Atos imperfeitos

Partes têm direito de saber antes regras do processo legal

Autor

  • Bruno da Costa Aronne

    Bruno da Costa Aronne é advogado do escritório Campos Mello Pontes Vinci Schiller Advogados mestrando em Direito Processual na UERJ e membro do Instituto Brasileiro de Direito Eletrônico.

13 de outubro de 2008, 20h13

1. Introdução

Um dos escopos do devido processo legal é a prévia regulamentação dos procedimentos, para que o processo seja previsível e ordenado. As partes têm o direito de saber, antes que o conflito deságüe no Poder Judiciário[1], quais serão as regras da disputa. Essa concepção de ordem e previsibilidade dos procedimentos impõe uma primeira interpretação no sentido de que qualquer ato processual, que não esteja de acordo com a forma prevista em lei, sofre de vício insanável, por violar o princípio do devido processo legal. Com efeito, a observância ao procedimento previsto na lei é garantia inafastável dos jurisdicionados, na medida em que assegura tratamento isonômico às partes[2] e evita arbitrariedades. Segundo Calmon de Passos, “as formas processuais tutelam as partes, ora assegurando-as contra o arbítrio judicial, ora contra os abusos do adversário, bem como tutelam o exercício do poder-dever-jurisdicional do Estado”[3].

Todavia, existem situações em que a prática do ato processual desconforme ao modelo imposto pela lei não acarreta a sua invalidade. Quando o ato processual formalmente imperfeito atinge sua finalidade, sem causar qualquer prejuízo a alguma das partes, é possível mitigar o rigor formal, validando o ato, sem que seja violado o princípio do devido processo legal[4]. Como assenta Arruda Alvim, “existe, efetivamente, forte tendência, que no âmbito legal, quer no jurisprudencial, no sentido de que os atos sejam conservados, de que não se decrete nulidade[5], até porque o processo não é um fim em si mesmo. A característica autônoma do processo, com apego excessivo à formalidade, foi relativizada e deu lugar à instrumentalidade[6].

Desse modo, o respeito à forma ainda é necessário, mas nem sempre a imperfeição do ato vai operar a sua invalidade[7]. Isto é, a marcha processual deve obedecer à lei, em respeito ao princípio do devido processo legal, mas a flexibilização do tratamento às imperfeições dos atos também deve ser adotada, para garantir velocidade e efetividade à tutela do direito material[8].

Logo, a possibilidade de validação de atos imperfeitos não deve ser tratada como uma exceção ao devido processo legal, mas, sim, como um mecanismo de apoio a esse princípio, na medida em que compatibiliza o formalismo com os escopos do processo, quais sejam, a tutela do direito pleiteado na ação judicial, em tempo razoável, a integridade do ordenamento jurídico e, enfim, a pacificação social.

Com relação a essa compatibilização entre o devido processo legal e o sistema das nulidades processuais, Leonardo Greco observa que:

“o regime moderno das invalidades deve encontrar o ponto de equilíbrio entre a preservação das formas, como garantia do devido processo legal, e a liberdade das formas como pressuposto da instrumentalidade do processo e da efetividade da tutela jurisdicional dos direitos”[9].


O Código de Processo Civil buscou esse ponto de equilíbrio, dedicando um capítulo exclusivo às nulidades. Para isso, conta com um sistema que determina o grau de imperfeição do ato, orientando a conseqüência jurídica a ser aplicada, e ainda abarca princípios específicos.

2. O Sistema das nulidades processuais

O interesse primordial do sistema das nulidades processuais é o de validar atos defeituosos, para salvar o processo e permitir o cumprimento de sua função no ordenamento jurídico[10]. Ocorre que, em determinados casos, o vício é tão grave, que o único efeito possível é a nulificação do ato. Calmon de Passos[11] ressalta que a imperfeição do ato só deve gerar sua invalidação quando o defeito é relevante. Por tal razão, existem critérios definidores do nível de gravidade do ato defeituoso. Vicente Greco Filho[12] explica que:

“As violações de forma, porém, comportam gradação quanto à gravidade, porque a lei, prescrevendo modelos, pode ora considerar alguns de seus requisitos como essenciais, ora úteis, ora apenas recomendáveis. Por outro lado, em certas ocasiões o requisito do ato e da norma visa a proteger o interesse público, em outras o interesse das partes ou de uma delas somente”.

