Serviço falho

Empresa tem de provar culpa de consumidor para não indenizar

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7 de outubro de 2008, 11h15

Fornecedor só deixa de responder pelos danos decorrentes de seus serviços se demonstrar que eles não foram prestados de forma defeituosa ou comprovar a existência de culpa exclusiva do consumidor ou de terceiro. Com esse entendimento, a 3ª Turma do Superior Tribunal de Justiça manteve a decisão que condenou a Spazzio Promoções e Eventos a pagar R$ 60 mil de indenização por danos morais para os pais de um adolescente da Paraíba, morto aos 15 anos de idade, durante uma micareta.

O jovem morreu vítima de disparo de arma de fogo ocorrido dentro do bloco carnavalesco Spazzio, durante a Micarande (espécie de carnaval fora de época em Campina Grande) de 2000. A 3ª Turma do STJ não conheceu o recurso da empresa. Assim, manteve a decisão anterior que reconheceu falha na prestação dos serviços de segurança oferecida pelo bloco.

A ação de indenização por danos morais foi ajuizada pelos pais do adolescente. Segundo alegaram, a morte do jovem estava diretamente relacionada à má prestação dos serviços oferecidos pela empresa, que deixou de fornecer adequadamente a segurança que o bloco, ao negociar os abadás (camisetas que identificam os seus clientes), prometia disponibilizar.

A primeira instância condenou a Spazzio a pagar aos pais R$ 120 mil como compensação pelos danos morais. O Tribunal de Justiça da Paraíba, ao julgar apelação, reduziu o valor para R$ 60 mil.

O Tribunal de Justiça da Paraíba considerou não ser possível reconhecer o caso fortuito, como alegado pela empresa, pois o fato de a responsabilidade da empresa ter sido apurada com base nas disposições do Código de Defesa do Consumidor afastaria a configuração prevista no artigo 1.058 do Código Civil de 1916.

A empresa recorreu ao STJ. Insistiu na alegação de caso fortuito. Afirmou, ainda, que houve ofensa ao artigo 14, caput e parágrafos 1º, 2º e 3º, do CDC. A alegação foi a de que, diante da inexistência de defeito na prestação do serviço contratado e da ocorrência de culpa exclusiva do terceiro que fez o disparo de arma de fogo, não poderia ser condenada a compensar os danos morais.

O recurso não foi conhecido. Segundo a ministra Nancy Andrighi, relatora do caso, o artigo 14, parágrafo 3º, do CDC, é cristalino ao dispor que o fornecedor só não é responsabilizado pelos danos decorrentes de seus serviços se demonstrar não ter sido a respectiva prestação defeituosa ou comprovar a existência de culpa exclusiva do consumidor ou de terceiro.

A ministra afirmou, ainda, que não há como afastar a relação de causalidade entre a morte do jovem e a má prestação do serviço de segurança por parte do bloco. “Diante da ocorrência da falha no serviço de segurança do bloco, que não diligenciou no sentido de impossibilitar o ingresso de pessoa portando arma de fogo na área delimitada pelo cordão de isolamento, não há como se constatar a alegada excludente de culpa exclusiva de terceiro, razão pela qual deve ser mantida incólume a condenação de reparação por danos morais imposta à recorrente”, concluiu Nancy Andrighi.

REsp 878.265

Leia a decisão

RECURSO ESPECIAL Nº 878.265 – PB (2006/0084130-5)

RELATORA: MINISTRA NANCY ANDRIGHI

RECORRENTE: SPAZZIO PROMOÇÕES E EVENTOS LTDA

ADVOGADO: RONNIE PREUSS DUARTE E OUTRO

RECORRIDO: EDÉSIO CARLOS DOS SANTOS E OUTRO

ADVOGADO: VITAL DO RÊGO E OUTRO

EMENTA

Processual civil e Consumidor. Recurso especial. Ação de compensação por danos morais. Falecimento de menor em bloco participante de micareta. Negativa de prestação jurisdicional. Inexistência. Atuação de advogado sem procuração nos autos em audiência de oitiva de testemunhas. Prequestionamento. Ausência. Existência de fundamento inatacado. Deficiência na prestação do serviço de segurança oferecido pelo bloco constatada. Não ocorrência de culpa exclusiva de terceiro.

– Não há violação ao art. 535 do CPC quando ausentes omissão, contradição ou obscuridade no acórdão recorrido.

— O prequestionamento dos dispositivos legais tidos por violados constitui requisito específico de admissibilidade do recurso especial.

