Finanças e negócios

Quando a empresa entra em crise o crédito desaparece

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12 de outubro de 2008, 1h00

Carlos Abrão - por SpaccaSpacca" data-GUID="carlos_abrao.jpeg">A redução das taxas de juros e a abertura de crédito para socorrer da atual crise financeira bancos e empresas nos Estados Unidos e na Europa é um exemplo do que poderia ser feito para salvar as empresas brasileiras em recuperação judicial. De acordo com a análise do especialista em recuperações e falências Carlos Henrique Abrão, juiz da 42ª Vara Cível Central de São Paulo, a nova Lei de Falência e Recuperação Judicial (Lei 11.101) deveria passar por uma mini reforma para prever juros baixos e linhas de crédito para que as empresas brasileiras possam sobreviver por longos anos.

A crise financeira vai atingir com força a economia produtiva dos países emergentes: muitas empresas vão fechar. Essa situação vai colocar em xeque a economia financeira, acredita Abrão, que se especializou em falências, e mais recentemente, em recuperação judicial de empresas. “Talvez seja um sinal de que a agricultura e o comércio devam ser estimulados, em detrimento da economia financeira.”

Em entrevista à Consultor Jurídico, o juiz critica a falta de regulamentação de bancos de investimento e de empresas da Wall Street e ironiza a quebradeira dos que “se diziam chefes modernos do capitalismo”.

Uma semana pior que esta na Bolsa de Nova York foi registrada há 112 anos. Em sete dias, 18% de queda nas ações. Na Bovespa, chegou a 20%. Montadoras nos Estados Unidos pedem a aprovação de crédito urgentemente. Integrantes do governo George W. Bush anunciaram que a lei para liberar os empréstimos sai entre seis e 18 meses. Isto é, na gestão do próximo presidente americano.

Para Abrão, a grande crise financeira de hoje é, em pequena escala, a crise de cada empresa que quebra. “Dinheiro é a primeira coisa que falta quando a empresa está em crise”, diz. E acrescenta que o governo deve interferir, criando linhas de crédito e reduzindo juros, como uma forma de manter a saúde da economia do país. Como estão fazendo agora os governos dos Estados Unidos, da Inglaterra e dos outros países mais afetados pela crise financeira.

Mesmo com a ressalva, Abrão aplaude a nova Lei de Recuperação e Falências que, desde 2006, ajudou a conter 60% das falências. Lamenta apenas que a norma esqueceu de tratar das micro e pequenas empresas que em breve representarão 85% da economia brasileira e mantém um índice de mortalidade elevado, de acordo com estatísticas do Instituto Nacional de Recuperação Empresarial (INRE). “A lei não indica o caminho para elas saírem da crise”, diz Abrão.

Abrão demonstra intimidade com questões econômicas. Formou-se em Direito pela Universidade de São Paulo e, na França, especializou-se em economia. “O juiz não é um homem só de leis. É um homem que tem que ter vivência no campo filosófico, no campo literário, no campo da economia e da administração, principalmente.” Segundo ele, só assim é possível ter pulso nos processos que chegam a sua análise.

O juiz é também membro do Instituto Nacional de Recuperação Empresarial que nasceu junto com a nova Lei de Falência e Recuperação de Empresas (Lei 11.101 de 2005). O objetivo da entidade é elaborar estatísticas para que os empresários conheçam a realidade econômica do Brasil. E, a partir daí, guiar os seus investimentos e gerir suas crises, nos setores de agronegócio, serviços, comércio, indústria e empresa.

Participaram da entrevista os jornalistas Aline Pinheiro e Rodrigo Haidar.

Leia a entrevista

ConJur — A crise financeira vai chegar ao Brasil?

Carlos Henrique Abrão —O presidente Lula disse lá fora que a crise é um tsunami, mas quando chegar aqui será uma marola. É o contrário. No exterior é uma marola porque é fácil administrar crise quando se tem um PIB de US$ 1,5 trilhão. O governo brasileiro precisa abrir o olho. É a maldição do segundo mandato. Aconteceu com o Fernando Henrique Cardoso e agora com o presidente Lula.