A doutrina processualista apresenta diferentes rols de gradação da gravidade do defeito do ato. Alexandre Freitas Câmara propõe a divisão em atos ineficazes, inexistentes e inválidos[13]. Já Leonardo Greco os divide em inexistentes, absolutamente nulos, relativamente nulos, anuláveis, meramente irregulares e, por fim, dotados de erro material[14]. Calmon de Passos[15], em inválidos, que equivaleriam aos inexistentes, nulos e ineficazes. Humberto Dalla[16], em absolutamente nulos, relativamente nulos, anuláveis, ineficazes e inexistentes. Rui Portanova[17], em absolutamente nulos, relativamente nulos, anuláveis, inexistentes e irregulares.

A nulidade absoluta ocorre quando o vício viola norma que protege interesse público. Nesse caso, o vício é insanável e o juiz deve declarar a nulidade de ofício, a qualquer tempo e em qualquer grau de jurisdição, independentemente de provocação do interessado e de prejuízo. Leonardo Greco explica que, por ser violação de norma tutelar de interesse público e da distribuição da justiça, o prejuízo se presume em caráter absoluto[18]. Além disso, pode ser identificada a nulidade absoluta, quando a imperfeição atinge direitos e garantias constitucionais mínimas do devido processo legal, como o contraditório e a ampla defesa[19].

Com relação à nulidade relativa, como visa a proteger interesse da parte, só pode ser declarada mediante provocação da mesma[20], sob pena de convalescimento do ato (artigo 245 do Código de Processo Civil)[21]. Ou seja, no âmbito das nulidades relativas, o vício é sanável[22], o que demonstra o caráter instrumental do processo, voltado para a tentativa de convalidação dos defeitos, com o fito de atingir os escopos do processo. Quando é declarada a nulidade, o ato defeituoso e os atos subseqüentes dele dependentes devem ser repetidos, haja vista o efeito ex tunc da nulificação.


A anulabilidade ocorre quando o vício viola norma dispositiva. Nesse caso, o juiz deve aguardar a provocação da parte para declarar a anulação do ato, sendo que também existe a possibilidade de sanar o vício. Quando a anulabilidade é declarada, recebe, em tese, um tratamento diverso daquele conferido à nulidade, visto que o efeito aplicado é apenas ex nunc. Entretanto, na prática, o que ocorre é a aplicação do efeito ex tunc, uma vez que a anulação de um ato se estende aos atos subseqüentes dele dependentes (artigo 248 do Código de Processo Civil).

Por tal razão, Leonardo Greco entende que não existe ato processual anulável, salvo na hipótese de sentença de mérito transitada em julgado sujeita a ação rescisória, a qual produz plenamente seus efeitos até que seja desconstituída com eficácia ex nunc.

Os atos processuais possuem requisitos necessários e úteis. Quando faltam os elementos necessários, os atos podem conter nulidade, anulabilidade ou serem considerados inexistentes. Todavia, quando faltam apenas elementos úteis, os atos são considerados irregulares[23].

Segundo Leonardo Greco, “a irregularidade é a ausência de um requisito útil, que o juiz mandará suprir de ofício a qualquer tempo, se corrigível, mas que, vindo a perdurar até o esgotamento do processo perante o órgão competente, estará definitivamente convalidada” [24]. O descumprimento dos prazos pelo juiz[25] ou a falta de numeração das folhas dos autos[26] são exemplos de meras irregularidades, que não provocam a ineficácia do ato ou da relação processual.

O erro material é um defeito meramente extrínseco do ato, que pode ser corrigido pela parte que lhe deu causa, mesmo depois de encerrado o processo. Para que o defeito seja considerado erro material, é necessário que o vício encontre-se somente na confecção do ato e que não haja dúvida quanto ao seu conteúdo. Como exemplo de erro material, pode ser mencionada a situação em que há erro aritmético de inclusão de um zero a mais na totalização de uma série de parcelas[27].

A doutrina, em geral, conceitua o ato processual inexistente como aquele que carece de elemento constitutivo mínimo[28]. Parte da doutrina o qualifica como “não-ato”. E ainda há entendimento no sentido de que não existe a categoria do ato inexistente, eis que o ato carecedor de elemento essencial à sua constituição seria eivado de nulidade absoluta.

