Direito de juiz

STJ arquiva inquérito contra desembargadores do TRF-2

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12 de outubro de 2008, 1h00

Depois de mais de seis anos, o Inquérito 333, que investigava atos supostamente criminosos dos desembargadores Ivan Athie e Ricardo Regueira, do Tribunal Regional Federal da 2ª Região (Rio e Espírito Santo), foi arquivado pelo ministro Felix Fisher, do Superior Tribunal de Justiça. Os sigilos fiscal, bancário e telefônico dos desembargadores foram quebrados e nada de irregular foi encontrado. Regueira morreu em julho.

“Após longa investigação, não foi possível identificar conduta criminosa por parte das pessoas detentoras de prerrogativa de foro perante o STJ.” A declaração da subprocuradoria-Geral da República, em parecer que opina pelo arquivamento do inquérito, é citada pelo ministro Fisher em sua decisão.

No caso do advogado Beline Salles Ramos, denunciado junto com os desembargadores, o ministro determinou que os autos sejam remetidos à Justiça Federal no Espírito Santo, por ele não ter prerrogativa de foro. “Considerando que subsiste a possibilidade, em tese, de prática de crime pelo terceiro investigado, principalmente à conta da enorme movimentação financeira de suas contas-correntes, vimos requerer o declínio de competência em favor da Justiça federal em Vitória”, afirma o parecer, também acatado pelo ministro do STJ.

O caso

Athie, Beline e Regueira foram investigados por suposta manipulação na distribuição de processos, a fim de beneficiar empresas e prejudicar os cofres públicos. Em um processo, distribuído livremente ao, na época, juiz da 4ª Vara Federal em Vitória, Athie permitiu que o advogado emendasse a inicial antes da citação da União.

Posteriormente, o advogado apresentou vários recursos ao Tribunal Regional Federal da 2ª Região, questionando outra decisão do juiz no processo. Um deles foi distribuído ao desembargador Ricardo Regueira. O advogado desistiu dos outros agravos, com exceção do que tinha Regueira como relator. Com isso, os recursos em que se discutia a questão seriam remetidos ao desembargador por prevenção.

Para o Ministério Público Federal, os três se uniram para causar um rombo de mais de R$ 1 bilhão aos cofres públicos. O inquérito foi aberto em março de 2002 para investigar os atos praticados pelos envolvidos. Os ministros do STJ decidiram, por maioria, autorizar a quebra de sigilo dos acusados, além de “outras diligências que a autoridade entender cabíveis”. Alguns ministros votaram, na época, por ouvir os envolvidos antes de abrir o inquérito. Ficaram vencidos.

Na decisão que arquiva o inquérito, o ministro Felix Fisher cita o parecer do MPF que afirma que as decisões, “embora causem estranheza” estão amparadas no artigo 41 da Lei Complementar 35/79. Segundo o dispositivo da Lei Orgânica da Magistratura, “salvo os casos de impropriedade ou excesso de linguagem o magistrado não pode ser punido ou prejudicado pelas opiniões que manifestar ou pelo teor das decisões que proferir”.

Ações Penais

Antes de o inquérito ser concluído, o MPF apresentou denúncia contra os três, acusados de falsidade ideológica. A denúncia foi recebida em junho de 2004. Na ocasião, os desembargadores foram afastados de seus cargos.

No momento em que a denúncia foi recebida, ministros do STJ divergiram quanto às atitudes de Regueira e Athie. Felix Fisher, o relator, votou pelo recebimento da denúncia, já que entendeu haver indícios de fraude na distribuição de processos. Para ele, o fato de o juiz de Vitória ter arquivado os agravos, fazendo com que não constassem no sistema eletrônico de dados e só ter citado a União, depois de estabelecida a prevenção do desembargador Regueira, seria indício para instaurar a Ação Penal.

Para os ministros vencidos, havia uma tentativa de criminalização dos atos processuais e jurisdicionais. Em seu voto, o ministro Francisco Peçanha afirma que a conduta do advogado pode não ter sido ética. “Quem julga ética de advogado é a OAB”, afirmou.

