Morte por latrocínio

TJ-PR condena homem que matou jornalista Giordani Rodrigues

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6 de outubro de 2008, 20h26

Renilton Xavier de Souza, 35 anos, foi condenado a 20 anos de prisão pela morte do jornalista Giordani Rodrigues, criador do site InfoGuerra e assassinato por asfixia em abril de 2006. A decisão é do Tribunal de Justiça do Paraná que, em 28 de agosto, manteve a condenação por latrocínio.

Quando foi preso, Souza confessou a autoria do assassinato. No entanto, alegou que a morte aconteceu por um acidente durante uma briga em que o jornalista o ameaçou com uma faca. Depois de matar o jornalista, ele roubou uma jaqueta de couro, um aparelho celular e um binóculo.

Segundo Souza, ele conheceu Giordani em uma boate e no mesmo dia foram ao apartamento do jornalista. Afirmou que agiu em legítima defesa, depois de ser ameaçado pelo jornalista.

A alegação não foi aceita pelo desembargador Miguel Pessoa, da 4ª Câmara Criminal do TJ do Paraná. “A prova dos autos é robusta em sentido diverso, desde o início o objetivo do acusado foi de auferir vantagem ilícita e a morte da vítima lhe permitiu a liberdade em subtrair valores e bens, caracterizando o latrocínio. O fato de ter a vítima sofrido um colapso cardíaco em decorrência da agressão perpetrada, perdendo a vida antes de consumada a esganadura comprovadamente praticada e confessada é circunstância que absolutamente não altera a caracterização do tipo penal atribuído na inicial acusatória”, anotou o relator.

Três dias antes de sua morte, Giordani recebera em São Paulo, o prêmio SecMaster2005, oferecido pela publicação Security Week, na categoria Melhor Contribuição Jornalística, pelo trabalho que desenvolveu durante cinco anos como editor do site InfoGuerra.

Ele era o mais preparado jornalista brasileiro em matéria de segurança, privacidade e cibercrimes. Em diversas ocasiões Giordani orientou a revista Consultor Jurídico sobre as melhores opções de segurança e como reagir em casos em que o site foi alvo de “invasores”. A sua morte deixou um vácuo grande, em especial na sua especialidade.

Ele foi uma peça fundamental na fundação da Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo, com seus conhecimentos precisos de ferramentas da internet, que não hesitava em compartilhar. Giordani graduou-se em jornalismo pela Universidade Federal do Paraná. Era também diretor de Imprensa e Relações Públicas da Associação Brasileira de Direito e Tecnologia da Informação, colunista de tecnologia da revista Homem Vogue e colaborador do Terra Informática. Ele foi co-autor do livro Internet Legal — O Direito na Tecnologia da Informação.

Leia a decisão

APELAÇÃO CRIME Nº 430.060-3

7ª VARA CRIMINAL DO FORO CENTRAL DA COMARCA DA REGIÃO METROPOLITANA DE CURITIBA

Apelante: MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO PARANÁ

Assistente de Acusação: MARIA CARMENLEDA SIMÕES RODRIGUES

Apelado: RENILTON XAVIER DE SOUZA

Relator: Des. MIGUEL PESSOA

LATROCÍNIO. CONJUNTO PROBATÓRIO APTO A ENSEJAR O DECRETO CONDENATÓRIO. PROVAS COLHIDAS NA INSTRUÇÃO HARMÔNICAS E COERENTES ENTRE SI. NEXO DE CAUSALIDADE, ENTRE A CONDUTA DO AGENTE E O RESULTADO, MORTE. INFARTO AGUDO DO MIOCÁRDIO NO MOMENTO EM QUE A VÍTIMA SOFRIA ESGANADURA. CONCAUSA CONCOMITANTE RELATIVAMENTE INDEPENDENTE NÃO QUEBRA O NEXO DE CAUSALIDADE. ‘ANIMUS NECANDI’ COMPROVADO. SENTENÇA REFORMADA.

RECURSO PROVIDO.

1- Causa concomitante relativamente independente não quebra o nexo de causalidade, devendo o agente responder pelo resultado naturalístico causado. Inteligência do artigo 13 do Código Penal.

2- Havendo nexo de causalidade entre a conduta do agente e o resultado naturalístico a condenação é medida de rigor. O réu que causa um risco proibido a um bem juridicamente tutelado, responde pelos danos causados a ele. No caso em tela, a morte da vitima em decorrência de infarto no momento em que estava sendo asfixiada pelo agente é causa relativamente independente que não exclui o nexo causal entre a conduta do réu e o resultado. Dolo comprovado.