“Apimentando” as divergências, o artigo 37, parágrafo único, do Código de Processo Civil admite expressamente a inexistência do ato processual, quando o advogado não junta a procuração pela qual protestou, para atuar no processo. Existem processualistas, como, por exemplo, Ernane Fidélis Dos Santos, que entendem que a prova da adoção do ato inexistente no sistema das nulidades encontra-se nesse dispositivo[29]. Por outro lado, Roque Komatsu[30] entende que não pode ser considerado inexistente um ato que pode ser ratificado. Para ele, se, nessa hipótese do artigo 37, o advogado não juntar a procuração, então, é um caso de ineficácia[31].


Com efeito, existe muita controvérsia a respeito dos atos inexistentes. Até porque se o ato, ainda que não tenha um requisito essencial, opera a prática de atividade subseqüente, ele não pode ser “simplesmente ignorado por inexistência”[32]. Afinal, há situações em que atos, em tese, considerados inexistentes produzem efeito e ficam cobertos pela preclusão e pela coisa julgada. Nesse caso, ocorre a subsistência do ato.

Ademais, há casos em que se considera que o ato nem chega a ser produzido no processo, como, por exemplo, a sentença escrita e assinada pelo juiz, mas não entregue ao escrivão[33]. Diante dessas divergências doutrinárias, o mais seguro é declarar a nulidade absoluta do ato que não apresente requisito essencial à sua constituição, excluindo do sistema das nulidades a classe dos atos inexistentes. Afinal, se a invalidade pressupõe a ausência de um requisito exigido[34], a falta desse elemento constitutivo pode classificar o ato como nulo.

3. Os princípios ligados ao sistema das nulidades

Para diferenciar as situações que podem ensejar o aproveitamento de ato processual desconforme à lei, o Código de Processo Civil dedicou um capítulo exclusivo às nulidades (artigos 243/250). Nem todos os princípios que tratam dos atos imperfeitos, porém, são encontrados na mencionada parte do Código de Processo Civil. Isso porque o artigo 154 adota o princípio da liberdade de forma (ou princípio da informalidade), ao dispor que os atos e termos processuais não dependem de forma determinada senão quando a lei expressamente a exigir. Com efeito, se a lei processual não estabelece uma forma especial, o ato pode ser praticado livremente, de modo a garantir o alcance de sua finalidade.

A parte final do artigo 154 trata dos casos em que a forma determinada em lei não é cumprida. Esse dispositivo expressa que, mesmo que realizado de forma diversa da legal, o ato é reputado válido, se preencher sua finalidade essencial. Esta idéia também está inserta no artigo 244[35], que se encontra no aludido capítulo das nulidades, e compreende o princípio da finalidade[36]. Impende destacar que essa regra foi considerada a mais bela norma de direito processual, no IX Congresso Mundial de Direito Judiciário, realizado em Portugal, no ano de 1991. Esse princípio também é adotado no Código de Processo Penal, nas Consolidações das Leis Trabalhistas e em vários outros códigos processuais civis, como o argentino, o uruguaio e o italiano[37].

Outro princípio que permite o aproveitamento do ato em dissonância com a forma prevista no Código de Processo Civil é o do não-prejuízo (ou princípio do prejuízo), que é encontrado no teor do parágrafo primeiro do artigo 249, segundo o qual o ato não se repetirá nem se lhe suprirá a falta quando não prejudicar a parte. De acordo com Calmon de Passos, “o ato imperfeito, mesmo quando tal imperfeição haja sido sancionada expressamente com a conseqüência da nulidade, é ato eficaz, desde que a imperfeição não haja ocasionado prejuízo”[38].

Se conjugado o princípio da finalidade com o princípio do não-prejuízo, forma-se o princípio da instrumentalidade das formas, o qual preconiza que o alcance da finalidade do ato e a inexistência de prejuízo a qualquer das partes valida o ato defeituoso. Assim, evita-se que o andamento do processo seja estacionado, para discutir uma questão que nenhum proveito terá para o deslinde da controvérsia.


