Relações públicas

Para ser juiz em MS, é preciso conhecer dez autoridades

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14 de outubro de 2008, 19h41

Quem não conhece dez autoridades que possam dar referências a seu favor vai ter dificuldades para se tornar juiz em Mato Grosso do Sul. O edital do concurso que está em andamento obriga o candidato a indicar, “no mínimo, dez autoridades, sendo cinco judiciárias”, com endereço atualizado, para dar informações sobre ele.

Deixar de cumprir a exigência é motivo suficiente para nem fazer a segunda etapa do processo seletivo, mesmo com a aprovação na primeira fase. “Quem não conhece autoridades não pode ser juiz”, considera o desembargador Ildeu de Souza Campos, vice-presidente do Tribunal de Justiça de Mato Grosso do Sul, em entrevista à revista Consultor Jurídico. Ele é o presidente da comissão organizadora do concurso.

O desembargador argumenta que o período de prática forense de três anos, como previu a Reforma do Judiciário, é tempo suficiente para os candidatos conhecerem autoridades da magistratura e do Ministério Público que possam dizer quem são eles. “Somente queremos informações sobre a vida pregressa dos candidatos. Essas autoridades poderão informar se eles agiram corretamente no processo ou se tiveram alguma atitude estranha”, explica o desembargador. Campos lembra que também cumpriu a exigência, que existe desde o primeiro concurso para juiz em Mato Grosso do Sul, em 1979, e “nunca foi questionada”.

Há saída, no entanto, para o candidato que não conhece tais autoridades, segundo explica o presidente da Associação dos Magistrados do Brasil (AMB), Mozart Valadares, e o professor Damásio de Jesus, presidente do Complexo Jurídico Damásio de Jesus. Eles afirmam que é possível pedir Mandado de Segurança para contestar a exigência se o candidato não conhecer as tais dez autoridades. Damásio considera que a obrigatoriedade é “ilegal, absurda e ridícula” até mesmo porque a Lei Orgânica da Magistratura (Loman) não prevê o número de autoridades que devem ser indicadas em um concurso de juiz.

A advogada Fabiana Conti Della Manna, mestre em Direito Constitucional pela PUC de São Paulo, diz que a exigência é inconstitucional porque “apresenta um traço diferencial que não existe nos próprios candidatos, mas sim decorrente de relacionamento com terceiros”. Para ela, “isso pode gerar favoritismos e discriminação, em ofensa ao princípio da isonomia”.

O presidente da AMB lembra que, normalmente, alguns editais de concurso para juiz exigem o atestado de idoneidade fornecido por três autoridades, número “mais que suficiente”. Ele afirma que é quase impossível encontrar um candidato, com prática forense de três anos, que não conheça ao menos três autoridades que possam dar referências a seu respeito. Mas, diz Mozart, pedir para listar dez autoridades é um “exagero”. Teve candidato, aprovado na primeira fase em Mato Grosso do Sul, que saiu a captura de autoridades que pudessem falar a seu respeito mesmo que mal o conhecessem. Houve autoridade que topou.

De acordo com o presidente da AMB, essa parece ser uma fórmula para criar dificuldades a candidatos de outros estados. “Uma pessoa que mora em um estado pequeno como Mato Grosso do Sul terá mais facilidade de apresentar a lista com as dez autoridades do que outra que reside em São Paulo. Muitos juízes de São Paulo, por exemplo, se recusariam a fornecer informações com quem convive apenas nos cartórios”, compara Mozart, que quando fez concurso em Pernambuco, em 1989, teve de indicar apenas três autoridades para dar informações a seu respeito.

Fase investigativa

Nos concursos de juízes, são exigidas certidões negativas para detectar se o candidato responde algum processo na área cível e criminal, além de outros requisitos. E, no caso de Mato Grosso do Sul, ainda tem a lista das dez autoridades. Mas nem sempre todas as exigências são suficientes para atestar a idoneidade de um aspirante a juiz.

O desembargador Ildeu de Souza Campos contou que, há dois anos, um juiz foi exonerado do cargo pelo Pleno do TJ-MS porque respondia processo criminal no Rio Grande do Sul. O caso apenas foi descoberto porque a primeira instância gaúcha mandou carta precatória para ele ser ouvido em Mato Grosso do Sul. O TJ, então, abriu processo administrativo e ele saiu do cargo. “As autoridades que ele indicou presumivelmente sabiam do fato e não avisaram a banca”, reconhece o desembargador.

Campos lembra que, antes da prova oral, a Corregedoria do TJ-MS manda um juiz auxiliar investigar a vida do candidato na cidade onde ele mora ou onde passou os últimos cinco anos. A investigação, segundo ele, é feita no cartório de protestos, cartório de distribuição do fórum e até com oficiais de Justiça. Antes disso, o tribunal já obteve as informações das 10 autoridades por ofícios. “Quanto mais autoridades forem indicadas, melhor. O cargo de juiz é público. Se o candidato for portador de qualquer conduta ruim, não pode ser admitido”, ressalta.

A conduta é o foco na fase investigativa. O advogado constitucionalista e tributarista Ives Gandra já participou de três bancas examinadoras para magistratura — duas federais e uma estadual. “A nossa grande preocupação, além do conhecimento técnico, é com o perfil do magistrado. Se houver um elemento desonesto e não pudermos detectar, será uma mácula para a instituição, em face da vitaliciedade que conquistará em dois anos.”

Clique aqui para ler o edital.

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