VISTOS, relatados e discutidos estes autos de Apelação Crime n. 430.060-0, da 7ª Vara Criminal do Foro Central da Comarca da Região Metropolitana de CURITIBA, em que é apelante: MINISTÉRIO PÚBLICO e apelado: RENILTON XAVIER DE SOUZA.

RELATÓRIO

RENILTON XAVIER DE SOUZA foi denunciado perante o Juízo da 7ª Vara Criminal do Foro Central da Comarca da Região Metropolitana de Curitiba, no artigo 157, parágrafo III do Código Penal, pela pratica do seguinte fato delituoso assim narrado na inicial acusatória:

“No dia 1° de Abril de 2006, por volta das 06:00 horas, no interior do apartamento localizado na Rua Maurício Nunes Garcia, n° 310, apto 201, Bairro Jardim Botânico, nesta Capital, o denunciado RENILTON XAVIER DE SOUZA, de livre vontade e ciente da reprovabilidade de sua conduta, agindo com o inequívoco ânimo de assenhoreamento definitivo, a convite da vítima dirigiu-se ao apartamento de Giordani Rodrigues, onde mediante violência física, rendeu a vítima, comprimiu-lhe o pescoço, produzindo-lhe as lesões descritas no laudo de necropsia fls. 103/103/v e subtraiu, para si, 01 (uma) jaqueta de couro, cor preta, 01 (um) aparelho celular e 01 (um) binóculo, avaliados em R$ 400,00 (quatrocentos reais – cf. Auto de Avaliação fls. 78), objetos de propriedade da vítima acima referida”.


Devidamente instruído o feito, sobreveio a sentença de fls. 234/252 que julgando parcialmente procedente a denúncia condenou o réu no artigo 157, ‘caput’ do Código Penal, a pena de 04 (quatro) anos de reclusão a ser cumprida em regime aberto e 20 dias-multa, com o valor diário de 12,00 (doze reais).

O Juiz Luiz Taro Oyama, na sentença substituiu a pena privativa de liberdade por restritivas de direito, consistente na prestação de serviços à comunidade pelo período de 04 (quatro) anos, em local a ser designado pela Vara de Execuções Penais e prestação pecuniária consistente no pagamento de 01 (um) salário mínimo à entidade pública ou privada, também a ser designada pela VEP.

Inconformado, o MINISTÉRIO PÚBLICO apelou da r. sentença às fls. 273/281 pleiteando a condenação do réu no artigo 157, § 3° do Código Penal (latrocínio).

A assistente de acusação apelou às fls. 313/322 requerendo a condenação do réu pelo crime de latrocínio.

Apresentadas as contra-razões pela defesa (fls. 283/289), os autos vieram a este Tribunal de Justiça e após, autuado o recurso, aberto vista à d. Procuradoria Geral de Justiça que emitiu parecer pelo conhecimento, bem como pelo provimento do recurso.

VOTO

O recurso é tempestivo e reúne todos os requisitos de admissibilidade, pelo que deve ser conhecido.

Do mérito:

Sustenta o representante do MINISTÉRIO PÚBLICO em seu apelo, a existência de provas aptas a apontar que o réu, através da violência utilizada contra a vítima para subtrair seus bens, foi o causador de sua morte.

Não há discussão a respeito da materialidade do crime, que se consubstancia no Boletim de Ocorrência de fls. 08/09, Auto de Exibição e Apreensão de fls. 33, Certidão de Óbito de fls. 40. Auto de Reconhecimento Fotográfico de fls. 44, Laudo do Exame de Lesões Corporais de fls. 93, laudo de Exame de Necropsia de fls. 108/108-verso, Laudo de Exame de Local de Morte de fls. 179/186-verso.

A autoria do fato descrito na denúncia é certa e recai sobre o apelado. Ele mesmo confirma parcialmente a acusação.

É certo que o crime de latrocínio se configura com a morte da vitima causada por violência empregada pelo agente, para a subtração de bens pertencentes a ela. No caso em análise está devidamente comprovado que o réu ingressou na residência da vitima após convite e momentos depois, apertou-lhe o pescoço até que Giordani Rodrigues desmaiasse.

A análise conjugada da prova obtida na fase indiciária com a produzida no decorrer da instrução permite a conclusão de que o apelado já teria planejado o crime.