O princípio da instrumentalidade das formas não se aplica aos casos de nulidade absoluta[39], salvo no caso do parágrafo segundo do artigo 249, o qual expressa que, quando puder decidir do mérito a favor da parte a quem aproveite a declaração da nulidade, o juiz não a pronunciará nem mandará repetir o ato, ou suprir-lhe a falta. Nessa hipótese, a parte que, em regra, seria beneficiada pela nulificação do ato tem uma vantagem extremamente maior, quando o mérito é decidido desde logo a seu favor. Essa regra pode ser aplicada até mesmo em casos de nulidade absoluta[40]. Como exemplo, pode ser mencionada uma ação reivindicatória que deveria ser ajuizada contra um casal, mas em seu pólo passivo somente consta o marido. Nessa situação, despicienda torna-se a declaração de nulidade por falta de citação da consorte, quando o pedido é julgado improcedente. Tal sistemática pode ser comparada a uma partida de futebol, quando o juiz deixa de marcar uma “falta” e aplica a regra da “vantagem”, para que o jogo prossiga. Embora a “falta” seja uma conduta ilegal do oponente, o prosseguimento da partida é mais vantajoso para a equipe que sofreu a infração, pois o objetivo final — o gol — afigura-se mais próximo com a continuação do que com a paralisação do lance. Já no processo, à parte que não sofre qualquer prejuízo com o ato imperfeito do adversário não interessa discutir o defeito do ato, quando a vitória no caso mostra-se patente, independentemente da invalidação.

Outro princípio importante para a celeridade processual e para a continuidade do processo é o do aproveitamento, que também consta do capítulo das nulidades. O artigo 248 impõe que, anulado o ato, reputam-se de nenhum efeito todos os subseqüentes, que dele dependam. Todavia, esse dispositivo faz a ressalva de que a nulidade de uma parte do ato não prejudicará as outras, que dela sejam independentes. Na mesma trilha, o artigo 250 dispõe que o erro de forma do processo acarreta unicamente a anulação dos atos que não possam ser aproveitados, devendo praticar-se os que forem necessários, a fim de se observarem, quanto possível, as prescrições legais.

Alguns exemplos presentes no próprio Código de Processo Civil ilustram bem a ampla possibilidade de aplicação do princípio do aproveitamento. O artigo 219 aduz que, ainda que a citação seja ordenada por juiz incompetente, ela constitui em mora o devedor e interrompe a prescrição. De todo modo, situações não abarcadas pelo código também podem ser influenciadas por esse princípio, como numa audiência de instrução e julgamento em que são ouvidas várias testemunhas e descobre-se, posteriormente, que uma delas era impedida. Nessa hipótese, o juiz não vai anular todos os depoimentos, mas apenas o da pessoa impedida.

O artigo 248 trata, também, do princípio da causalidade[41], segundo o qual a nulidade de um ato viciado somente atinge os atos que dele dependam. Essa regra já era prevista no Decreto 737/1859 e no Código de Processo Civil de 1939. Ocorrendo uma hipótese do artigo 248, isto é, verificada a existência de atos subseqüentes ao anulado, deve o juiz, em função do que determina o artigo 249, declarar quais atos são atingidos por tal declaração. Segundo Vicente Greco Filho,

“Os atos processuais pertencem todos a uma unidade logicamente concatenada, que é o procedimento. Todavia, guardam sua individualidade, identificando-se perfeitamente uns dos outros. De outro lado, a seqüência legal impõe uma ordem e uma relação de interdependência entre certos atos. Daí, decretada a nulidade de um ato, também serão considerados sem nenhum efeito todos os subseqüentes que dele dependam (art. 248)[42].

Assim, a anulação do ato enseja a perda dos efeitos daqueles que dele são dependentes. Um exemplo interessante ocorre no caso de descoberta de elaboração de laudo pericial por perito impedido. Constatado o vício e a nulidade do laudo, a sentença e os demais atos dependentes e influenciados pela prova pericial perdem seus efeitos, fazendo com que o processo retorne ao ponto onde ocorreu o vício. Nesse caso, seria realizada nova perícia, com um perito diferente.


O artigo 245, ao determinar que a nulidade dos atos deve ser alegada na primeira oportunidade em que couber à parte falar nos autos, sob pena de preclusão, aborda o princípio da convalidação[43]. Importa comentar que o texto legal dá a entender que todos os tipos de nulidade têm prazo certo para serem alegados, sob risco de validação do ato viciado. Sucede que há casos em que a nulidade pode ser alegada em qualquer instância e até mesmo de ofício. São os casos já vistos acima em que a nulidade é absoluta e o vício, insanável. Destarte, o princípio da convalidação somente tem lugar em situações que versam sobre nulidades relativas, anulabilidades e irregularidades[44].

