Fantasmas do restaurante

Jornalista contesta versão de procuradora sobre jantar

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8 de outubro de 2008, 22h39

O jornalista da IstoÉ, Mino Pedrosa, nega que a fonte da notícia de que existiria gravação de encontro de assessores da presidência do Supremo Tribunal Federal com o advogado do banqueiro Daniel Dantas foi o ex-diretor da Abin e da PF, Paulo Lacerda. Em carta, ele responde ofício encaminhado ao chefe do Ministério Público Federal pela procuradora da República Lívia Tinôco, lotada no serviço de Controle Externo da Atividade Policial, em Brasília.

Segundo o jornalista, a informação da suposta reunião lhe foi passada pelo ex-agente do SNI, Francisco Ambrósio do Nascimento, um dos especialistas em interceptações contratados pelo delegado da Polícia Federal Protógenes Queiroz para assessora-lo nas investigações sobre o banqueiro Daniel Dantas, na chamada Operação Satiagraha.

Mino Pedrosa é um dos autores de reportagem na revista IstoÉ sobre a suposta reunião num restaurante de Brasília de assessores do ministro Gilmar Mendes, presidente do Supremo Tribunal Federal, com o advogado do banqueiro Daniel Dantas. A reportagem afirma que a procuradora da República Lívia Tinoco, do Distrito Federal, estava investigando a tal reunião. Também atribui à procuradora a informação de que o delegado Protógenes Queiroz mostrou a ela fotos de um jantar, mas que não era possível identificar quem nelas aparecia.

Em resposta à reportagem, a procuradora enviou ofício ao procurador-geral da República, Antonio Fernando Souza, no qual nega que estivesse investigando a tal reunião. Afirma também que ouviu do jornalista da IstoÉ a informação de que o diretor da Abin e ex-diretor da Polícia Federal Paulo Lacerda lhe havia relatado a ocorrência da suposta reunião. Ela confirma, ainda, que ouviu de Protógenes que “desconhecia a identidade das pessoas que vira conversando com o advogado Nélio Machado” (que trabalha para Daniel Dantas).

A procuradora Lívia Tinôco contesta a reportagem da revista, mas admite no ofício enviado que requisitou ao restaurante japonês, onde o tal encontro teria ocorrido, as imagens do circuito interno da casa — Clique aqui para ler o ofício da procuradora

Desmentido

O ministro Gilmar Mendes entrou com representação na Procuradoria Geral da República pedindo a apuração do vazamento das falsas informações que serviram como base para a reportagem da revista. Os assessores do ministro — que foram acusados mas não foram nomeados individualmente na reportagem — também entraram com representação similar.

Já o secretário de Comunicação do STF, Renato Parente, enviou carta à revista repudiando os termos da reportagem: “O suposto jantar de assessores do ministro Gilmar Mendes, presidente do Supremo Tribunal Federal, e advogados de Daniel Dantas – sempre suposto, pois jamais se apresentou qualquer cópia ou reprodução fotográfica da gravação – é sustentado de maneira covarde por “fontes” da revista, sem dar os nomes de quem é acusado, impedindo, assim, sua defesa e colocando uma nuvem de suspeita sobre todos os assessores diretos do ministro e mesmo sobre a secular Corte Suprema do Brasil”, afirma Parente na carta (leia a carta no final da página).

Leia a carta do jornalista:

A bem da verdade

Mino Pedrosa, jornalista da revista IstoÉ

Em resposta ao Ofício nº 40/2008 — MPF/PRDF/LT, de 29 de setembro de 2008, dirigido ao procurador-geral da República, Antonio Fernando Barros e Silva de Souza, assinado pela procuradora da República, Lívia Nascimento Tinôco, venho por meio desta narrar os seguintes fatos.

Estive reunido com a procuradora Lívia Nascimento Tinôco, acompanhado do jornalista, também da IstoÉ, Hugo Marques, a fim de obter informações acerca do inquérito que apura interceptações telefônicas do senador Demóstenes Torres (DEM-GO) em conversa com o presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministro Gilmar Mendes.

Após ter sido apresentado à procuradora por sua assessora Jucilene Ventura, a Dra. Lívia Tinôco perguntou-me se eu poderia revelar a fonte do jornalista Policarpo Jr. da revista Veja. A procuradora ouviu de mim a seguinte frase: “fonte não se revela nunca, nem de baixo de pancada e tampouco fontes de outras pessoas”. Ela sorriu com simpatia. Voltamos a conversar. Perguntei quem até aquele momento havia prestado depoimento para ela. Respondeu-me que quase todos, inclusive Idalberto de Souza Araújo (Dada), sargento da Aeronáutica. Na seqüência, questionou-me se eu seria capaz de colocar Idalberto na capa da revista. Em resposta, disse a ela que não, pois eu tinha conhecimento que Idalberto não estava integrado à Operação Satiagraha e sim Francisco Ambrósio do Nascimento. A razão jornalística da divulgação do nome de Francisco Ambrósio do Nascimento, portanto, foi a única a presidir sua inclusão na matéria da IstoÉ.


