Uma piada comum no meio jurídico conta que a Constituição brasileira é uma publicação periódica que tem uma nova edição a cada dois meses. Desde que foi promulgada, há 20 anos, 56 emendas constitucionais e 6 emendas de revisão foram aprovadas pelo Congresso. A média é de três alterações anuais no texto constitucional.
Apesar da quantidade de emendas, o fato é que a parte substancial da Constituição não foi minimamente atingida pela fúria reformista. O capítulo dos direitos e garantias fundamentais, considerado o ponto alto da carta de 1988, por exemplo, mantém seu formato original.
As alterações mais relevantes produzida pelas 62 emendas foram as que modificaram a participação do Estado na economia, ao decretar o fim do monopólio estatal do petróleo, da mineração, das telecomunicações e do transporte marítimo. Mas mesmo essas matérias, segundo especialistas, não têm natureza constitucional.
As demais emendas (veja quadro abaixo) tratam dos assuntos mais variados possíveis, nem um deles de relevância para merecer estar na constituição. Tratam desde ilhas fluviais até a organização do Poder Judiciário; da cobrança da taxa de iluminação de rua à previdência social.
A prorrogação da CPMF, o tributo sobre movimentação financeira, foi motivo de quatro emendas. A DRU (Desvinculação das Receitas da União), dispositivo que dá mais liberdade para os gastos do governo, foi objeto de três emendas. O tamanho do mandato presidencial também já foi tratado em duas oportunidades. Na primeira, ele foi reduzido de cinco para quatro anos. Na outra, foi criado o instituto da reeleição para cargos majoritários e restaurado o período de quatro anos. E tem gente querendo propor nova emenda para permitir a re-reeleição.
O advogado constitucionalista Luis Roberto Barroso diz que ao longo da década de 1990 houve um conjunto de emendas importantes que redefiniram o papel do estado na ordem econômica. No entanto, para ele, “o que é material e verdadeira constitucional não foi alterado. A Constituição conserva a identidade essencial. O conjunto de emendas não compromete a integridade dela”. Barroso cita como exemplo o conjunto de direitos fundamentais.
Mas Barroso ironiza: no esporte de remendar a Constituição, o Brasil é, provavelmente, recordista mundial. Para ele, a primeira causa das mudanças é a amplitude da Constituição. “Além de ampla, é uma Constituição que cuida das matérias com excessivo grau de detalhamento”, explica o advogado. A riqueza de detalhes, explica Barroso, tira da Constituição o papel de mostrar os valores perenes da sociedade.
Segundo o advogado, a Constituição dificulta a governabilidade, já que a política ordinária muitas vezes tem de ser feita com emendas constitucionais. “Nos estados democráticos em geral, basta que o governo tenha maioria simples no Congresso para aprovar projetos de seu interesse. No Brasil, como é preciso com freqüência emendar a Constituição para fazer os programas de governo, ele necessita permanentemente de maioria absoluta de três quintos. Isso obriga o Executivo a ficar em um estado permanente de negociações, que terminam por não serem totalmente republicanas”, analisa.
Uma patologia apontada pelo advogado são os Atos das Disposições Constitucionais Provisórias, que reiteradamente são objetos de emendas. Esses atos são feitos para a transição de uma Constituição para outra. No entanto, 20 anos depois, eles aumentaram: passaram de 70 para mais de 90.
Falta de plasticidade
O advogado e professor Gustavo Rene Nicolau elenca três fatores para tantas mudanças. A primeira delas é que a Constituição não é plástica. Ou seja, ela não se adapta com o tempo sem a necessidade de emenda. “É uma constituição literal, a sociedade vai mudando e a única maneira de adaptação é a emenda”, diz o advogado. Ele lembra, por exemplo, que a Constituição dos Estados Unidos possui essa plasticidade. Lá, o sigilo de correspondência vem sendo interpretado para todos os tipos de comunicações pessoais como e-mail.
Segundo Nicolau, o Brasil adotou uma forma reduzida de classificação constitucional, ao colocar todas as normas em um único corpo. “Há sistemas que adotam o sistema variado, colocam normas constitucionais fora da Constituição”, explica. Esse sistema acontece em países como Inglaterra e Argentina.
Nicolau concorda que o detalhismo da Constituição, ao abordar assuntos que não são estritamente constitucionais, contribui para o excesso de emendas. Como exemplo lembra do parágrafo 2º do artigo 242. A norma diz “o Colégio Pedro II, localizado na cidade do Rio de Janeiro, será mantido na órbita federal”. “A Constituição tem que ter um corpo reduzido. Deve separar os poderes, organizar o Estado e colocar limites no avanço do estado na vida do cidadão, dando direito e garantias constitucionais”, explica. E esses pontos continuam intactos na Constituição. Todo o resto, está sujeito a alterações.
