Livre comércio

União de nações sul-americanas está prevista na Constituição

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6 de outubro de 2008, 19h14

Historicamente, a política externa brasileira sempre foi orientada pelos interesses econômicos imediatos do país. Desse modo, em 1889, a recém-proclamada república buscou uma aproximação com o maior consumidor de seus produtos agrícolas, os Estados Unidos, e com seus tradicionais parceiros econômicos, os países europeus, especialmente a Inglaterra. De fato, até a década de 1940 o Brasil manteve certo equilíbrio diante das duas grandes potências industriais, tendo o seu alinhamento com os interesses norte-americanos passado a aumentar com a participação de soldados brasileiros na Segunda Guerra Mundial, ao lado das Forças Aliadas, e posteriormente com o Regime Militar de 1964, que impôs um alinhamento político, ideológico e diplomático com os ideais americanos.

Esse relacionamento, no entanto, foi abalado durante as gestões dos generais Ernesto Geisel e João Figueiredo, devido às declarações do governo norte-americano que apontavam para a existência de práticas de tortura no Brasil e ao esgotamento do milagre econômico brasileiro que, aliado à crise do petróleo de 1973, forçou o governo de Figueiredo a diversificar as relações exteriores nacionais, estabelecendo contato com países do Oriente Médio, Ásia e África.

Após a queda do regime militar, a Nova República acalentou a noção de que o Brasil deveria ser o líder dos países em desenvolvimento (dizia-se, à época, que seria melhor tentar ser o primeiro país do Terceiro Mundo, que buscar o posto de último país do Primeiro Mundo). E foi, provavelmente, orientados por essa visão, que os congressistas integrantes da Assembléia Nacional Constituinte de 1987, no parágrafo único do artigo 4º da Constituição Federal que viria a ser promulgada no ano seguinte, enunciaram o propósito brasileiro de perseguir a formação de uma “comunidade latino-americana de nações”, por meio da promoção da integração econômica, política, social e cultural entre os países da região. Não obstante, durante a maior parte das duas décadas subseqüentes, este dispositivo constitucional seria solenemente ignorado.

Pode-se apontar variadas razões para este paradoxo de proximidade geográfica e distância político-econômica latino-americana, entre as quais figuram a baixa densidade demográfica e a relativa defasagem de desenvolvimento econômico de boa parte da área fronteiriça brasileira. Certamente, se estados de maior dinamismo econômico fizessem fronteira com nossos vizinhos sul-americanos, a história das relações internacionais brasileiras seria um pouco diferente.

Com efeito, embora as fronteiras nacionais se estendam por 16.885 quilômetros (só não alcançando, na América do Sul, os territórios do Chile e do Equador) contra apenas 7.491 km de linha costeira, os interesses econômicos do Brasil sempre direcionaram a diplomacia nacional para além do Oceano Atlântico, buscando, como quase todos os mercados emergentes, firmar acordos com grandes potências econômicas, tais como os Estados Unidos, Japão, União Européia e, mais recentemente, a China.

Visto que nossos hermanos latino-americanos, na maioria dos casos, encontravam-se em situação semelhante, muitos países dessa região das Américas buscaram o mesmo, destinando, pois, poucos esforços para promover parcerias regionais – as quais, de qualquer forma, não resultariam tão lucrativas como aquelas celebradas com o exterior. Mesmo no campo sócio-cultural, no qual a proximidade geográfica e a colonização ibérica justificariam uma aproximação maior entre eles, muito pouco foi feito.

Após décadas de relativo afastamento, porém, a política externa nacional que vem sendo desenvolvida pelo governo do presidente Luís Inácio Lula da Silva buscou privilegiar, ao longo destes dois mandatos, a questão da integração sul-americana. De acordo com o ministro das Relações Exteriores, Celso Amorim, esta aproximação é na verdade um imperativo econômico, posto que “se olharmos a médio e longo prazo, os Estados Unidos são um bloco eles próprios, a China é um grande bloco sozinha. Mas o Brasil sozinho não é um bloco. Daí a importância da integração sul-americana. A gente terá muito mais peso nesses embates internacionais se a América do Sul estiver junto com a gente”.

Assim, impulsionados pela diplomacia brasileira, os presidentes do Chile, Guiana, Suriname e dos países que integram a Comunidade Andina de Nações e o Mercosul formalizaram, no dia 23 de maio deste ano, num encontro em Brasília, a criação da União de Nações Sul-Americanas (Unasul), anteriormente designada por Comunidade Sul-Americana de Nações, que será uma zona de livre comércio continental, concebida nos moldes da União Européia.

Espera-se que esta união transforme parcerias estratégicas realizadas com economias de grande porte — há, por exemplo, um acordo sendo articulado com a China — em relações menos assimétricas, e permita que o bloco, ao negociar em conjunto, adquira mais poder nas negociações da Organização Mundial do Comércio. De acordo com Gilberto Dupas, coordenador-geral do Grupo de Conjuntura Internacional da Universidade de São Paulo, “o momento é estratégico. Os líderes da América do Sul precisam ter a sensibilidade de perceber que a união de suas forças trará mais vantagens para todos do que desvantagens para cada país, individualmente”.

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