Poder atômico

Construção de Angra 3 não encontra barreiras jurídicas

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10 de outubro de 2008, 22h25

O programa nuclear é uma das prioridades do governo brasileiro. No final do mês passado, o Ibama autorizou a Eletronuclear a instalar a drenagem do canteiro de obras da usina Angra 3. Até 2025, o plano do governo é construir pelo menos outras quatro usinas nucleares, cada uma com capacidade de 1 mil megawatts. O ministro de Minas e Energia, Edson Lobão, já chegou a declarar que o Brasil pode fazer até 50 usinas no próximo meio século.

No entanto, a energia nuclear ainda sofre resistências no Brasil. Só na Justiça Federal do Rio de Janeiro, quatro ações tramitam contra a construção da usina. Três delas dizem respeito ao processo de licenciamento ambiental. A quarta trata sobre a construção do depósito final de rejeitos.

No Brasil, existem 18 normas jurídicas que regulamentam o setor. Para construir uma usina, é preciso de quatro licenças. Em julho deste ano, o Ibama concedeu a Licença Prévia para Angra 3, que tem 60 exigências a serem cumpridas pela Eletronuclear. “Nessa primeira fase do licenciamento, o Ibama avalia a localização e a concepção do empreendimento, atestando a sua viabilidade ambiental e estabelecendo os requisitos básicos a serem atendidos nas próximas fases”, explica a advogada da Eletronuclear, Liana Fernandes de Jesus.

A fase seguinte é a Licença de Instalação, em que são analisados os projetos de controle de poluição e medidas compensatórias. O Ibama ainda precisar conceder a Licença de Operação, que é dada depois que são cumpridas as exigências das outras licenças.

A advogada explica que, depois do licenciamento ambiental, é a hora da Comissão Nacional de Energia Nuclear dar o seu parecer, como dispõe o artigo 19 do Decreto Federal 99.274/90. A comissão é um órgão consultivo da Presidência da República, formado por nove ministros e por três representantes — dos estados, da sociedade civil e das universidades.

Depois que o processo jurídico é finalizado, a usina pode começar a ser construída. Segundo o governo, depois de autorizada, a obra deve ficar pronta em cinco anos e meio.

Consulta ao Congresso

Um dos pontos questionados nas ações — duas delas do Greenpeace — é o fato de o Congresso Nacional não ter sido consultado sobre a construção de Angra 3, conforme determina a Constituição Federal. Até o momento, em Agravo de Instrumento julgado no ano passado, o Tribunal Regional Federal da 2ª Região (RJ e ES) entendeu que o Decreto 75.870/75, que autoriza a construção de Angra 3, foi recepcionado pela Constituição de 1988.

Segundo a advogada Liana Fernandes, o entendimento é de que a Central Nuclear Almirante Álvaro Alberto, que abrigará as três usinas de Angra, já estava em operação quando a Constituição Federal foi promulgada. Desse modo, a exigência constitucional de a construção da usina passar por consulta do Congresso não vale para este caso.

Não é o que pensa o advogado Fernando Furriela, que defende o Greenpeace na ação que tramita na 1ª Vara Federal de Angra dos Reis (RJ). Para ele, o decreto foi revogado pelo presidente Fernando Collor em março de 1991. Furriela diz que, além do risco ao meio ambiente, o governo está violentando o Estado de Direito. Antes de o Ibama dar um licenciamento, o Congresso deveria ser consultado sobre a obra, afirma o advogado.

“O governo passa por cima do Estado de Direito como se fosse um trator. Ele tenta implementar uma usina com base em um decreto revogado. Além das questões que envolvem o manuseio da energia nuclear, o governo desconsidera o ordenamento jurídico brasileiro. Isso não é concebível”, diz o advogado. A posição do Greenpeace é baseada em parecer do professor José Afonso da Silva (Clique aqui para ler o parecer). Em janeiro deste ano, a juíza Renata Costa Moreira rejeitou o pedido liminar da ONG.

Em seu parecer, Afonso da Silva é taxativo. “A decisão do governo federal de construir a usina nuclear de Angra 3 padece de dupla ilegalidade: falta um ato de autorização indispensável do presidente da República e, especialmente, falta a necessária aprovação do Congresso Nacional das iniciativas do poder executivo.”

