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Advogados de SP criticam abusos em operações policiais

7 de outubro de 2008, 21h04

Por Redação ConJur

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A Associação dos Advogados de São Paulo (AASP) entregou nesta terça-feira (7/10) ao ministro Gilmar Mendes, presidente do Supremo Tribunal Federal, uma nota defendendo a atuação da corte e criticando os abusos praticados em operações policiais.

Segundo os advogados, a polícia — avalizada pelo Ministério Público e autorizada por juízes — macula o devido processo legal com o argumento de combater o “crime organizado”. São citados como exemplos as interceptações telefônicas sem justificativa, os mandados judiciais genéricos, as prisões cautelares sem motivação, a utilização de aparato policial desproporcional e exposição de presos como troféus.

“A Polícia precisa combater o crime com rigor, agindo sempre conforme a Lei e orientada por princípios de cidadania. O Ministério Público deve processar o criminoso sem desbordar para o fundamentalismo acusatório. À Magistratura cabe manter-se serena, sem adotar posição apriorística contra ou a favor, de modo a prestigiar sua exigível neutralidade e independência, pois não há como julgar com isenção tomando partido e ideologizando sua cognição”, lembra a associação.

Para os advogados, o STF vem cumprindo o seu papel de guardião dos preceitos constitucionais. Por isso, “não foi por outra razão que, recentemente, também se viu fortemente atingido por escutas ilegais. Discutiu-se tanto a aprovação das súmulas vinculantes e agora muitos acusam a Corte de usurpar o papel do Poder Legislativo. Pode-se discordar de decisões do Supremo Tribunal Federal, mas não se pode afrontá-las em sua autoridade e prevalência, com isso enfraquecendo a sua indispensável e destemida atuação”, afirmam os advogados.

“Temos que nos pôr a salvo de posições maniqueístas, fugir de classificações oportunistas entre combatentes do crime e defensores da criminalidade. Não se faz Justiça disseminando a prática contagiosa e epidêmica do desrespeito ao império da Lei”, finaliza a nota da AASP.

Assinam o documetno os ex-presidentes da entidade, advogados Aloísio Lacerda Medeiros, Antônio Cláudio Mariz de Oliveira, Antonio de Souza Corrêa Meyer, Antonio Ruiz Filho, Carlos Augusto de Barros e Silva, Clito Fornaciari Júnior, Eduardo Pizarro Carnelós, José Roberto Batochio, José Roberto Pinheiro Franco, José Rogério Cruz e Tucci, Mário de Barros Duarte Garcia, Mário Sérgio Duarte Garcia, Miguel Reale Júnior, Renato Luiz de Macedo Mange e Sérgio Pinheiro Marçal.

Leia a nota

UM BRADO À SOCIEDADE

Os advogados brasileiros têm tradição de se manifestar nos momentos mais graves da vida nacional. Sempre estiveram presentes quando foi necessário defender as instituições e recobrar o primado da Lei sobre o arbítrio.

Imbuída desse espírito e fundada nessa histórica trajetória, a sexagenária ASSOCIAÇÃO DOS ADVOGADOS DE SÃO PAULO deseja levantar sua voz em defesa da cidadania, em prol das garantias individuais e pela manutenção do Estado de Direito.

Sob o pretexto, em princípio legítimo, de combater o “crime organizado” e, também, finalmente alcançar a criminalidade dos ricos e poderosos, marcadamente com o advento das conhecidas operações realizadas pela Polícia — avalizadas pelo Ministério Público e autorizadas por Magistrados — estabeleceram-se alguns procedimentos que maculam o devido processo legal, desrespeitando direitos e garantias fundamentais assim erigidos pela Constituição Federal.

