Represa Billings

Lei de proteção aos mananciais de São Paulo está atrasada

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14 de outubro de 2008, 12h42

A lei que trata sobre a Nova Política de Proteção aos Mananciais do Estado de São Paulo (Lei 9.866/97) está bem atrasada. Afinal, as inúmeras tentativas no sentido de substituir a legislação de uso e ocupação do solo existente na região metropolitana por uma mais adequada e eficiente para garantir a efetiva proteção aos mananciais perdurou por quase duas décadas.

As leis anteriores, como todos sabem, durante seus vários anos de vigência, não tiveram instrumentos de gestão suficientes que dessem ao estado condições de garantir a aplicação da lei de forma eficiente, e não há nenhuma necessidade de provar isto, basta a olho nu, verificar as margens dos reservatórios.

Constata-se que as ocupações, especialmente nas bacias Guarapiranga e Billings, deu-se de forma distinta daquela prevista na lei. São diversas as ocupações irregulares, invasões, loteamentos clandestinos, etc.

A Política de Proteção e Recuperação dos Mananciais de Interesse Regional do Estado de São Paulo (Lei 9.866/97) tem de gerir os mananciais adotando a Bacia Hidrográfica como uma unidade de planejamento e gestão. Quando falamos em água, a única base de gestão aceitável é a Bacia Hidrográfica, descentralizando as ações, criando as Áreas de Proteção e Recuperação dos Mananciais, o que propiciará sejam consideradas as especificidades regionais, para uma gestão mais eficiente e adequada, totalmente vinculada ao Sistema Estadual de Recursos Hídricos, a Lei 7.663/1991.

Se por um lado urge que a gestão seja descentralizada, por outro, necessita ser participativa. Só com a total integração e o envolvimento do poder local será possível alcançar resultados positivos. Portanto, não se pode ter como parâmetro legal atualmente as “leis velhas” 898/75 e 1.172/76. A forma de gestão proposta, que está calcada numa nova cultura para a proteção dos mananciais, prevê participação paritária entre estado, município e sociedade civil.

Esta lei em vigor, Lei 9.866/97, em lugar de uma lei estadual de uso e ocupação do solo que traga um zoneamento que desconsidere as realidades locais, prevê Áreas de Intervenção onde deverão ocorrer ações de recuperação das áreas degradadas em decorrência de ocupações predatórias, bem como ações indutoras de usos e atividades compatíveis com a recuperação de mananciais.

As leis anteriores não conseguiram impedir a ocupação predatória e a conseqüente deterioração da qualidade dos mananciais da grande São Paulo, além disso, grandes mudanças ocorreram no campo jurídico com o advento da Constituição de 1988, impondo-se a reformulação da legislação ambiental, através de novos instrumentos legais, onde podemos citar o Estatuto da Cidade e conseqüentemente o Plano Diretor.

Podemos citar como exemplo o município de Ribeirão Pires, que tem 100% de área inserida em Proteção aos Mananciais. Seus 107km² estão dentro da área protegida. Sua ocupação, mesmo antes da de Lei de Proteção dos Mananciais em 1975, já tinha de maneira bastante intensiva processo de ocupação, não havendo com a promulgação da referida lei nova, mas já velha — a Lei 9.866/97, a esperada mudança no quadro de ocupação destas áreas nem o desejado isolamento dos corpos d’água.

Assim todos os empreendimentos, inclusive residencial, a serem implantados nestas áreas urbanas devem obedecer ao que dispõe a lei, desde que implementadas as Áreas de Proteção e Recuperação dos Mananciais e seus respectivos Planos de Desenvolvimento e Proteção Ambiental, mas principalmente e primordialmente, as leis do município de sua localização.

Mas seria necessária mais uma lei para que o município se adequasse aos mandamentos constitucionais ambientais, em função do que estabelece o artigo 182 da Constituição Federal, que deve ser interpretado à luz do artigo 225 do mesmo diploma? Entendo que se fossem construídos à luz do que determina a lei, não.

Diz o artigo 182 da Constituição Federal de 1988: A política de desenvolvimento urbano, executada pelo poder público municipal, conforme diretrizes gerais fixadas em lei, tem por objetivo ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e garantir o bem-estar de seus habitantes. Referido artigo foi regulamentado através da Lei 10.257/2001, denominada de Estatuto da Cidade, que inclui em seus ordenamentos o Plano Diretor.

O Estatuto da Cidade foi uma conquista social que abriu caminhos para o enfrentamento da profunda crise urbana e habitacional do país. Dada a heterogeneidade de realidades locais, os princípios gerais da política urbana devem ser traduzidos em leis municipais — os Planos Diretores Municipais.

Espera-se desses Planos Diretores que, em cada contexto local, promovam a materialização das quatro dimensões da lei federal, quais sejam: determinação de critérios para cumprimento da função socioambiental da propriedade (condição mesmo para o reconhecimento do direito de propriedade privada) na forma de uma proposta de ordenamento territorial e de uso, ocupação e desenvolvimento do solo que expresse um “projeto de cidade”; identificação dos instrumentos urbanísticos a serem utilizados para alcançar tal projeto de cidade; criação de mecanismos locais de regularização de assentamentos informais e regulamentação dos processos municipais de gestão urbana participativa.

Com todos estes elementos em mãos, os municípios brasileiros passam a contar com um instrumento jurídico de extrema importância na busca de uma cidade sustentável e totalmente preconizados pela Constituição Federal de 1988, em seus artigos 182, 185 e 225, visando ordenar a cidade em proveito da dignidade da pessoa humana.