ConJur — Como a atual crise financeira pode afetar a situação das empresas?

Carlos Abrão —Esta é uma fase perigosa. Não sabemos se é uma repetição da crise de 1929 ou se é uma crise da globalização em si. Todo o sistema do capitalismo moderno, no século XXI, se baseou em uma economia financeira utópica e uma economia produtiva em crise. Talvez seja um sinal de que a agricultura e o comércio devam ser estimulados, em detrimento da economia financeira. Países da União Européia estão se perguntando: até quando vai funcionar esse capitalismo destrutivo? Nos Estados Unidos, depois da crise da Worldcom e da Enron, aprovaram a Lei Sarbanes-Oxley achando que o país estava salvo. Os deputados entendiam que, a partir dela, haveria controle sobre a auditoria externa. O problema é que a lei não subordinou empresas da Wall Street e bancos de investimentos, que não têm regulamentação. Hoje, bancos como o Lehman Borthers estão quebrando. Eles se diziam os chefes modernos do capitalismo. A crise americana já tocou forte o coração da economia japonesa e canadense. Já não há mais facilidade para comprar carros, imóveis. Os depósitos bancários estão menores.


ConJur — O senhor acha que estamos chegando ao final da era da economia financeira?

Carlos Abrão —É uma incógnita. Com o fim da economia globalizada, as finanças dos bancos não vão mais mandar nas economias. Temos que seguir a ordem natural das economias: quem tem é quem produz. Não posso pegar o seu dinheiro e dizer que ele só vale 30%. Isso é extorsão. Há dez anos isso vem sendo feito e agora a economia está pagando um preço alto pelo dinheiro artificial. Nos Estados Unidos, depois da crise hipotecária, já está anunciada a segunda parte, que vai ser a dos cartões de crédito. O americano usa de cinco a 10 cartões. Na medida em que não paga, as administradoras também vão entrar em falência. Será que o Tesouro americano vai bancar isso?

ConJur — Os países emergentes serão atingidos pela atual crise financeira?

Carlos Abrão —Mais cedo ou mais tarde e com muita força. Tudo o que acontece na economia neoliberal, é rápido e dinâmico. Um investidor aplica hoje na bolsa e à noite já está indo para outro país. Apesar desse crescimento anunciado, o Brasil é um país dependente de recursos externos, como todos os emergentes. Muitos desses recursos vêm da globalização da economia de fundos e se estão saindo do país, é para pagar a conta lá fora. Nunca se viu tanta remessa de dólares das grandes montadoras, empresas farmacêuticas e químicas para o exterior. O Brasil hoje está sendo o grande parceiro da crise estrangeira.

ConJur — Como as empresas brasileiras serão afetadas?

Carlos Abrão —Muitas vão fechar. Não existem empresas fortes. Existem empresas sadias, que devem ser monitoradas. Transparência econômica é essencial, o que pode ser atestado com auditoria externa. A crise de uma empresa é uma crise local e pode afetar no máximo o mercado sazonal. É uma bactéria que pode ser combatida com antibiótico. A crise no sistema financeiro é uma metástase. Com a atual crise financeira, a arrecadação vai cair violentamente. O governo não vai mais poder contar com o superávit primário para investir. O Programa de Aceleração de Crescimento (PAC) está centrado em duas pilastras: recursos de fundos de pensão e BNDES e investimentos estrangeiros. Já perdemos uma perna, que são os recursos estrangeiros. Não se sabe até quando o Tesouro vai financiar o BNDES e os fundos de pensão. Daqui até 2010 o governo vai ter que puxar o freio de mão e o de pé.

ConJur — Com a Nova Lei de Falência e Recuperação de Empresas o Brasil está mais preparado para enfrentar esse tipo de situação?