A proteção à fonte é uma garantia do indivíduo, do jornalista e da própria sociedade. É nesse contexto que as afirmações sobre o tratamento dispensado às fontes devem variar conforme elas estejam de boa-fé ou pretendam utilizar o jornalista como instrumento para satisfação de interesses pessoais ou para prejudicar terceiros. O profissional de imprensa não é um aríete nas mãos de ninguém, especialmente de uma fonte. Daí eu considerar que o Sr. Francisco Ambrósio não se poderia considerar como alguém insuscetível de divulgação de seu nome, como de fato ocorreu, ao que se observou de sua colocação na capa da revista IstoÉ. Ele havia-me passado parte de informações relevantes sobre a operação policial envolvendo o Sr. Daniel Dantas. De fato, o Sr. Francisco Ambrósio repassou-me a informação relativa a uma reunião, que teria ocorrido em restaurante de Brasília, entre assessores de Gilmar Mendes e advogados de Daniel Dantas.

Considerei de enorme relevo jornalístico e, também, jurídico, o fato que me narrou o Sr. Francisco Ambrósio. Aguardei com paciência os elementos que Francisco Ambrósio declarou-me possuir, capazes de corroborar tão importantes informações. Na semana seguinte à publicação da matéria na revista, ele assumiu o compromisso de revelar o nome do restaurante e a forma de identificação objetiva das pessoas que participaram do encontro. Como o Sr. Francisco Ambrósio não cumpriu sua palavra e deixou-me na iminência de ser considerada a reportagem discutível sob o aspecto de fundo, agi no melhor estilo do bom jornalismo e procurei incessantemente, por outras vias, obter a informação complementar e tive êxito.

A atitude dúbia e recalcitrante do Sr. Francisco Ambrósio, capaz de sustentar em uma semana a existência de fatos envolvendo assessores diretos da mais alta Corte do País e advogado de Daniel Dantas, e, na outra, sonegar os meios de prova desse fato, levou-me a considerar que não havia, nessa situação, qualquer privilégio de fonte.

A procuradora, infelizmente, usou a afirmação de que a fonte inconfiável merece ser exposta como se fora referente a sua pessoa. Engana-se a procuradora. Engana-se por não me conhecer e não entender que meus mais de vinte anos de experiência profissional ensinaram-me o quão importante é a figura da fonte e o quanto ela deve ser preservada, quando mantém um relacionamento ético com a imprensa e a opinião pública, ao exemplo do que acima escrevi.

Não ameaço e nunca ameacei fonte. Com isso, sempre tive informações de qualidade. A procuradora Lívia Tinôco mente sabe e entende o que ora afirmo. E ela também sabe e conhece a origem de suas declarações. Ela tem ciência de que foi o documento, o ofício enviado ao restaurante em que ela pedia a documentação do ex-gerente e gravações do circuito interno do restaurante. Ela investigava sorrateiramente, sim.

Também saliento que não foi dito por mim que Dr. Paulo Lacerda teria sido o responsável pelo vazamento da reunião no restaurante entre assessores de Gilmar Mendes e advogados de Daniel Dantas. A procuradora Lívia Tinôco atribui a mim versões não proferidas por este jornalista. Mentiu mais uma vez.

A procuradora, no primeiro contato, revelou que o delegado federal Protógenes Queiroz havia prestado depoimento e apresentado fotografias do tal encontro no restaurante japonês em Brasília. Questionada por mim, por que ela não havia retido as fotografias apresentadas pelo delegado, ela respondeu que não era de competência dela investigar tal encontro e que, por isso, havia devolvido ao delegado federal as fotografias e disse também que não constou em seu depoimento aquelas informações.

No segundo contato com a procuradora, na semana seguinte, novamente ela insistiu em saber qual era a fonte da matéria do jornalista Policarpo Jr. publicada na revista Veja. Mais uma vez ouviu de mim que não me interessava saber qual era a fonte da matéria da revista Veja, concorrente de IstoÉ.

Insisti mais uma vez para que ela respondesse qual o motivo que a fez não reter as fotos do restaurante. Novamente, ela respondeu que não era de interesse investigar tal encontro, além de não saber o nome do restaurante. Mas confirmou que havia uma mulher loira e jovem na reunião. Aditou, ainda, que as fotos foram obtidas por meio de celular, segundo ela, do delegado Protógenes. E revelou também que no suposto jantar estava um outro advogado, Alberto Pavie.