Com o advento do Estatuto da Cidade e, conseqüentemente, do Plano Diretor não resta dúvida que será por meio dos instrumentos de política urbana lá criados, que o direito à terra urbana, à moradia, ao saneamento ambiental, à infra-estrutura urbana, ao transporte, aos serviços públicos, ao trabalho, ao lazer e à segurança poderão de fato serem estabelecidos. É o principal instrumento para que cada cidade possa organizar seu desenvolvimento sustentado em face não só de suas necessidades, mas particularmente de suas possibilidades.

O Plano Diretor é projetado diante do diagnóstico dos problemas existentes na cidade, considerando os fatores ambientais, sociais, culturais e econômicos.

Foi com o advento da Lei 10.257/2001 que acrescentou-se à Lei da Ação Civil Publica o seu artigo 4°, tratando da ordem urbanística. Com isso, ao se considerar a ordem urbanística como bem de natureza difusa ficou superada qualquer discussão a respeito de se considerar as cidades de natureza de bens ambientais.

O poder público deve garantir o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade, que somente será atingido quando cumprir as normas previstas nos artigos 5° e 6° da Constituição Federal. Isto significa que a função social da cidade só é alcançada quanto esta proporciona aos seus habitantes o direito à vida, à segurança, a propriedade, à igualdade, bem como garante a todos os direitos previstos no artigo 6° da Constituição Federal, compreendidos pelos direitos sociais à educação, à saúde, ao lazer, ao trabalho, à previdência social, à maternidade, à infância e à assistência aos desamparados.

O responsável pelo gerenciamento das cidades, o prefeito, deverá através do Plano Diretor intervir nas propriedades urbanas, definindo as funções sociais que estas devem atender, pois a sua utilização deve atender funções sociais. Ou seja, a função social da propriedade será alcançada quando o bem atender às exigências fundamentais de ordenação da cidade expressas no plano diretor, conforme previsão constitucional contida no artigo 182, parágrafo 2°.

Referido artigo autoriza o poder publico municipal a adotar medidas que visem o adequado aproveitamento da propriedade urbana, com o objetivo de atender às finalidades ambientais.

O poder público municipal, mesmo em áreas de mananciais, pode realizar um melhor aproveitamento do meio ambiente artificial da cidade, impedindo a ampliação do direito de construir ou alteração do uso do solo em determinadas regiões já muito adensadas. Por outro lado, ampliando sua possibilidade de conservação em outras, verificando em cada situação a infra-estrutura disponível para o atendimento da sustentabilidade da cidade.

Tudo previsto constitucionalmente e sem necessidade de qualquer norma posterior ao Estatuto da Cidade e, conseqüentemente, aos Planos Diretores de cada município.

É importante frisar, que antes do advento da Constituição Federal de 1988, a Lei 6.938/1981 — Da Política Nacional de Meio Ambiente (art. 6º), já havia previsto o município como órgão integrante do Sistema Nacional de Meio Ambiente, responsável pela proteção e melhoria da qualidade ambiental, competindo-lhe elaborar normas nas áreas de sua jurisdição. No Artigo 17-L da norma referida, fica clara a competência para expedir o licenciamento:

“As ações de licenciamento, registro, autorizações, concessões e permissões relacionadas à fauna, e à flora, e ao controle ambiental são de competência exclusiva dos órgãos integrantes do Sistema Nacional de Meio Ambiente.” (O município é órgão integrante do SISNAMA — art. 6º).

Defendo que o Plano Diretor é o Estatuto Concreto de cada cidade. É o instrumento básico de política de desenvolvimento urbano de cada município, porque se destina à aplicação dos direitos materiais do Estatuto da Cidade, e conforme já destacado inclui os bens ambientais, sejam naturais ou artificiais.

A Lei Especifica da Billings vem de certa forma acrescentar àqueles municípios que ainda não conseguiram se adequar ao Estatuto da Cidade, ou mesmo aqueles municípios que tiveram seus planos diretores suspensos por medida judicial. Assim, diante de um arcabouço legal conturbado e interpretações diversas, melhor que se some ao direito positivo existente uma norma que no mínimo teve a participação de todos: sociedade civil, estado e municípios.

As Leis 898/1975 e 1.172/76, além de não ter obtido a eficácia para impedir as ocupações de forma inadequada aos seus mandamentos, por outro lado, sofreram Ação Direta de Inconstitucionalidade, obtendo ao final a declaração face a conflitos de competência, tendo em vista que a lei citada adentrou o campo do uso das águas, e, tendo em vista que os reservatórios Billings e Guarapiranga são vinculados aos serviços públicos de produção de energia elétrica, da competência constitucional da União e sobre os quais à mesma compete legislar, ao Estado é vedado estabelecer condições de uso das águas de tais reservatórios, assim aprovar previamente os projetos e a execução de edificações e obras ali, ou determinar o seu embargo ou demolição.

O importante é destacar que leis não têm como objetivo trazer insegurança às pessoas, embora às vezes tenham sua elaboração emergente e vigência imediata. Não é o caso da lei específica da Billings, são 10 anos de discussão e ainda assim é necessário ser votada pelos deputados estaduais, na Assembléia Legislativa, para onde foi encaminhada e onde temos nossos representantes. É primordial que neste momento, todos aqueles que de alguma maneira, julguem estarem na iminência de serem prejudicados pela aprovação da norma, procurem seus representantes e exerçam seus direitos de cidadão.

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