O artigo 243 versa sobre o princípio do interesse, o qual estabelece que a anulação do ato somente poderá ser requerida pela parte que não tiver dado causa à sua nulidade[45]. Assim, veda-se àquele que deu causa ao vício a alegação de existência do defeito, capaz de ensejar a nulidade. Cuida-se da máxima de que a ninguém é dado se beneficiar da própria torpeza[46]. Esse princípio tem relação direta com o da boa fé (princípio da lealdade), porque evita que a nulidade seja argüida por quem lhe deu causa. A propósito, com relação à boa fé, vale consignar que ela exige que o interessado alegue a nulidade na primeira oportunidade, sob pena de convalidação.

4. Conclusão

A relativização do rigor formal, através da validação de atos viciados, representa um enorme avanço na busca da efetividade processual. Realmente, paralisar a causa, para discutir se o formato do ato atendeu exatamente àquele modelo que a lei impõe e, após isso, ainda determinar a invalidação do ato, causando o risco de extinção do processo sem julgamento do mérito, ou, então, determinar nova prática do ato, consiste em medida insensata e incoerente com um sistema que visa à veloz tutela do direito material e à pacificação social.

O processo, como é dito repetidamente no meio doutrinário, não é um fim em si mesmo. Nesse passo, o sistema das nulidades processuais colima justamente acelerar o andamento da causa, conferindo-lhe maior grau de efetividade, quando o ato imperfeito atinge sua finalidade e não causa prejuízo a qualquer das partes. Ressalvados os casos de nulidades insanáveis, acima explicados, o correto e recomendável é validar atos defeituosos, para salvar o processo e permitir o cumprimento de sua função no ordenamento jurídico.

Portanto, o princípio do devido processo legal deve levar em consideração não somente a prévia regulamentação dos procedimentos, mas também um sistema de nulidades capaz de convalidar atos defeituosos que não causem prejuízo a qualquer das partes e que alcancem a sua finalidade. Como foi muito bem acentuado por Roque Komatsu,

“os valores ou os interesses no mundo do Direito não pairam isolados no universo das abstrações; antes, atuam, no dinamismo e na dialética do real, em permanente conflito com outros valores e interesses. Certa, sem dúvida, a presença de interesse público na determinação do rito do processo. Mas, acima dele, ergue-se outro interesse público de maior relevância: o de que o processo sirva, como instrumento, à justiça humana e concreta, a que se reduz, na verdade, sua única e fundamental razão de ser.

Essa natureza de meio a serviço de um interesse público mais alto possui o necessário e indispensável condão de relativizar a maior parte das normas imperativas processuais e, por conseguinte, as nulidades resultantes de sua infração.


Por este motivo, o capítulo mais importante de um Código de Processo moderno situa-se nas normas relativizadoras dessas nulidades. Elas é que garantem ao processo cumprir sua missão sem transformar-se em fim em si mesmo, desvirtuando-se, em contra-senso, em estorvo da Justiça”[47].

Por fim, merece destaque a importância do princípio da boa fé nesse contexto. As partes devem litigar com lealdade, focalizando os atos processuais à descoberta da verdade e à decisão justa. Alegações freqüentes de nulidades dos atos do adversário, quando os defeitos não ocorrem ou quando não são relevantes, representam chicana de quem colima unicamente tumultuar o processo. Do mesmo, age de má fé quem guarda uma alegação de nulidade para alegá-la no futuro, no caso de derrota no processo. É recomendável, assim, que, nos sistemas de nulidades, imponha-se a alegação do vício na primeira oportunidade que couber à parte falar nos autos, sob pena de convalidação, para evitar “surpresas” convenientes àqueles que não atuam com a esperada boa fé.

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[1] De acordo com Rui Portanova, o devido processo legal é uma garantia do cidadão, “constitucionalmente prevista, que assegura tanto o exercício do direito de acesso ao Poder Judiciário como o desenvolvimento processual de acordo com normas previamente estabelecidas”. PORTANOVA, Rui. Princípios do Processo Civil. 6ª edição. Livraria do Advogado Editora. Porto Alegre, 2005. p.145.