— É inadmissível o recurso especial se existe fundamento inatacado suficiente para manter a conclusão do julgado recorrido quanto ao ponto. Súmula 283/STF.

— Nos termos do art. 14, § 1º, CDC, considera-se defeituoso o serviço que não fornece a segurança que o consumidor dele pode esperar.

— Nas micaretas, o principal serviço que faz o associado optar pelo bloco é o de segurança, que, uma vez não oferecido da maneira esperada, como ocorreu na hipótese dos autos, em que não foi impedido o ingresso de pessoa portando arma de fogo no interior do bloco, apresenta-se inequivocamente defeituoso.

Recurso especial não conhecido.


ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da TERCEIRA TURMA do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas taquigráficas constantes dos autos, por unanimidade, não conhecer do recurso especial, nos termos do voto da Sra. Ministra Relatora. Os Srs. Ministros Massami Uyeda e Sidnei Beneti votaram com a Sra. Ministra Relatora.

Brasília (DF), 02 de outubro de 2008 (data do julgamento).

MINISTRA NANCY ANDRIGHI

Relatora

RECURSO ESPECIAL Nº 878.265 – PB (2006/0084130-5)

RECORRENTE: SPAZZIO PROMOÇÕES E EVENTOS LTDA

ADVOGADO: RONNIE PREUSS DUARTE E OUTRO

RECORRIDO: EDÉSIO CARLOS DOS SANTOS E OUTRO

ADVOGADO: VITAL DO RÊGO E OUTRO

RELATORA: MINISTRA NANCY ANDRIGHI

RELATÓRIO

Cuida-se de recurso especial, interposto por SPAZZIO PROMOÇÕES E EVENTOS LTDA, com fundamento na alínea “a” do permissivo constitucional, contra acórdão exarado pelo TJ/PB.

Ação: ajuizada por EDÉSIO CARLOS DOS SANTOS E MARIA DAS MERCÊS DE FARIAS SANTOS, em face da recorrente, na qual buscam obter a reparação pelos danos morais decorrentes do falecimento do seu filho, EDÉSIO CARLOS DOS SANTOS JÚNIOR, morto aos quinze anos de idade em razão de disparo de arma de fogo ocorrido no interior do Bloco Spazzio, que desfilou durante a MICARANDE de 2000, micareta que ocorre anualmente em Campina Grande/PB, e que constitui uma espécie de réplica, em menor escala, do renomado carnaval de Salvador/BA.

Alegam, em suma, que o falecimento do jovem estaria diretamente relacionado com a má prestação dos serviços oferecidos pela recorrente, que deixou de fornecer adequadamente a segurança que o bloco, ao negociar os seus abadás (camisetas que identificam os seus clientes), prometia disponibilizar.

Sentença: julgou procedente o pedido para condenar a recorrente a pagar aos recorridos R$ 120.000,00 (cento e vinte mil reais), a título de compensação pelos danos morais narrados na inicial.

Acórdão: negou provimento ao agravo retido da recorrente, mas conferiu parcial provimento ao seu apelo apenas para reduzir o valor da compensação por danos morais, fixando-o em R$ 60.000,00 (sessenta mil reais).

Eis a ementa do julgado em comento:

“AGRAVO RETIDO. INDEFERIMENTO DE INTERVENÇÃO DE TERCEIRO. DENUNCIAÇÃO À LIDE DA PREFEITURA MUNICIPAL. RELAÇÃO DE CONSUMO. INAPLICAÇÃO DO REFERIDO INSTITUTO. NÃO COMPROVAÇÃO DOS CASOS DO ART. 70 DO CPC. IMPROVIMENTO.

AGRAVO RETIDO. CERCEAMENTO DE DEFESA PELO INDEFERIMENTO DE PROVA TESTEMUNHAL. INOCORRÊNCIA. AUSÊNCIA INJUSTIFICADA DA PARTE INTERESSADA, BEM COMO DE SEUS ADVOGADOS AO ATO PROCESSUAL DESIGNADO PARA A COLHEITA DESSA PROVA. COMPARECIMENTO DE ADVOGADO NÃO MUNIDO DE PROCURAÇÃO. HIPÓTESES DO ART. 37 DO CPC NÃO EVIDENCIADAS. IMPROVIMENTO.

AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANO MORAL. INÉPCIA DA INICIAL. NÃO OCORRÊNCIA. DANO MORAL. DESNECESSIDADE DE SE FIXAR A PRETENSÃO ECONÔMICA. FIXAÇÃO DO JUIZ. REJEIÇÃO. RELAÇÃO DE CONSUMO. MÁ PRESTAÇÃO DE SERVIÇO. RESPONSABILIDADE OBJETIVA. FOLIÃO ATINGIDO POR DISPARO DE ARMA DE FOGO QUANDO PARTICIPAVA DE BLOCO CARNAVALESCO ORGANIZADO PELA APELANTE. OBRIGAÇÃO DE INDENIZAR. INTELIGÊNCIA DO ART. 14 DO CDC. VALOR DA CONDENAÇÃO. VERIFICAÇÃO. PROVIMENTO PARCIAL.”(fls. 668).

Embargos de declaração: interpostos pela recorrente, foram rejeitados (fls. 683/685).

Recurso especial: alega a recorrente violação aos seguintes dispositivos legais:

i) art. 535 do CPC, pois entende ter havido negativa de prestação jurisdicional decorrente do não suprimento da omissão, apontada em seus embargos declaratórios, relativa à suposta ocorrência de caso fortuito capaz de afastar sua responsabilidade quanto aos danos morais suportados pelos recorridos.

ii) arts. 37 e 322 do CPC e 5º, § 1º, da Lei n.º 8.906/94, inconformada com o indeferimento da prova testemunhal que seria colhida na Comarca de Jaboatão do Guararapes/PE, decorrente da ausência de seu advogado na audiência designada para a colheita da referida prova. Quanto ao ponto, sustenta a recorrente que o Juízo encarregado da produção de prova testemunhal deveria ter possibilitado a atuação do Dr. Frederico Preuss Duarte, presente à audiência, que, apesar de não estar munido de instrumento procuratório, apresentou-se como seu patrono e requereu prazo para a apresentação do respectivo mandato.

iii) art. 14, caput e §§ 1º, 2º e 3º do CDC, pois considera que, diante da inexistência de defeito na prestação do serviço contratado e da ocorrência de culpa exclusiva do terceiro que efetuou o disparo de arma de fogo, não poderia ser condenado a compensar os danos morais suportados pelos recorridos.

Prévio juízo de admissibilidade: após a apresentação das contra-razões dos recorridos (fls. 703/711), foi o recurso especial admitido na origem (fls. 721/722).


É o relatório.

RECURSO ESPECIAL Nº 878.265 – PB (2006/0084130-5)

RELATORA: MINISTRA NANCY ANDRIGHI

RECORRENTE: SPAZZIO PROMOÇÕES E EVENTOS LTDA

ADVOGADO: RONNIE PREUSS DUARTE E OUTRO

RECORRIDO: EDÉSIO CARLOS DOS SANTOS E OUTRO

ADVOGADO: VITAL DO RÊGO E OUTRO

RELATORA: MINISTRA NANCY ANDRIGHI

VOTO

Cinge-se a controvérsia a definir se: i) houve a negativa de prestação jurisdicional apontada pela recorrente; ii) foi acertada a decisão que indeferiu a atuação, em audiência designada para a colheita de prova testemunhal, de advogado que não estava munido de instrumento procuratório; iii) a recorrente é responsável pelos danos morais sofridos pelos recorridos em razão do falecimento de seu filho menor, ocorrido no interior do bloco carnavalesco por ela administrado.

I – Da negativa de prestação jurisdicional.

A recorrente alega violação ao art. 535 do CPC, pois entende que o TJ/PB não teria se manifestado sobre a ocorrência de caso fortuito na hipótese dos autos.

Todavia, da análise dos autos, constata-se que o Tribunal de origem manifestou-se, expressamente, acerca da impossibilidade de reconhecimento do caso fortuito, ao asseverar que o fato de a responsabilidade da recorrente ter sido apurada com base nas disposições da legislação consumerista afastaria a perquirição a respeito da configuração do caso fortuito previsto no art. 1.058 do CC/16, tal como solicitado pela recorrente.

Logo, não obstante desfavorável às pretensões da recorrente, ocorreu pronunciamento judicial expresso, claro e coerente acerca da matéria posta a julgamento, não havendo que se falar, portanto, na existência de quaisquer dos vícios contidos no art. 535 do CPC.

II- Da violação aos arts. 37 e 322 do CPC e 5º, § 1º, da Lei n.º 8.906/94.

A insurgência da recorrente quanto à devolução da carta precatória por parte do Juízo deprecado, que não admitiu a participação de advogado não munido de procuração em audiência de oitiva de testemunha, baseia-se no argumento de que a urgência que fundamenta o direito do advogado à atuação no processo sem apresentação do instrumento procuratório, nos termos dos arts. 37 do CPC e 5º, § 1º, da Lei n.º 8.906/94, possuiria natureza subjetiva, sujeitando-se à avaliação íntima e pessoal do advogado, em nada se relacionando com a natureza do ato praticado.