Na polícia o réu disse (fls. 71/72):

“… que o interrogado em data de 01/04/06, sozinho, foi pela segunda vez na Boate 1001, conhecida como “Boate Gay”, localizada na rua Dr. Muricy, Centro, Capital; chegando lá, por volta das 04:00 horas da manhã, pediu um Wiski com Guaraná e ficou por ali, quando então, foi abordado por um rapaz, que começou a conversar, bater papo, o qual se identificou pelo nome de Giordani; que não demorou muito, ele o convidou para ir ao apartamento dele tomar cerveja e ouvir música, localizado numa rua desconhecida no Jardim Botânico; que chegando lá, continuaram a conversa, tomou um gole de coca, enquanto Giordani disse que iria tomar um banho, mas de repente, voltou semi nu e voltou tentando abraçar o interrogado, convidando-o para um programa sexual; que o interrogado o empurrou, dizendo que não fazia aquele tipo de coisa e que iria embora; que foi até a porta, a qual estava trancada; que pediu para abri-la, mas Giordani veio pra cima do interrogado abraçando-a e puxando-o em direção do quarto; que chegando no quarto, Giordani o empurrou para cama, quando então o interrogado o empurrou contra a parede e disse que queria ir embora; que Giordani disse que iria pegar possivelmente a chave e já retornaria para o quarto; que ele saiu e voltou em seguida, porém, empunhando uma faca na linha da cintura para intimidar o interrogado, vindo ao encontro do interrogado, levando a faca contra o interrogado que reagiu, indo de encontro a Giordani, agarrando a faca e se abraçando á ele, de modo a conseguir colocar as duas mãos no pescoço, logo após tomar-lhe a faca; que naquele momento o interrogado, com tanta raiva, apertou o pescoço de Giordani, o qual tentando reagir, acabou por arranhar o interrogado nas mãos, pescoço e nariz, bem como machucando-o a mão direita do interrogado, quando o mesmo agarrou a faca; que apertou-lhe o pescoço com tanta raiva, não sabendo dizer por quanto tempo, quando então, o agressor, bastante alcoolizado, com a mesma compleição física do interrogado, começou a “amolecer” e, assustado, o soltou, vindo o mesmo a cair na cama; que o interrogado imaginou que ele desmaiou, correu até o banheiro, lavou o rosto e as mãos sujas de sangue proveniente dos ferimentos com a faca; que antes de sair do prédio, vestiu uma jaqueta de corvin de cor preta e uma camiseta de regata de cor preta, tipo “toda furadinha” e uma calça de cor clara, pertencentes a vítima e, as vestiu logo em seguida, saiu do prédio; que lembra que pegou a carteira porta documentos da vítima, lembra que não tinha talão de cheques e, 01 aparelho de telefone celular meio usado, não sabe dizer a marque, assustado,, jogou fora;…; que subtraiu também um binóculo, também jogando-o fora, no lixo …”.


Em Juízo (fls. 128/130), apresentou versão diversa, afirmando:

“… recebendo o convite do Studio 1001, na noite de 5ª para 6ª feira esteve no local e conheceu Jordani, que passou a conversar com o interrogado e na saída ele convidou para que fosse até a casa dele tomar cerveja; embarcaram num táxi e como ele não tinha dinheiro, parou num posto de combustível, onde ele pagou o combustível e comprou duas garrafas de cerveja; chegando no apartamento, não imaginou que Jordani fosse homossexual e ele tirou a camisa e abraçou o interrogado, querendo manter relações sexuais e disse para ele que não faria isso e pediu para se retirar; também pediu um copo de água, mas Jordani voltou a abraçá-lo e não querendo empurrou-o contra a parede; Jordani pediu para que saísse e chegando na porta a chave não estava no local; Jordani foi até a cozinha e voltou com uma faca com serrinha e sentindo-se ameaçado, com a mão direita segurou a faca e com a esquerda apertou o pescoço, sendo que Jordani com a outra mão pegou seu pescoço e quando conseguiu soltar a faca, ele agarrou seu pescoço e o interrogado apertou o pescoço dele com as duas mãos e viu que ele perdeu as forcas e achou que tivesse desmaiado; como a blusa e camisa estavam sujas de sangue, pegou uma camiseta e jaqueta de Jordani e na hora de sair pegou celular, carteira ,e binóculo de Jordani e jogou numa lata de lixo na praça Rui Barbosa; 30 dias antes dos fatos encontrou-se com Jordani na Rua XV, onde tomaram cerveja e fizeram um lanche; não sabia que o Studio 1001 era uma danceteria para homossexuais”.