A advogada da Eletronuclear contra argumenta dizendo que as críticas são inconsistentes: “se a Lei Federal 6.189/74 estabelecia que a autorização para construção e operação de usinas nucleares competia ao presidente da República, mediante decreto e o Decreto Federal 75.870/75 foi assim promulgado, não há que se questionar sua legalidade”. Desse modo, segundo Liana, o Legislativo só ganhou o poder de ser consultado sobre as atividades nucleares que foram autorizadas depois da Constituição de 1988.

Liana diz que o Brasil segue normas internacionais sobre a energia nuclear. Ela cita a participação no programa brasileiro da Agência Internacional de Energia Atômica, da ONU. Com sede em Viena, a agência tem 137 estados membros.

Apesar disso, por pressão internacional, o governo pode criar em breve uma agência fiscalizadora separada da comissão de energia nuclear.

Opção viável

A Eletronuclear diz que a opção pela energia nuclear é viável do ponto de vista econômico. “O Brasil possui a sexta maior reserva de urânio no mundo, dominando a tecnologia para o cumprimento do ciclo do combustível, o que favorece a retomada do Projeto Nuclear Brasileiro”, explica a advogada da empresa. A reserva é estimada em 309 mil toneladas. Trata-se de uma quantidade suficiente para alimentar 32 usinas nucleares como Angra 3 durante toda sua vida útil.

Angra 3 terá uma potência de 1,4 mil megawatts. Ela será capaz de gerar 10,9 milhões de megawatts por ano, o que equivale a um terço do consumo do estado do Rio de Janeiro. Já foram gastos com equipamentos cerca de US$ 750 milhões. Para a conclusão da obra, são estimados investimentos de R$ 7,3 bilhões. A Eletronuclear estima que a construção vai gerar 9 mil empregos diretos e 15 mil indiretos. Quando estiver operando, Angra 3 empregará 500 pessoas.

No mês passado, o Tribunal de Contas da União divulgou relatório apontando irregularidades em 48 obras públicas, incluindo Angra 3. A Eletronuclear declarou que “não se pode considerar que exista sobrepreço em um contrato cujo aditivo para retomada ainda não foi assinado”.

A estatal também minimiza os riscos de acidentes nucleares. Diz que as usinas nucleares têm sistemas de segurança redundantes, independentes e fisicamente separados. Se houver perda sobre o controle do reator em operação normal, esses sistemas independentes entram em ação. Além disso, explica a empresa, as usinas nucleares de Angra têm sistemas de segurança passivos, que funcionam sem que precisem ser acionados por dispositivos elétricos.

O reator de Angra 1 e Angra 2 são do tipo PWR (água pressurizada), que é o mais usado no mundo. Esse componente é auto-regulável: com o aumento da temperatura, há uma diminuição da potência para funcionar como freio automático contra aumentos repentinos de potência.

A estatal explica que o reator da usina é envolvido por um edifício de aço estanque com três centímetros de espessura e 56 metros de diâmetro, chamado de Prédio de Contenção. Tal barreira é projetada para evitar qualquer liberação de radioatividade. Essa esfera de contenção está protegida por um edifício de paredes de concreto armado, com 60 centímetros de espessura.

Durante a operação da usina, a pressão no lado de dentro do edifício do reator é mantida abaixo da pressão atmosférica externa para impedir que produtos radioativos possam escapar do interior da usina para o meio ambiente, informa a Eletronuclear.

Além disso, há um plano de emergência que abrange uma área com raio de 15 quilômetros em torno da usina. Esse plano envolve além da Eletronuclear, o Exército, o Corpo de Bombeiros e os órgãos de defesa civil.

Próxima usinas

O ministério das Minas e Energia informa que um grupo de estudo começou a analisar as localizações das próximas usinas nucleares. A intenção é construir duas usinas no Nordeste e duas no Sudeste. Os governos de Pernambuco, Alagoas, Recife e Bahia já manifestaram interesse na instalação das térmicas, mas ainda não houve nenhuma manifestação dos estados do Sudeste. A previsão é de que cada usina custe em torno de R$ 6 bilhões.