Carlos Abrão —No governo anterior havia a promessa de votar a proposta e ninguém o fez. Quando a lei foi aprovada, oposição e situação bateram palmas, porque encontraram nela o espírito de manter sadias as empresas. O balanço atual é amplamente favorável. Houve uma queda de 60% no número de falências. Hoje, o crédito mínimo para pedir a falência é de 40 salários mínimos. Não é possível pedir falência se a dívida é de R$ 2 mil. Pela lei anterior, isso podia acontecer. Havia centenas de pedidos baseados em créditos podres ou pequenos. Esses credores usavam a estrutura do Judiciário para pedir a falência de quem não estava falido.

ConJur — Usavam o Judiciário como um meio de cobrança?

Carlos Abrão — Sim. E também como uma forma de pressão psicológica. Pedir a falência de uma grande empresa por conta de um título de R$ 20 mil pode trazer grandes prejuízos. Se o processo for publicado na internet, o setor financeiro da bolsa de valores pede explicações e já suspende os papéis da empresa. No mesmo dia, as ações caem 50%. Foi mais ou menos isso que aconteceu com a Sadia. Recuperar os estragos é difícil.

ConJur — A lei precisa acompanhar o movimento da economia?

Carlos Abrão —Um jurista francês dizia que a função do legislador não é evitar a falência da empresa. A preocupação deveria ser apenas com os aspectos jurídicos das boas empresas. A parte econômica seguiria a lei natural: quem não der certo, desaparece. Um estudo demonstrou que se as empresas fossem enterradas de acordo com a lei econômica, a França teria uma redução de 50% do PIB. Criou-se, então, uma lei para controlar os problemas que poderiam destruí-las. Hoje, uma equipe econômica trabalha para o Parlamento monitorando dados da economia: PIB, desemprego, venda de carros, de imóveis. Toda lei de reforma de empresas é uma lei econômica, que só empresta legalidade e legitimidade à operação. Quando o farol vermelho está prestes a acender, a equipe elabora um novo projeto de lei e a proposta é votada em caráter de emergência. No Brasil, isso não é possível. Só para modernizar a lei, demoramos uma década.

ConJur — Qual a principal falha da lei?

Carlos Abrão — Apesar de ter criado 16 critérios de recuperação, a legislação não dá apoio e nem indica o caminho para a empresa sair da crise. Dinheiro é a primeira coisa que falta quando a empresa está em crise. Quando descobre que a empresa está em crise, o banco antecipa os vencimentos dos contratos e retoma o dinheiro, sem passar pelo Judiciário. Banco do Brasil, Caixa Econômica Federal e BNDES poderiam criar linhas de crédito para as empresas em recuperação. Como garantia, elas podem oferecer as suas instalações, por exemplo. O governo precisa ajudá-las. Uma parceria tripartite — governo, bancos particulares e fundos — pode resolver essa questão. Aí sim, a lei vai vingar.


ConJur — É só de dinheiro que elas precisam?

Carlos Abrão —Na fase de recuperação, os fornecedores também são muito importantes. Uma boa solução seria privilegiar o crédito dessas empresas, para que elas continuem vendendo para a que está em crise. E também os dos bancos que oferecerem linhas de crédito. As empresas que têm verdadeiro potencial para crescer devem receber um voto de confiança. Muitas estão em crise, mas são sérias. Recentemente, o Banco do Brasil emprestou R$ 1 bilhão a uma empresa de telefonia em crise, sem qualquer garantia. Para as micro e pequenas isso não acontece. São dois pesos e duas medidas.

ConJur — Em casos de empresas grandes, o governo deve intervir?

Carlos Abrão —Na Itália, a legislação prevê que o governo deve entrar nos casos em que o faturamento da empresa em crise é maior de € 1 milhão. Há ainda a possibilidade de outra empresa entrar com capital para salvar o empreendimento e o governo perdoar o débito tributário, como uma parceria público-privada. A empresa que dá certo não é mais propriedade do empresário, é propriedade da sociedade, do governo, do consumidor. Por exemplo, você gosta dos tênis da Nike porque são ótimos para o esporte que pratica e te deixam de bom humor. De repente, acontece uma especulação, a empresa perde a credibilidade e vai à falência. Todos perdem com a quebra. Aí, o governo entra.