[2] Cf. GRECO, Leonardo. Os Atos de Disposição Processual — Primeiras reflexões. Artigo disponibilizado pelo autor aos alunos do Mestrado em Direito Processual da Universidade do Estado do Rio de Janeiro, no 1º semestre de 2008, p. 17.

[3] PASSOS, J.J. Calmon de. Esboço de uma Teoria das Nulidades. Rio de Janeiro: Editora Forense, 2002, pp. 132.

[4]Excluídos os casos de nulidades absolutas, se o ato praticado por uma das partes deixou de observar algum requisito essencial imposto pela lei e a outra parte não alegou a sua nulidade na primeira oportunidade que teve para falar nos autos, nem demonstrou ter sofrido algum prejuízo, a nulidade do ato estará sanada e o ato produzirá validamente, desde o momento em que foi praticado, todos os seus efeitos, sem que o juiz possa ter nesse resultado qualquer ingerência. Se o vício do ato é uma mera irregularidade, ou seja, o descumprimento de um requisito meramente útil do ato, o juiz pode exigir que a parte o regularize, se for possível. Mas se o juiz não atentar para tão leve defeito até o final do processo, a prestação jurisdicional será plenamente válida e o vício estará totalmente sanado”. Idem, p. 18.

[5] ALVIM, Arruda. Manual de Direito Processual Civil. Vol. 1. 11ª edição. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2007, p. 471.


[6] “Processo é instrumento para realização do direito material, nas situações em que tal não se deu espontaneamente. Seu escopo é atuar o direito e pacificar”. BEDAQUE, José Roberto dos Santos. Direito e Processo. Influência do direito material sobre o processo. 4ª edição. São Paulo: 2006, p. 61.

[7] “Hoje, é preciso repensar o problema como um todo, verificar as vertentes políticas, culturais e axiológicas dos fatores condicionantes e determinantes da estruturação do processo, numa palavra, do formalismo. E isso porque seu poder ordenador, organizador e coordenador não é oco, vazio ou cego, pois não há formalismo por formalismo”. OLIVEIRA, Carlos Alberto Alvaro de. Do Formalismo no Processo Civil. 2ª edição. São Paulo: Editora Saraiva, 2003, pp. 61/62.

[8] “A radical mudança de perspectivas verificada nos últimos anos – em razão do quê o processualista deixou de se preocupar exclusivamente com conceitos e formas, para dedicar-se à busca de mecanismos destinados a conferir à tutela jurisdicional o grau de efetividade que delas se espera — impõe sejam revistas idéias concebidas à luz de outra realidade histórica. Hoje, pensa-se no processo de resultados”. BEDAQUE, José Roberto dos Santos. Efetividade do Processo e Técnica Processual: Tentativa de Compatibilização. Tese apresentada ao Concurso para o cargo de Professor Titular de Direito Processual Civil da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, 2005, p. 13.

[9] GRECO, Leonardo. O Processo de Execução. Vol. 2. Rio de Janeiro: Editora Renovar, 2001, p. 258.

[10] Leonardo Greco observa que, até mesmo no campo das nulidades, que são os vícios mais graves, a nulidade relativa (sanável) é a regra, e a absoluta, a exceção. Idem, p. 266.

[11] “Disso concluímos que a imperfeição do ato ou do tipo, por si só, é apenas um sinal de perigo que reclama sua análise para ponderar-se a necessidade de transformar-se em invalidade, pelo que a invalidade deixa de ser uma decorrência necessária da imperfeição para se tornar sanção imposta exclusivamente ao que denominamos atipicidade relevante, imperfeição que compromete a proatividade do jurídico. (…) A nulidade (invalidade) é, portanto, como a validade, o resultado de um dizer do sistema jurídico. Tentando sintetizar: a norma válida que se pretende tenha incidido não incidiu, porque o tipo tomado como referência se revelou eivado de imperfeição relevante, atendido quanto o sistema prescreve para assegurar proatividade do jurídico”. PASSOS, J.J. Calmon de. Esboço de uma Teoria das Nulidades. Rio de Janeiro: Editora Forense, 2002, pp. 124/125.

