Consultor Jurídico

Pena inferior a dois anos tem de ser suspensa

15 de outubro de 2008, 15h47

Por Helder B. Paulo de Oliveira

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Há poucos dias estava no cartório de execução penal da comarca de Campinas e conversava com um advogado cujo cliente fora condenado por receptação simples à pena de 1 ano e 8 meses de reclusão. Ele pedira o livramento condicional e o Ministério Público opinara pelo improvimento devido à quantidade da pena fixada.

De fato a reforma penal de 1984 combinava os institutos do sursis e do livramento condicional: aquele para sentenças condenatórias até dois anos, recordando-se o sursis etário e humanitário cujas condenações alcançam até quatro anos. O livramento, para sentenças superiores a dois anos.

O aumento da incidência das penas restritivas de direitos que passaram para condenações até quatro anos para os crimes dolosos e qualquer pena em caso de culposos, esvaziou o sursis que ficou incorporado para situações de condutas perpetradas mediante violência contra a pessoa, na forma tentada.

A Lei 11.343/06 tolhe para os crimes previstos nos artigos 33 caput 1º, e 34 a 37 “a fiança, o sursis, graça, indulto, anistia e liberdade provisória, vedada a conversão de suas penas em restritivas de direitos”. Menciona para os referidos delitos a possibilidade de obter-se o livramento condicional “após o cumprimento de dois terços da pena, vedada sua concessão ao reincidente específico”.

É de conhecimento geral que tais restrições não atingem delitos perpetrados na vigência da Lei 6.368/76. Entretanto, para o condenado “que colaborar voluntariamente com a investigação policial e o processo criminal na identificação dos demais co-autores ou partícipes do crime e na recuperação total ou parcial do produto do crime, a pena é reduzida de um terço a dois terços”.

Para o agente “primário, de bons antecedentes, que não se dedique às atividades criminosas, nem integre organização criminosa, pena será reduzida de 1/6 a 2/3, vedada a conversão em pena restritiva de direitos”.

Finalmente, “o condenado que colaborar voluntariamente com a investigação policial e o processo criminal na identificação dos demais co-autores ou partícipes do crime e na recuperação total ou parcial do produto do crime, terá pena reduzida de um terço a dois terços”.

A fim de não tornar a leitura cansativa, fixemos a hipótese do artigo 33 caput e parágrafo 1°, c/c o parágrafo 4°: sujeito primário, bons antecedentes, comerciante eventual da mercancia ilícita não integrante de organização criminosa, com pequena quantidade de entorpecente apreendido.

De fato, para a Lei 11.343/06 a natureza e a quantidade da substância ou produto apreendido é circunstância judicial preponderante àquelas previstas pelo artigo 59 do estatuto repressivo penal para a aplicação da pena.

Em nosso exemplo hipotético a pena é de ser fixada em cinco anos de reclusão. Todas as circunstâncias favoráveis vemos a reprimenda diminuída em 2/3, o que equivale 1 ano e 8 meses de pena final. Essa pena não pode ser substituída por restritiva de direitos e não permite, por óbvio, o livramento condicional: o que sobra então? Sim, de fato, é ele novamente: o sursis!

O sursis pressupõe pena abaixo de dois anos, e que não seja cabível a substituição por restritiva de direitos dentre outros requisitos subjetivos e objetivos previstos pelo artigo 77 do Código. Não, ainda não é caso de internar-se o prepotente articulista. “Interpretar é buscar o alcance e o significado da norma”. Dentre as formas de interpretação, quanto à origem, a doutrina explica que pode ser autêntica, doutrinária e jurisprudencial, sendo que “autêntica é dada pela própria lei, a qual em um de seus dispositivos esclarece determinado assunto”1.

A interpretação que se mostra evidente do artigo 33 parágrafo 4º da Lei 11.343/06 é que para o negociante eventual se proíbe a “conversão da pena em restritiva de direitos”, mas nada se fala a respeito do “sursis” embora o “sursis” seja mencionado juntamente com a impossibilidade da conversão pelo artigo 44 “caput” que faz menção para o artigo 33 parágrafo 1º nada dizendo do 33 parágrafo 4º.

“A lei não tem palavras inúteis”’. Quisesse o legislador impedir para o negociante eventual a possibilidade do “sursis” o faria expressamente , como o fez com as restritivas de direitos, já que um e outro estão dentre os impedimentos do referido artigo 44 “caput”. Logo, as restritivas não cabem para qualquer caso da Lei 11.343/06. O sursis é viável para o negociante eventual, o semi-imputável e o beneficiado com delação premiada, se as penas resultarem inferiores a dois anos. Pena superior a isso, livramento condicional.

A propósito, antes que se fale de laxismo, convém recordar a exposição de motivos do Código, item 65:

“Tais condições transformaram a suspensão condicional em solução mais severa do que as penas restritivas de direitos, criando-se para o juiz mais esta alternativa à pena privativa de liberdade não superior a doi) anos.Os condenados ficam sujeitos a regime de prova mais exigente, pois além das condições até agora impostas deverão cumprir,ainda, as de prestação de serviços à comunidade,bem como condições outras especificadas na sentença ‘adequadas ao fato e à situação pessoal do condenado’( artigos 46, 48,78 parágrafo 1º e 79º)”.

Assim, a pergunta que deveria ter sido feita para o nobre colega encontrado nos corredores do fórum seria simplesmente: “mas, não cabia o “sursis’”?

Nota de rodapé:

1- Gonçalves, Victor Eduardo Rios. Direito Penal, parte geral, Saraiva, 1999, página 6.