ConJur — No Brasil, o Estado pode perdoar uma dívida?

Carlos Abrão —Hoje se transaciona o crédito tributário. Com a reforma tributária, a União pretende perdoar todas as dívidas de até R$ 10 mil. Não vale a pena cobrar esses débitos. O Brasil está mudando a mentalidade. Não existe mais inflexibilidade do crédito tributário. O município prefere receber carteiras para colocar nas escolas, que é o que a empresa pode oferecer, do que ficar sem receber o crédito e sem carteiras nas salas de aula. Em breve, vamos passar por um momento de escambo na economia mundial. O dinheiro que está circulando é artificial. Quando acabar, as trocas serão a melhor saída. Já existem empresas que só fazem isso e são certificadas com ISO 9002 no Brasil.

ConJur — A lei de falências foi feita só para as grandes empresas?

Carlos Abrão —Sem dúvida. Ela desprestigiou as micro e pequenas empresas. Por isso, precisa de uma mini reforma. Segundo estatísticas do Instituto Nacional de Recuperação Empresarial (INRE), em 2015 o país terá 8,5 milhões de micro e pequenas empresas, representando 85% da economia. O ex-deputado Osvaldo Biolchi, relator do substitutivo do projeto da Nova Lei de Falência na Câmara, foi muito pressionado para não trazer à tona a crise da pequena e micro empresa, principalmente nas regiões Sul e Sudeste. De oito micro empresas abertas, três fecham no primeiro ano, duas no segundo e mais três no terceiro ano. O índice de mortalidade é muito elevado. Se o legislador tivesse conferido a elas a mesma sistemática de recuperação das grandes, ao invés de 800, teríamos 800 mil em recuperação.

ConJur — Há um projeto de mudança da Nova Lei de Falência no Congresso?

Carlos Abrão —É difícil encontrar no Congresso uma pessoa que tenha conhecimento técnico da área empresarial e se proponha a fazer um estudo sobre o assunto. Achei prudente quando a proposta da Lei 11.101 caiu nas mãos do deputado Osvaldo Biolchi. Ele tinha desenvoltura na área empresarial, era advogado e sabia muito bem entrar em negociação. Hoje, alguns deputados estão tentando se mobilizar. No entanto, este não é um ano propício para a reforma porque os reflexos da crise mundial podem ser muito grandes. Não adianta mexer na lei se a economia não estiver sadia.

ConJur — Durante o processo de recuperação, a assembléia de credores é uma boa forma de se chegar a um acordo?

Carlos Abrão —A assembléia de credores é uma discussão estéril. Não é possível conciliar capital e trabalho em uma assembléia dessa natureza. A maior parte dos planos de recuperação está sedimentada na estrutura de capitalismo financeiro: “Vamos lançar papéis, conseguir CDBs, vamos fazer fundos”.

ConJur — Como avalia os planos de recuperação que são feitos no país?

Carlos Abrão —De dez planos de recuperação, sete são baboseiras para ganhar tempo. A empresa está super endividada e não tem como recuperar. A lei deveria ser objetiva. Se o plano é ruim, o juiz pode decretar falência. O plano é razoável? Então, emendas devem ser propostas. A aprovação só deve acontecer quando o plano for bom e factível. Hoje, o plano é aprovado e a assembléia demora três anos para homologar. Depois são mais quatro, cinco anos para começar a aplicar o plano.

ConJur — O empresário brasileiro é organizado?

Carlos Abrão —Não. Muitos não têm livros, contabilidade, escrituração. Cerca de 50% das micro e pequenas empresas não têm livros regulares. Não é possível pedir recuperação se não houver esses documentos. Para organizar, é preciso gastar com profissionais especializados. Nem todos estão dispostos a arcar com mais este custo. Por fim, é preciso receber uma orientação criteriosa.