[12] GRECO FILHO, Vicente. Direito Processual Brasileiro. Volume 2. Editora Saraiva. São Paulo, 2007. p.44.


[13] CÂMARA, Alexandre Freitas. Atos Processuais. In Escritos de Direito Processual. Editora Lumen Juris. Rio de Janeiro, 2001. pp. 94/96.

[14] GRECO, Leonardo. O Processo de Execução, Op. cit., p. 259.

[15] PASSOS, J.J. Calmon. Op. cit., p. 126.

[16] PINHO, Humberto Dalla Bernardina de Pinho. Teoria Geral do Processo Civil Contemporâneo. Rio de Janeiro: Editora Lumen Juris, 2007, p. 196.

[17] PORTANOVA, Rui. Op. cit., pp. 184/185.

[18] GRECO, Leonardo. O Processo de Execução. Cit., p. 261.

[19] “Outro tipo de fundamento de ordem pública que justifica a caracterização da nulidade como absoluta é o que se sustenta na necessidade de proteção de direitos fundamentais indisponíveis e de efetividade das garantias constitucionais mínimas do devido processo legal, do contraditório e da ampla defesa, mesmo porque quaisquer limitações, ainda que de ordem legal, à liberdade das partes de influir eficazmente na decisão judicial se apresentam constitucionalmente legítimas apenas enquanto têm por justificativa assegurar as mesmas prerrogativas, em igualdade de condições, a ambas as partes”. Idem, p. 264.

[20] Rui Portanova entende que a nulidade relativa pode ser decretada de ofício, pois considera que ela viola norma cogente. Ele exemplifica a sua opinião com a situação em que o juiz declara impenhorável imóvel da parte devedora, ainda que ela nada tenha alegado a respeito. PORTANOVA, Rui. Op. cit., p. 184. No mesmo sentido, Ernane Fidélis dos Santos sublinha que a nulidade relativa pode ser declarada de ofício, uma vez que a expressa cominação de nulidade no texto legal evidencia o interesse público. SANTOS, Ernane Fidélis dos. Manual de Direito Processual Civil. V. 1. São Paulo: Editora Saraiva, 2008, p. 371.

[21] PINHO, Humberto Dalla Bernardina de. Op. cit., p. 196.

[22] “Dos vícios essenciais, alguns se evidenciam insanáveis, justamente porque dizem respeito à infração de norma cogente, onde tutelados preferencialmente interesses públicos. E outros são sanáveis, que são aqueles que dizem com a infringência a regras jurídicas, onde tutelados preferencialmente interesses de parte. E os primeiros (ou seja, os insanáveis) levam à nulidade absoluta. E os segundos levam à nulidade relativa ou à anulabilidade, conforme a natureza da norma; se cogente, da infração pode decorrer nulidade relativa; se dispositiva a regra, o afastamento pode ocasionar anulabilidade”. KOMATSU, Roque. Da Invalidade no Processo Civil. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1991, p. 210.


[23] Cf. KOMATSU, Roque. Da Invalidade no Processo Civil. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1991, p. 166.

[24] GRECO, Leonardo. O Processo de Execução. Cit., p. 269.

[25] Idem.

[26] PORTANOVA, Rui. Op. cit., p. 185.

[27] GRECO, Leonardo. O Processo de Execução. Cit., p. 276.

[28] “Se, no plano da existência, faltar um dos elementos constitutivos, não há ato jurídico; poderá haver um fato e a isso é que se chama ato inexistente”. KOMATSU, Roque. Da Invalidade no Processo Civil. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1991, p. 157.

[29] SANTOS, Ernane Fidélis dos. Op. cit., p. 367.

[30] KOMATSU, Roque. Op. Cit., p. 157.

[31] Idem, p. 160.

[32] SANTOS, Ernane Fidélis dos. Op. Cit., p. 270.

[33] Idem, p. 275.

[34] Cf. KOMATSU, Roque. Op. Cit., p. 157.

[35] Art. 244. Quando a lei prescrever determinada forma, sem cominação de nulidade, o juiz considerará válido o ato se, realizado de outro modo, lhe alcançar a finalidade.