O secretário de Planejamento e Desenvolvimento Energético do ministério, Altino Ventura Filho, prevê 7,3 mil megawatts instalados até 2030 provenientes de energia nuclear. Assim, a participação desse tipo de energia saltaria dos atuais 2,5% para 4,35% na matriz energética. Segundo o secretário, o Brasil tem um potencial de geração nuclear de 35 mil megawatts.

Atualmente, existem em operação 439 reatores nucleares em 31 países. A capacidade nuclear instalada é de 372.234 gigawatts. Treze países estão construindo 35 novos reatores. Em 2007, a participação da energia nuclear na geração de eletricidade no mundo caiu dos 16% do ano anterior para 14%.

Estados Unidos foi o país que mais gerou energia por fonte nuclear, sendo responsável por 31,61% desse tipo de energia. Também se destacaram: França (16,46%), Japão (10,45%), Alemanha (5,27%), Rússia (5,93%), Coréia do Sul (5,39%), Canadá (3,52%), Suécia (2,51%) e China (2,35%). O Brasil foi responsável por 0,46% da geração de energia por fonte nuclear no mundo.

Legislação sobre atividade nuclear

Artigo 21 e 177 da Constituição Federal — Dá à União o monopólio sobre atividade nuclear.

Lei 10.308, de 20/11/01 — Dispõe sobre a escolha de locais, a construção, o licenciamento, a fiscalização, os custos, a indenização, a responsabilidade civil e as garantias referentes aos depósitos de rejeitos radioativos.

Lei 9.112, de 10/10/95 — Dispõe sobre a exportação de uso na área nuclear, química e biológica.

Lei 9.074, de 7/7/95 — Estabelece normas para outorga e prorrogações das concessões e permissões de serviços públicos, entre eles de energia elétrica.

Decreto-Lei 1.982, de 28/12/82 — Dispõe sobre o exercício das atividades nucleares incluídas no monopólio da União e sobre o controle do desenvolvimento de pesquisas no campo da energia nuclear.

Decreto 75.870 de 13/6/75 — Autoriza a Furnas a ampliar a usina nuclear Almirante Álvaro Alberto.

Lei 6.571, de 30/9/78 — Dispõe sobre o regime jurídico do pessoal da Comissão Nacional de Energia Nuclear.

Lei 6.453, de 17/10/77 — Trata sobre a responsabilidade civil por danos nucleares e a responsabilidade criminal por atos relacionados com atividades nucleares.

Decreto 76.803, de 16/12/75 — Cria a Eletrobrás Termonuclear S.A — Eletronuclear

Lei 6.189, de 16/12/74 — Altera a Lei 4.118, de 27 de agosto de 1962, e a Lei 5.740, de 1º de dezembro de 1971, que criaram a Comissão Nacional de Energia Nuclear e a Companhia Brasileira de Tecnologia Nuclear. Com a norma elas passaram a se chamar Nuclebrás.

Lei 5.877, de 11/5/73 — Autoriza a Comissão Nacional de Energia Nuclear a integralizar parcialmente o capital social da Companhia Brasileira de Tecnologia Nuclear.

Lei 5.740, de 1/12/71 — Autoriza a Comissão Nacional de Energia Nuclear a constituir a sociedade por ações Companhia Brasileira de Tecnologia Nuclear.

Lei 4.118, de 27/8/62 — Dispõe sobre a política nacional de energia nuclear e cria a Comissão Nacional de Energia Nuclear.

Instrução Normativa da Comissão Nacional de Energia Nuclear 1.4, de dezembro de 2004 — Regulamenta o licenciamento de Instalações Nucleares.

Instrução Normativa 6.02, de julho de 1998 — Trata sobre o licenciamento de instalações radioativas.

Instrução Normativa 5.01, de agosto de 1998 — Dispõe sobre o transporte de Materiais Radioativos.

Instrução Normativa 6.05, de dezembro de 1985 — Gerencia de Rejeitos Radioativos em Instalações Radiativas.

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