A testemunha Renata Guerra Moraes, ouvida em Juízo às fls. 164 disse:

“na noite do dia 30 de março, para comemorar o aniversário do amigo, esteve na companhia de Giordani, num grupo de aproximadamente 15 pessoas; depois do aniversário foram na Boate 1001, situada na Rua Dr. Muricy, que é freqüentada por homossexuais e lá Giordani conheceu um rapaz, onde dançaram e viu eles se abraçando e se beijando; a depoente convidou Giordani para ir embora, mas ele disse que iria com outra moça, mas no final ele acabou indo embora com o rapaz que conheceu na boate, que é o acusado Renilton …”.

Clenice Dziecinni, testemunha ouvida às fls. 166 também confirma ter visto a vítima e o réu se abraçando e se beijando no bar.

Dessa forma cai por terra a afirmação do apelado de que não sabia que o bar era freqüentado por homossexuais e de que não sabia que a vítima seria homossexual. Da mesma forma se contradisse quando relatou que conheceu a vitima no bar, pois afirmou em juízo ter se encontrado com ela 30 dias antes do fato, quando tomaram um lanche na Rua XV.

Tais contradições apontam para uma tentativa inócua de se esquivar de sua responsabilidade.

Saliento ainda que o Laudo de Exame de Necropsia de fls. 186/186-verso constatou lesões na região da pálpebra da vitima o que indica que foi espancada antes de sofrer a esganadura.

Presente está o nexo de causalidade entre a conduta agente e o resultado produzido, visto que o réu, de maneira dolosa, criou um risco de produzir a morte. O forte abalo emocional, a falta de ar decorrente da esganadura, as lesões corporais, a grave ameaça, o temor que a vítima sofreu foram causadas pelo apelado.

Conforme se vê do Laudo de Necropsia a morte da vítima foi causada por infarto agudo do miocárdio (fls. 186-verso).

Às fls. 209, em resposta às informações requisitadas pelo representante do Ministério Público, os experts informaram ser possível afirmar, com base nos achados anátomo-patológicos (marcas de lesões encontradas nas vítimas) que o infarto do miocárdio apontado como a causa mortis ter sido causada pela violência sofrida por ela.

Por conseguinte, pode-se concluir que a conduta do réu deu causa ao resultado morte, pois o ato de asfixia, juntamente com todas as circunstâncias do fato, foi à causa do problema cardíaco sofrido pela vítima. Eliminando-se a conduta do autor, a vítima não viria a falecer.

Consoante a doutrina pátria, deve-se enquadrar a situação fática da vítima sofrer parada cardíaca no momento da esganadura, levando-a ao falecimento posterior, como uma concausa ou causa concomitante relativamente independente. Causa esta, que não quebra o nexo de causalidade, devendo o agente responder pelo resultado naturalístico causado.

Pode-se inferir pela leitura do art. 13, § 1o, do CP que a concausa concomitante não desfaz o nexo causal da relação. Esse dispositivo estabelece que somente as causas relativamente independentes supervenientes, que por si só produzem o resultado, é que quebram o nexo de causalidade.

Sobre essa matéria, vale a pena transcrever os ensinamentos do renomado autor Julio F. Mirabete:

“O dispositivo mantém na legislação penal a teoria da equivalência das condições ou equivalência dos antecedentes. Não se distingue entre causa (aquilo que uma coisa depende quanto à existência e condição (o que permite à causa produzir seus efeitos, seja positivamente a título de instrumento ou meio, seja negativamente, afastando os obstáculos). As forças concorrentes equivalem-se e sem uma delas o fato não teria ocorrido (conditio sine qua non). Todos os fatos que concorrem para a eclosão do evento devem ser considerados causa deste. Basta que a ação tenha sido condição para o resultado, mesmo que tenha concorrido para o evento outros fatos, a ação é causa e o agente é causador dele.Para que se possa reconhecer se a condição é causa do resultado, utiliza-se o processo hipotético de eliminação, segundo o qual causa é todo antecedente que não pode ser suprimido in mente sem afetar o resultado.1” (grifo nosso)


Dominantemente, entende-se que a lei só admite a quebra do nexo causal quando a causa relativamente independente provocadora do resultado for superveniente, ou seja, faz-se uma interpretação restritiva da norma.

