rito processual estabelecido para o mandado de segurança”.


Foi com este propósito, o de buscar a concretização do “princípio da interpretação efetiva”, ou, ainda, do “princípio da eficiência” que despontou o mandado de injunção como remédio constitucional no direito pátrio, conforme prevê a Carta Magna de 1988 em seu artigo 5º, LXXI: “Conceder-se-á mandado de injunção sempre que a falta de norma regulamentadora torne inviável o exercício dos direitos e liberdades constitucionais e das prerrogativas inerentes à nacionalidade, à soberania e à cidadania”.

Mandado de Injunção sob o prisma do direito comparado

É tema recorrente na doutrina a acalorada discussão jurídica sobre a origem do mandado de injunção à ótica do direito alienígena. Sua origem história não é muito evidente e, buscar subsídios no direito estrangeiro para adquirir este conhecimento significa melhor compreender o seu papel no sistema jurídico brasileiro. Segundo o jurista Willis Santiago Guerra Filho, o trabalho de comparação requer precipuamente a consciência dos problemas que as normas e institutos comparados objetivam resolver, para que se possa estabelecer algum paralelo entre eles.

A tese de que a ação constitucional da Carta Política de 1988 (artigo 5º, LXXI) seria uma derivação e um conseqüente aperfeiçoamento do Juízo de Equidade inglês, tendo passado, em seguida, ao direito norte-americano, encontrou alicerce na doutrina e tornou-se, assim, a corrente majoritária e consagradora. Nesse sentido, ensina-nos o eminente constitucionalista José Afonso da Silva que “o mandado de injunção é um instituto que se originou na Inglaterra, no século XIV, como essencial remédio da EQUITY”. Posta a questão nesses trilhos, o notável Celso Agrícola Barbi escreve: “naquele direito (anglo-americano) o instituto da injunction desempenha um grande papel, quer nos litígios entre particulares, quer em matéria constitucional, à qual se estendeu com o passar dos anos”.

Em oposição à teoria dominante, vêm a calhar, neste ponto, a observação de que a ação do writ of injunction trata-se de medida que impõe um não-fazer, razão pela qual não pode ser encarado como inspiração do mandado de injunção, cujo objetivo é o exercício de um direito. O administrativista Hely Lopes Meirelles, ao observar que o writ of injunction presta-se a solucionar questões de direito público e privado, assim se posiciona: “O nosso mandado de injunção não é o mesmo writ dos ingleses e norte-americanos, assemelhando-se apenas na denominação”. Para Figueiredo, a “injunção” inglesa e norte-americana parece-se mais com nosso mandado de segurança, mas o jurista concorda que o mandado de injunção previsto na Magna Carta brasileira é similar ao writ of injunction em alguns aspectos.

Há quem sustente, assim como o consagrado mestre e doutor alagoano Walber de Moura Agra, que nossos parlamentares foram buscar no direito português a inspiração necessária para a formação do instrumento garantidor da norma regulamentadora. Tal especulação emergiu após a análise da Sugestão 156-23, proposta pelos parlamentares Virgílio Távora e Carlos Virgílio, no qual verificou-se que os mesmos mencionaram expressamente o instituto do artigo 283º/2 da Constituição Portuguesa, que determina: “Quando o Tribunal Constitucional verificar a existência de inconstitucionalidade por omissão, dará disso conhecimento ao órgão legislativo competente.” Contudo, verifica-se que tal norma representa, na realidade, a nossa Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão, não tendo assim qualquer embaraço com o mandado de injunção.

A matéria, todavia, não poderia ser decidida de maneira tão simplista. Do alto de sua competência, Paulo Napoleão Nogueira Silva nos apresenta com a proficiência de um mestre que o mandado de injunção aponta sua semelhança com o direito processual alemão. É a chamada Verfassungsbeschwerde, definido pela Corte Constitucional germânica como4: “Se o tribunal não observa os parâmetros fixados na Lei Fundamental, então ele acaba por ferir a norma fundamental que deixou de observar; nesse caso, o julgado deve ser cassado no processo de recurso constitucional”.

Mantendo idêntico entendimento, Carlos Augusto Alcântara Machado aduz que o instituto alemão é empregado nas circunstâncias em que “o Tribunal Constitucional decide sobre a pretensão de ter sido o cidadão prejudicado pelo poder público em seus direitos fundamentais ou em direitos constitucionais, desde que não haja meio processual ordinário de proteção”.

Sustenta-se, por fim, através dos não menos ilustres juristas Ulderico Pires dos Santos e Aricê Moacyr Amaral Santos, que a origem de nosso mandado de injunção adveio do direito francês ou italiano, respectivamente. Porém, tanto a figura da injonction do direito francês, quanto o instrumento da ingiunzione do direito italiano não encontram similaridade com o instituto concebido pelo constituinte pátrio, a não ser no nomen juris.


Claro está, portanto, face aos argumentos delineados supra, que a questão é extremamente polêmica. Embora os institutos tenham pontos em comum com o mandado de injunção, sua formação em nada se assemelha com os writs alienígenas. Conforme preleciona Machado: “os writs do direito anglo-americano, as experiências italiana, francesa, alemã e mesmo portuguesa, cremos, fornecem subsídios valiosos, com fins ao aperfeiçoamento e à recriação de um instrumento processual novo”.

Nada obstante, e, em complemento a essa idéia, é igualmente pertinente mantermos sempre presente a lição de Celso Ribeiro Bastos, que estabelecera que o mandado de injunção não tem precedentes no direito nacional ou estrangeiro, e afirma que: “a confrontação que se possa fazer com a injunction do direito americano só leva à conclusão da absoluta singularidade do instituto pátrio”. Compactuando da mesma opinião, Ferreira Filho entende que não se consegue identificar no direito comparado a fonte de inspiração do legislador constituinte, embora medidas com o mesmo nome possam ser encontradas no direito inglês, italiano ou francês.

Considerações finais

Apesar do Mandado de Injunção, assim como o Habeas Data e o Mandado de Segurança coletivo, ser um mecanismo novo a serviço da República Federativa do Brasil, tal instituto fora delineado paulatinamente pelas constituições pretéritas, haja vista o antigo anseio do constituinte em exaurir todas as omissões normativas existentes.

No entanto, foi com base no crescimento de insurgência social contra o evidente desleixo do legislador ordinário que fez com que o legislador constituinte outorga-se a todas as pessoas físicas ou jurídicas, nacionais ou estrangeiras, a garantia constitucional do mandado de injunção. Dando-lhes o direito de exigir, por vias judiciais, a norma regulamentadora necessária para usufruírem de seus direitos e liberdades fundamentais, assim como das prerrogativas inerentes à nacionalidade, à soberania e à cidadania.

No que concerne a influência do direito comparado para com a origem da garantia constitucional do Mandado de Injunção, parece-nos que a melhor interpretação jurídica é aquela em que cabe apenas à doutrina e a jurisprudência a fixação dos contornos e objetivos práticos desse essencial e necessário instrumento constitucional. Contudo, podemos afirmar que, no máximo, os legisladores constituintes da Carta Mater de 1988 inspiraram-se sim em institutos alienígenas, entretanto, sem haver um real e concreto “transplante jurídico”.

Notas de rodapé:

1. Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão.

2. Diário da Assembléia Nacional Constituinte, de 27-4-87 – Suplemento 51, p. 99.

3. Diário da Assembléia Nacional Constituinte, de 29-4-87 – Suplemento 51, p. 100.

4. Conforme a Casa Civil da Presidência da República em nota SAJ/SAG 311/06, de 15 de setembro de 2006.

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