Porém, esta tese acerca da natureza subjetiva da perquirição da urgência não foi alvo de apreciação pelo Tribunal de origem, estando ausente o prequestionamento, requisito de admissibilidade do recurso especial, razão pela qual deve ser aplicada a Súmula 211 do STJ.

Ainda que superado o aludido óbice sumular, constata-se que no acórdão recorrido restou consignado que a prova testemunhal que seria colhida na audiência em que foi negada a participação do advogado não munido de procuração era inteiramente irrelevante.

Segundo o TJ/PB, a irrelevância desta prova seria constatada pelo fato de a própria recorrente, no momento em que solicitou a sua produção, ter dito que a referida testemunha iria comprovar a regularidade do atendimento médico prestado pela Prefeitura de Campina Grande/PB, fato este que, ainda que confirmado na oitiva não realizada, em nada modificaria a aferição da responsabilidade da recorrente quanto à compensação por danos morais pleiteada pelos recorridos.

Ocorre que a questão da prescindibilidade da aludida prova testemunhal para o deslinde da controvérsia não foi devidamente infirmada de maneira fundamentada nas razões do especial, que, portanto, igualmente não merece prosperar quanto ao ponto, em virtude da existência de fundamento inatacado no acórdão recorrido, que se mostra suficiente para manter a sua conclusão quanto à negativa de provimento do agravo retido interposto contra a não produção da mencionada prova.

Incide, portanto, na espécie a Súmula 283 do STF.

III – Da violação ao art. 14, caput e §§ 1º, 2º e 3º do CDC.

O art. 14, § 3º, do CDC é cristalino ao dispor que o fornecedor somente não será responsabilizado pelos danos decorrentes de seus serviços se demonstrar que a respectiva prestação não foi defeituosa ou comprovar a existência de culpa exclusiva do consumidor ou de terceiro.

Assim, verifica-se que a legislação consumerista adotou duas hipóteses de exclusão da responsabilidade do fornecedor que, em suma, retratam a ausência de relação de causalidade entre o serviço prestado e o dano provocado.

Nestas situações, ou a prestação do serviço foi exatamente aquela oferecida e esperada pelo consumidor, e portanto não possuía o condão de causar qualquer prejuízo a ele, ou o agente causador do dano (terceiro ou vítima) o provocou de forma completamente alheia à atuação do fornecedor, que de maneira alguma concorreu ou pôde evitar o acontecimento danoso.

Em que pesem as razões recursais, que buscam tanto demonstrar que não houve defeito no serviço prestado, quanto que ocorreu culpa exclusiva do autor do disparo que vitimou o filho dos recorridos, não há como se afastar a relação de causalidade entre o falecimento do jovem e a má prestação do serviço de segurança por parte do bloco.

Quanto à deficiência do serviço, conforme bem alertado no acórdão recorrido, o § 1º do art. 14 do CDC dispõe que será considerado defeituoso o serviço que não fornecer a segurança que o consumidor dele pode esperar.

Nas micaretas, normalmente, os populares ficam à margem dos blocos fechados, nas chamadas “pipocas”, enquanto os associados que pagaram vultosas quantias ficam autorizados a permanecer no interior da área delimitada pelo cordão de isolamento, dentro da qual lhe é assegurada uma garantia de conforto e segurança.

Em resumo, o principal serviço que faz o associado optar pelo bloco e não pela pipoca é justamente o de segurança, que, uma vez não oferecido da maneira esperada, como ocorreu na hipótese dos autos, apresenta-se inequivocamente defeituoso, nos termos do aludido dispositivo do CDC.

No que concerne à suposta existência de ato exclusivo de terceiro, irreparável a análise realizada na sentença de fls. 613, em que restou consignado que “embora o disparo de arma de fogo tenha sido efetuado por terceiro, concorreu para o evento a falha na prestação do serviço oferecido, pois foi permitido o ingresso de pessoa portando arma no interior do bloco”.

Logo, diante da ocorrência da falha no serviço de segurança do bloco, que não diligenciou no sentido de impossibilitar o ingresso de pessoa portando arma de fogo na área delimitada pelo cordão de isolamento, não há como se constatar a alegada excludente de culpa exclusiva de terceiro, razão pela qual deve ser mantido incólume a condenação de reparação por danos morais imposta à recorrente.

Forte em tais razões, NÃO CONHEÇO do presente recurso especial.

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