São traços comuns dessas operações policiais autorizadas judicialmente: interceptações telefônicas infindáveis na gênese da investigação e sua utilização como fonte preponderante de prova; a interpretação das gravações por agentes despreparados para essa função, conduzindo a conclusões esdrúxulas, que não raro ocasionam até a prisão do investigado; expedição judicial de mandados de busca genéricos ou prospectivos; prisões cautelares em série, sem motivação adequada ante os critérios legalmente exigidos; utilização de aparato policial desproporcional e a exibição de presos como “troféus”; imposição de inúmeras dificuldades para acesso aos autos pelos advogados, criando-se modalidades de procedimentos quase secretos e sem forma legal, de modo a impedir providências elementares de defesa, como conhecer a acusação e as provas; prolongamento da prisão daqueles que não “colaborem” ou que exerçam o direito constitucional de permanecerem calados; vazamentos de informações sigilosas à imprensa, quase sempre antes de seu acesso pelos advogados constituídos, além de outras aberrações de igual gravidade.

A Polícia precisa combater o crime com rigor, agindo sempre conforme a Lei e orientada por princípios de cidadania. O Ministério Público deve processar o criminoso sem desbordar para o fundamentalismo acusatório. À Magistratura cabe manter-se serena, sem adotar posição apriorística contra ou a favor, de modo a prestigiar sua exigível neutralidade e independência, pois não há como julgar com isenção tomando partido e ideologizando sua cognição.

Inicialmente, apenas os advogados alertaram para o que vinha acontecendo, mas foram taxados de corporativistas. Os desmandos continuaram e têm sido de tal forma graves e freqüentes que, agora, parte da imprensa e da sociedade começa a perceber que o vigente estado de coisas não pode prosperar. Vivemos, neste momento, sob o domínio da máxima de que os fins justificam os meios. E todos sabem o descalabro que se abate sobre os que assim se conduzem.

Provocado, num último suspiro dos injustiçados, o Supremo Tribunal Federal, para desassossego de alguns e triunfo da razão sobre a barbárie, vem cumprindo fielmente o seu papel de guardião dos preceitos constitucionais. Não foi por outra razão que, recentemente, também se viu fortemente atingido por escutas ilegais. Discutiu-se tanto a aprovação das súmulas vinculantes e agora muitos acusam a Corte de usurpar o papel do Poder Legislativo. Pode-se discordar de decisões do Supremo Tribunal Federal, mas não se pode afrontá-las em sua autoridade e prevalência, com isso enfraquecendo a sua indispensável e destemida atuação.

Tudo isso nos remete a uma escolha: qual é o país que almejamos? Um Estado de viés policialesco, no qual nem as mais altas autoridades estão a salvo da bisbilhotice? Ou queremos uma nação alicerçada em instituições sólidas e democráticas, que primem pelo respeito ao cidadão e às suas garantias, em que haja espaço à persecução penal apenas com apoio na Lei e na Constituição? É disso que se trata, de fazer uma opção entre sermos para sempre uma republiqueta atrasada, manipulada pelo arbítrio, ou uma nação pujante, moderna, plural, livre, na qual o respeito à cidadania seja um bem essencial.

Os advogados não compactuam com aqueles que teimam em agir fora das balizas normativas do Estado democrático de Direito. Sabem que não há convivência humana saudável sem cumprimento aos preceitos legais, nascidos sob influxo democrático. Todos os regimes totalitários iniciaram-se em torno de propósitos salvacionistas. Os déspotas sempre souberam o que era melhor para o seu povo. E, indistintamente, levaram nações inteiras ao declínio mais arrasador, sem liberdade e com o sacrifício imediato da Justiça. Ainda estamos longe disso, mas, sem alarmismo, é preciso extirpar esse câncer que se abateu sobre o nosso organismo estatal.

Temos que nos pôr a salvo de posições maniqueístas, fugir de classificações oportunistas entre combatentes do crime e defensores da criminalidade. Não se faz Justiça disseminando a prática contagiosa e epidêmica do desrespeito ao império da Lei.

Outubro de 2008

Associação dos Advogados de São Paulo