Em fevereiro de 2006, a Ação Penal 246 foi trancada pelos ministros da 1ª Turma do Supremo Tribunal Federal ao julgar o pedido em Habeas Corpus formulado pelos desembargadores. O fundamento para o trancamento da ação foi atipicidade de conduta. Os ministros afirmaram, ainda, que a decisão do Supremo tornava sem efeito o afastamento dos desembargadores de seus cargos.

Athie continua afastado. Ele responde a outra Ação Penal no STJ, também por decisões quando era juiz em Vitória de processos promovidos pelo advogado Beline. Regueira, que morreu em julho, também era acusado em outro processo junto com o desembargador Carreira Alvim, também do TRF-2, de participar de um esquema de venda de sentenças para favorecer os bingos no Rio.

Perseguição

O desembargador Ivan Athie afirmou à revista Consultor Jurídico que sofreu intensa perseguição e campanha de desmoralização por procuradores, juízes e jornalistas. Segundo ele, até um atentado falso foi simulado para prejudicar os dois desembargadores.

“Lamento apenas que a denúncia contém deturpações facilmente verificáveis. Meus argumentos e provas nem foram examinados”, afirmou. O desembargador afirma que em momento algum foi ouvido no Inquérito 333.

Quanto às denúncias, Athie afirmou que, ao arquivar os recursos, nada mais fez do que seguir o regimento interno do TRF, que havia dado ordem nesse sentido. Ele também declara que anexou um documento no processo afirmando que os agravos haviam sido arquivados. “Tudo público e publicado”, completou.

Athie também afirmou que, na outra ação que responde no STJ, sua decisão não só foi confirmada pela segunda instância, como ampliada. “As decisões eram recorríveis”, afirma. Ele aguarda o julgamento de um Habeas Corpus no Supremo Tribunal Federal em que pede o trancamento da outra Ação Penal a que responde. O HC está na presidência do STF para resolver questão de competência entre as turmas da Corte.

INQUÉRITO Nº 333 – ES (2002/0024184-4)

RELATOR : MINISTRO FELIX FISCHER

AUTOR : MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL

RÉU : JOSÉ RICARDO DE SIQUEIRA REGUEIRA

ADVOGADO : NÉLIO ROBERTO SEIDL MACHADO E OUTRO(S)

RÉU : ANTÔNIO IVAN ATHIÉ

ADVOGADO : CARMEM COSTA BARROS E OUTRO(S)

RÉU : BELINE JOSÉ SALLES RAMOS

ADVOGADO : PAULO ROBERTO SCALZER E OUTRO(S)

DECISÃO

Trata-se de inquérito, originado da notícia-crime n.º 272/ES, instaurado para apuração de eventual ocorrência de crimes contra a administração pública supostamente praticados pelos Desembargadores Federais José Ricardo de Siqueira Regueira e Antônio Ivan Athié, e pelo advogado Beline José Salles Ramos, no curso das ações ordinárias de nº. 99.0003061-3 e nº. 98.0007330-2, da 4ª Vara Federal do Estado do Espírito Santo.

Às fls. 1902/1903, a d. Subprocuradoria-Geral da República se manifestou pela remessa dos autos à Justiça Federal de Vitória/ES, sob os seguintes fundamentos.

“Ocorre que, após longa investigação, não foi possível identificar conduta criminosa por parte das pessoas detentoras de prerrogativa de foro perante o STJ

.

As decisões em si, embora causem estranheza, estão sob o amparo do art. 41 da LC 35/79.

E a suspeita inicial, de conluio entre magistrados e o advogado, não se confirmou, a despeito de quebra de sigilos bancário, fiscal e telefônico de todos eles.

Assim, e considerando que subsiste a possibilidade, em tese, de prática de crime pelo terceiro investigado, principalmente à conta da enorme movimentação financeira de suas contas-correntes, vimos requerer o declínio de competência em favor da Justiça federal em Vitória/ES.”

Diante do exposto pelo Parquet, tendo em vista que das investigações realizadas não se concluiu pela prática de crimes pelos réu detentores de prerrogativa de foro, remetam-se os autos à Justiça Federal de Vitória/ES.

Brasília (DF), 03 de outubro de 2008.

MINISTRO FELIX FISCHER

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