[36] “O ato imperfeito, alcançando o fim a que se destinava, cumpriu sua função, produziu os efeitos que lhe eram próprios, foi apto. Seria imperdoável inconseqüência declará-lo inválido. A consecução do fim, apesar da imperfeição do ato, constitui um equivalente dos requisitos que faltaram ou foram defeituosos”. PASSOS, J.J. CALMON. Op. cit., p. 130.

[37] “O alcance da finalidade, a renúncia a alegar a nulidade e a aquiescência, mesmo tácita, desde que originárias da parte interessada na pronúncia da nulidade, são sanatórias normalmente reconhecidas em todos os sistemas processuais”. GRECO, Leonardo. O Processo de Execução. Cit., pp. 261/262.

[38] PASSOS, J.J. CALMON. Op. cit., p. 131.

[39] “Tal princípio, todavia, não é aplicável nos casos de nulidade absoluta. Isto porque nestas hipóteses há presunção absoluta de prejuízo, em razão de se ter violado norma cogente de proteção ao interesse público. Em havendo tal presunção iuris et iure, torna-se irrelevante juridicamente a inexistência de prejuízo no caso concreto, devendo a invalidade ser declarada de qualquer maneira”. CÂMARA, Alexandre Freitas. Op. cit. p. 96. No mesmo sentido, Vicente Greco Filho: “…no caso de nulidade absoluta, o prejuízo causado pelo desvio de forma é do interesse público, presumindo em caráter absoluto e, portanto, inafastável”. GRECO FILHO, Vicente. Op. cit., p. 47.

[40] GRECO, Leonardo. O Processo de Execução. Cit., p. 266.

[41] “O princípio da causalidade impõe que a nulidade de um ato do procedimento contaminará os posteriores, com a conseqüência de dever-se anular todo o processo, a partir do ato celebrado com vício (art. 248 do CPC, primeira parte). Os atos processuais pertencem todos a uma unidade lógica e cronologicamente concatenada, que é o procedimento. A seqüência impõe uma ordem e uma interdependência. Daí o motivo da propagação”. KOMATSU, Roque. Op. cit., p. 253.

[42] GRECO FILHO, Vicente. Op. cit. p. 48. No mesmo sentido, Leonardo Greco: “Se o ato tem a sua invalidade reconhecida, mesmo muito tempo depois da sua ocorrência, esse vício refletirá em todos os subseqüentes dele dependentes (CPC, art. 248)”. GRECO, Leonardo. O Processo de Execução. Cit., p. 267.

[43] “O caráter instrumental do processo moderno e a boa fé com que as partes nele devem comportar-se determina que, como regra, as nulidades se considerem relativas, pois se o ato produziu os mesmos efeitos jurídicos apesar da falta ou defeito de algum requisito previsto em lei, ou se o prejudicado pela nulidade não a argüiu lealmente na primeira oportunidade (CPC, arts. 154 e 255), a nulidade estará convalidada e o processo prosseguirá sem que o defeito anterior comprometa a validade de qualquer ato subseqüente. A convalidação da nulidade faz desaparecer com eficácia ex tunc o defeito do ato, como se este nunca tivesse existido, ficando assegurada desse modo a absoluta validade de toda a cadeia de atos subseqüentes praticados no processo”. GRECO, Leonardo. O Processo de Execução. Cit., p. 261.

[44] Arruda Alvim ressalta que “A parte interessada na decretação da nulidade dos atos deverá alegá-la na primeira oportunidade que lhe couber falar nos autos, sob pena de preclusão (casos de nulidade relativa). Não se tratando, pois, de nulidade absoluta, e não tendo sido alegada pelos interessados, quando estes tiverem oportunidade de fazê-lo, não é de se reconhecer a nulidade invocada. Todavia, tratando-se de nulidade sobre a qual o juiz deva manifestar-se de ofício, não prevalece tal preclusão (art. 245 e parágrafo único)”. ALVIM, Arruda. Op. cit. p. 475.

[45] Cf. PINHO, Humberto Dalla Bernardina de. Op. cit., p. 197.

[46] KOMATSU, Roque. Op. cit., p. 213.

[47] KOMATSU, Roque. Op. cit., p. 257.

Autores

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    Bruno da Costa Aronne é advogado do escritório Campos Mello, Pontes, Vinci, Schiller Advogados, mestrando em Direito Processual na UERJ e membro do Instituto Brasileiro de Direito Eletrônico.

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