Emendas Constitucionais
01 |
31.03.1992 |
Trata sobre a remuneração dos deputados estaduais e dos vereadores. |
02 |
25.08.1992 |
Dispõe sobre o plebiscito que em 1993 decidiu pelo sistema de governo presidencialista |
03 |
17.03.1993 |
Altera oito artigos que tratam sobre previdência, impostos e questão processual |
04 |
14.09.1993 |
Muda vigência das leis sobre o processo eleitoral |
Emendas de revisão |
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01 |
01.03.1994 |
Institui o Fundo Social de Emergência |
02 |
07.06.1994 |
Permite que o Congresso convoque ministros de Estado |
03 |
07.06.1994 |
Facilita a nacionalização de estrangeiros |
04 |
07.06.1994 |
Amplia os pressupostos que tornam os candidatos inelegíveis |
05 |
07.06.1994 |
Diminui o mandato presidencial de cinco para quatro anos |
06 |
07.06.1994 |
Impede que a cassação seja interrompida caso o parlamentar renuncie no meio do processo |
*** |
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05 |
15.08.1995 |
Dá ao Estado o direito de explorar o serviço de distribuição de gás encanado |
06 |
15.08.1995 |
Permite à iniciativa privada a exploração da mineração |
07 |
15.08.1995 |
Possibilita a barcos estrangeiros o transporte de carga fluvial |
08 |
15.08.1995 |
Acaba com o monopólio da telefonia e das telecomunicações |
09 |
09.11.1995 |
Permite a exploração privada do petróleo |
10 |
04.03.1996 |
Cria o Fundo Social de Emergência |
11 |
30.04.1996 |
Permite a contratação de professores estrangeiras em universidades e institutos de pesquisas |
12 |
15.08.1996 |
Cria a CPMF |
13 |
21.08.1996 |
Trata sobre o sistema de seguros, capitalização e previdência |
14 |
12.09.1996 |
Dispõe sobre o repasse de dinheiro para a educação |
15 |
12.09.1996 |
Regulamenta a criação de municípios |
16 |
04.06.1997 |
Permite a reeleição de presidente, governadores e prefeitos |
17 |
22.11.1997 |
Prorroga o Fundo Social de Emergência |
18 |
05.02.1998 |
Dispõe sobre o regime constitucional dos militares |
19 |
04.06.1998 |
Dispõe sobre princípios e normas da administração pública |
20 |
15.12.1998 |
Reforma o sistema de previdência social |
21 |
18.03.1999 |
Prorroga a CPMF |
22 |
18.03.1999 |
Altera o Habeas Corpus |
23 |
2.09.1999 |
Cria o Ministério da Defesa |
24 |
9.12.1999 |
Acaba com os juízes classistas na Justiça do Trabalho |
25 |
14.2.2000 |
Altera o salário de vereadores |
26 |
14.2.2000 |
Inclui o direito à moradia na Constituição |
27 |
21.3.2000 |
Cria o DRU, que dá mais liberdade para os gastos do governo |
28 |
25.5.2000 |
Altera para dois anos o prazo de prescrição de ação trabalhista |
29 |
13.9.2000 |
Dá mais verba para a saúde |
30 |
13.9.2000 |
Muda o regime de pagamento de precatórios |
31 |
14.12.2000 |
Cria o Fundo de Combate e Erradicação da Pobreza |
32 |
11.9.2001 |
Limita a edição de medidas provisórias |
33 |
11.12.2001 |
Trata sobre a contribuição social de produtos importados e exportados |
34 |
13.12.2001 |
Permite que profissionais da saúde trabalhem ao mesmo tempo no setor público e privado |
35 |
20.12.2001 |
Restringe a imunidade parlamentar |
36 |
28.5.2002 |
Possibilita a participação acionária de estrangeiros em empresas de mídia |
37 |
12.6.2002 |
Prorroga a CPMF e altera o ISS e o sistema de precatórios |
38 |
12.6.2002 |
Incorpora os Policiais Militares de Rondônia aos quadros da União |
39 |
19.12.2002 |
Cria a taxa de iluminação pública dos municípios |
40 |
29.5.2003 |
Altera o sistema financeiro |
41 |
19.12.2003 |
Reforma da previdência dos servidores públicos |
42 |
19.12.2003 |
Altera o Sistema Tributário Nacional |
43 |
15.4.2004 |
Prorroga, por dez anos, a aplicação de recursos da União na irrigação |
44 |
30.6.2004 |
Altera o Sistema Tributário Nacional |
45 |
8.12.2004 |
Reforma do Judiciário |
46 |
5.5.2005 |
Diz que as ilhas fluviais e lacustres são bens da União |
47 |
5.7.2005 |
Altera dispositivos da Previdência Social |
48 |
10.8.2005 |
Cria o Plano Nacional de Cultura |
49 |
8.2.2006 |
Acaba com o monopólio estatal dos radioisótopos para usos médicos, agrícolas e industriais. |
50 |
14.2.2006 |
Reduz o recesso do Congresso Nacional |
51 |
14.2.2006 |
Altera a função dos gestores da saúde |
52 |
8.3.2006 |
Dá mais independência às instâncias partidárias e revoga a verticalização |
53 |
19.12.2006 |
Aumenta os recursos para a educação |
54 |
20.9.2007 |
Assegura o registro nos consulados de brasileiros nascidos no exterior |
55 |
20.9.2007 |
Aumento os recursos do Fundo de Participação dos Municípios |
56 |
20.12.2007 |
Prorroga o DRU até 2011 |