ConJur — O Sebrae (Serviço de Apoio à Micro e Pequena Empresa) não presta esse serviço?

Carlos Abrão —Quem pretende abrir um negócio procura o Sebrae para saber qual nicho pode explorar, de quanto e do que precisa para entrar no mercado. O Sebrae é muito bom nesse auxílio, mas não monitora o empresário no dia-a-dia para apontar as falhas e dizer o que pode ser feito. Hoje, as empresas só descobrem que estão em uma situação financeira ruim quando as duplicatas são protestadas e os cheques começam a voltar. É comum o micro empresário confundir a conta da empresa com a dele. Quando percebe o erro, já não há muito o que fazer.

ConJur — Essa falta de organização é uma característica do micro empresário brasileiro?

Carlos Abrão —Em pesquisa recente, o Brasil foi eleito o quinto país em empreendedorismo. Ou seja, não é um país primário em atividade empresarial. Daqui a quinze anos, 85% da economia estarão nas mãos das micro e pequenas empresas porque vamos chegar ao fim do emprego, da jornada de trabalho. Estamos caminhando para a flexibilização da legislação trabalhista, o que significa terceirizar. Não haverá mais este vínculo trabalhista com carga tributária pesada. Hoje, a Petrobras tem 90 mil funcionários. A tendência é que, em dez anos, uma metade será contratada e a outra, terceirizada.

ConJur — Qual é a média de recuperações e falências por ano?

Carlos Abrão —Ainda não há dados estatísticos porque a lei tem três anos e o processo de recuperação varia de cinco a doze anos. Mas sabemos que temos 780 recuperações em andamento no país.

ConJur — Quantas dessas recuperações já seriam falência sem a Nova Lei de Falência?

Carlos Abrão —Seguramente, 70% das empresas em recuperação já estariam falidas. Um exemplo é a Varig. A empresa estava e está em uma situação difícil, por problemas causados na venda do controle e porque credores não se ajustaram ao plano. Houve dificuldades na transição entre a nova Varig e a velha Varig. A VarigLog comprou o controle. Depois, passou para a Gol. Houve mudanças na responsabilidade tributária e trabalhista. Uma decisão importante foi a de que a União deve responder pelo prejuízo causado pelo fundo de seguridade social da Varig. A maior parte dos empregados complementava o salário com a aposentadoria, que foi cortada. Quem ganhava R$ 5 mil por mês passou a ganhar R$ 1,5 mil. Este é um ponto extremamente favorável ao processo de recuperação. Se não houvesse a lei, a conjuntura seria pior.

ConJur — Quais as principais causas de falência?

Carlos Abrão —Má administração, falta de visão de mercado, maquinário desatualizado, logística ruim, custo muito elevado para produção e a concorrência também. Em Novo Hamburgo (RS) havia excelentes e bem administradas empresas calçadistas. Quando chegou a concorrência dos mercados asiáticos, as empresas quebraram. Hoje, muitas delas produzem e mandam para a China, onde a mão-de-obra é barata. Estamos industrializando lá fora e trazendo de volta. No Brasil, a carga tributária é elevada, o transporte e o pedágio são caros, a situação das estradas é péssima e também não temos infra-estrutura portuária.

ConJur — O administrador da empresa deve continuar no cargo durante o processo de recuperação?

Carlos Abrão —O artigo 64 da Lei 11.101 prevê o afastamento do administrador que não utilizou boa-fé, profissionalismo, conhecimento e técnica à frente da empresa. Deixá-lo no cargo, mesmo sob fiscalização, seria uma contradição. Nos casos de crime falimentar, o juiz deve decretar a prisão preventiva do administrador. Defendo essa medida também para crimes tributários. Nos Estados Unidos, quando há suspeita, como no caso do piloto da Fórmula Indy Helio Castroneves, a pessoa é algemada e levada para a prisão. Para responder em liberdade, deve pagar fiança de U$S 10 milhões. Se o governo brasileiro adotasse essa tática, pagaria a dívida interna (R$ 1 trilhão) e haveria poucos crimes tributários para julgar. Os empresários pagariam religiosamente os seus impostos. Hoje, o sonegador que usa paraísos fiscais, depois de condenado, tem a chance de pagar o tributo e ver extinta a punibilidade. Isso não é lei.