Indagamos à Tinôco qual o nome do restaurante japonês. Ela disse que não sabia porque não interessava a ela essa reunião. Mas sua assessora de imprensa disse que havia sido inaugurado um restaurante Original Shundi, localizado na 408 Sul, no mesmo endereço que Ambrósio havia citado. Eu e o jornalista Hugo Marques saímos da Procuradoria e fomos ao restaurante e chegando lá ficamos surpresos com a notícia de que a procuradora havia enviado um ofício cinco dias antes daquela data, requisitando a documentação do ex-gerente e as imagens do circuito interno de TV no dia 11 de julho de 2008 à noite a partir das 18h30.


Publicamos, sim, que a procuradora investigava a reunião e até sugerimos na matéria que poderia ser revelado quem esteve presente naquela noite. Usamos, sim, a expressão “investigação sorrateira” e reitero, porque, a procuradora Lívia Tinôco foi flagrada através do ofício enviado ao restaurante. A procuradora mentiu novamente ao negar que investigava a reunião. E, inclusive, comentou que assessores de Gilmar Mendes não teriam foro privilegiado se estivessem lá.

É lamentável que nossas reuniões com a procuradora Lívia Tinoco não hajam sido gravadas ou filmadas. Talvez, nesse único caso, um araponga prestaria um excelente serviço à verdade e ao interesse público. Se essa peculiar gravação tivesse ocorrido, saltaria aos olhos e aos ouvidos a veracidade do que ora sustento. Nesses encontros, a procuradora Lívia Tinoco disse-me sobre o depoimento do delegado Protógenes, a apresentação das fotografias, além de confirmar a presença de uma mulher loura, que lhe chamou a atenção por sua idade.

Portanto, gostaria de esclarecer que sempre trabalhei em parceria com o Ministério Público, a bem da verdade. A parceria que tenho como profissional de jornalismo, com o Ministério Público remonta ao mesmo período em que a procuradora se encontrava nos bancos escolares. E que cumpri com a minha função de jornalista ao publicar um ofício onde uma procuradora investigava, sim, uma reunião divulgada por IstoÉ. A matéria não entrou no mérito se a procuradora queria obter informações de possíveis arapongas acompanhando a reunião ou não. Mas o objeto das investigações da procuradora era, sim, a reunião naquela data e naquele horário.

Por isso, venho esclarecer com a verdade e rebater ponto a ponto o ofício enviado pela procuradora Lívia Tinôco ao procurador-geral Antonio Fernando de Souza. Lamento que a procuradora tenha invocado como testemunhas funcionários da procuradoria. Talvez constrangidos em falar a verdade.

Leia a carta da Secretaria de Comunicação do STF para a IstoÉ:

Senhor editor,

Lamentavelmente, nos últimos dois meses – nas edições 2020, 2028 e 2030, vimos as páginas da revista “IstoÉ” reproduzirem, com insistência, “denúncia” que nenhum outro órgão de imprensa brasileiro ousou publicar, dada a sordidez e leviandade de quem propõe à revista tal inverdade.

O suposto jantar de assessores do ministro Gilmar Mendes, presidente do Supremo Tribunal Federal, e advogados de Daniel Dantas – sempre suposto, pois jamais se apresentou qualquer cópia ou reprodução fotográfica da gravação – é sustentado de maneira covarde por “fontes” da revista, sem dar os nomes de quem é acusado, impedindo, assim, sua defesa e colocando uma nuvem de suspeita sobre todos os assessores diretos do ministro e mesmo sobre a secular Corte Suprema do Brasil.

Trata-se de expediente que já foi denunciado publicamente pelo ministro Gilmar Mendes e que consta no Inquérito da Polícia Federal que investiga espionagem revelada por outra revista de circulação nacional.

Disse o ministro em seu depoimento que “tanto no caso da Operação Navalha, quanto na Operação Satiagraha, revela-se o mesmo modus operandi. Por um lado, realizam-se escutas e monitoramento do relator dos habeas corpus, por outro, divulgam-se para a imprensa falsas notícias e informações, com o propósito de colocar o juiz em situação de descrédito e intimidação”.

Diante da gravidade da situação, o presidente do Supremo Tribunal Federal encaminhou Representação ao Procurador-Geral da República pedindo a imediata apuração dos fatos.

Os assessores diretos do ministro Gilmar Mendes também dirigiram pedido de teor semelhante ao Dr. Antonio Fernando de Souza.

Aguarda-se, portanto, que a revista “IstoÉ” adote uma postura ética e comprometida com a verdade, onde o relato dos fatos se atenha a fundamentos legais e a documentos fidedignos, característicos de um Estado democrático de Direito, e não a “fontes” obscuras, cujas informações se baseiam em práticas questionáveis e com intenções notoriamente espúrias.

Brasília, 1º de outubro de 2008.

Renato Parente

Secretário de Comunicação Social

Supremo Tribunal Federal

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