ConJur — A insegurança jurídica influencia na quebra das empresas? No caso da Cofins para sociedade de advogados e profissões regulamentadas houve mudança radical de entendimento. As empresas deixaram de recolher durante anos, com base no entendimento de que o imposto não era devido. O Supremo Tribunal Federal concluiu o oposto. Esse exemplo pode ser elencado entre as causas de falência?

Carlos Abrão —Nenhuma empresa está preparada para enfrentar essa avalanche de mudanças diárias na legislação tributária. As decisões do Superior Tribunal de Justiça e do Supremo são uma verdadeira incógnita. O que aconteceu com a Cofins aconteceu também com relação ao congelamento de tarifas aéreas. As empresas perderam muito, mas depois recuperaram. Hoje, o governo tem que discutir a reforma tributária.

ConJur — Qual o juízo competente no processo de recuperação ou falência de uma empresa? O juiz do trabalho pode interferir?

Carlos Abrão —Os juízes não são inimigos do processo. Eles devem trabalhar em harmonia. Há duas opções. Ou todos os processos ficam centralizados na mão do juiz universal, como acontece nos Estados Unidos, na França, Alemanha ou Espanha. Ou se cria uma estrutura do juiz prevento, como a de Portugal. Nesse caso, o juiz trabalhista que analisou o primeiro processo de credor contra a empresa vai cuidar de todos os outros, do país inteiro. Ele será o juiz prevento para todas as ações trabalhistas. Nas questões tributárias será da mesma forma. Todos os créditos trabalhistas e tributários reconhecidos pelos juízes preventos são encaminhados ao juiz universal. Ele centraliza as sentenças e organiza os pagamentos da melhor forma. O juiz universal tem a visão geral da situação da empresa. Sabe qual é o ativo, a liquidez e até o momento em que a empresa pode quebrar.

ConJur — O juiz trabalhista não poderia determinar o bloqueio do crédito por penhora online?

Carlos Abrão —Essa medida apresenta efeitos nefastos. A empresa está em recuperação. Se o juiz bloqueia o dinheiro, a empresa pára de funcionar. O dinheiro estava provisionado para a sua manutenção. Os juízes trabalhistas acham que têm que chegar em primeiro lugar. A Anamatra (Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho), ao defender esse ponto de vista, pensa na falência. O juiz da recuperação pensa na recuperação.

ConJur — O legislador quis desestimular a falência?

Carlos Abrão —Sim, para que o empregado ou o credor tributário trabalhem a favor da recuperação. A idéia é preservar o trabalho e manter a arrecadação. Numa capital, a falência tem efeitos mais ou menos controlados. Pode representar queda de 1% do PIB estadual, 0,5% do PIB municipal e perda de 500 empregos diretos e 800 indiretos. Tudo controlado. A falência em uma cidade do interior pode representar 40% da arrecadação de impostos, 30% da mão-de-obra, 25% dos processos de terceirização. A prefeitura de Hortolândia (SP), por exemplo, era deficitária. Depois da chegada de uma empresa, foram criados 1.500 empregos diretos e 3 mil indiretos. A empresa que cria recursos na cidade é um divisor de águas. A grande batalha do mundo moderno é a recuperação de empresas.

ConJur — Com a especulação financeira fica mais difícil recuperá-las?

Carlos Abrão —Salvações esporádicas de capitalismo de fantasia destroem as empresas. Injetar 10 milhões em uma empresa para colher 20 milhões amanhã e sair do controle não é bom. Os juízes de recuperação não estão cientes de que quem investe no capital da empresa está no seu controle.

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