Com efeito, ao exame da lei, a mesma menciona propositalmente, com exclusividade, a causa relativamente independente, podendo se concluir que a teleologia da norma é a exclusão das causas relativamente independentes preexistentes e concomitantes. Assim, é razoável pensar que não há omissão involuntária no artigo 13, § 1o, do CP.

Portanto, o agente não deixa de ser imputável quando para a produção do resultado, tenha-se aliado a sua ação, uma concausa concomitante.

Ademais, ao analisar a finalidade do agente ao resultado, segundo a descrição típica do latrocínio, pode-se inferir que o réu tinha o animus de consumar o homicídio para assim efetuar a subtração patrimonial, produzindo, portanto, o resultado naturalístico morte e a subtração dos bens patrimoniais da vítima.

Pela teoria da imputação objetiva o réu realizou uma conduta criadora de um relevante risco juridicamente proibido e a produção de um resultado jurídico, ou seja, o réu pela sua conduta produziu um resultado naturalístico danoso tipificado no ordenamento jurídico como crime, nesse caso um crime complexo, o latrocínio.

A imputação objetiva se apresenta como um complemento corretivo das teorias causais. A imputação de um fato é a relação entre acontecimento e vontade. Significa, na verdade, atribuir juridicamente a alguém a realização de uma conduta criadora de um relevante risco proibido e a produção de um resultado jurídico.

Claus Roxin é o idealizador dessa teoria. De acordo com a teoria da imputação objetiva, o comportamento e o resultado normativo só podem ser atribuídos ao sujeito quando a conduta criou ao bem (jurídico) um risco juridicamente desaprovado e relevante; o perigo realiza-se no resultado. O evento é considerado no sentido normativo ou jurídico e não naturalístico e o alcance do tipo incriminador abrange o gênero de resultado produzido. Nesse sentido, nossos Tribunais Superiores já começam a aplicar essa teoria:

STJ: (DECISÃO DO ÓRGÃO JULGADOR) NÃO, CONHECIMENTO, PARTE, RECURSO ESPECIAL, PARA, APRECIAÇÃO, MATÉRIA DE FATO, OBJETIVO, DETERMINAÇÃO, NEXO DE CAUSALIDADE, ENTRE, CONDUTA, RECORRENTE, E, RESULTADO, MORTE / HIPÓTESE, HOMICÍDIO CULPOSO NA DIREÇÃO DE VEÍCULO AUTOMOTOR; EXISTÊNCIA, DISCUSSÃO, REFERÊNCIA, SITUAÇÃO FÁTICA, EMBRIAGUEZ, RECORRENTE, EXCESSO DE VELOCIDADE, FALTA, CUIDADO, CONDUÇÃO, VEÍCULO AUTOMOTOR, E, VÍTIMA, NÃO, UTILIZAÇÃO, CINTO DE SEGURANÇA / APLICAÇÃO, SÚMULA, STJ, REFERÊNCIA, IMPOSSIBILIDADE, APRECIAÇÃO, MATÉRIA DE FATO. POSSIBILIDADE, TRIBUNAL A QUO, ÂMBITO, APELAÇÃO CRIMINAL, REDUÇÃO, PENA PRIVATIVA DE LIBERDADE, COM, MANUTENÇÃO, MESMA, PENA DE MULTA, FIXAÇÃO, EM, PRIMEIRA INSTÂNCIA / HIPÓTESE, PRETENSÃO, RECORRENTE, REDUÇÃO, MULTA SUBSTITUTIVA / INEXISTÊNCIA, EQUIVALÊNCIA, ENTRE, PENA DE MULTA, E, PENA PRIVATIVA DE LIBERDADE; NECESSIDADE, APLICAÇÃO, INTERPRETAÇÃO LÓGICA, E, INTERPRETAÇÃO SISTEMÁTICA, ARTIGO, CÓDIGO PENAL; OBSERVÂNCIA, JURISPRUDÊNCIA, STJ. (CONSIDERAÇÕES DO MINISTRO) (MIN. GILSON DIPP) NÃO OCORRÊNCIA, RISCO PERMITIDO / HIPÓTESE, CONDENAÇÃO, RECORRENTE, HOMICÍDIO CULPOSO NA DIREÇÃO DE VEÍCULO AUTOMOTOR; RECORRENTE, ALEGAÇÃO, EXCESSO DE VELOCIDADE, APENAS, EM PEQUENA QUANTIDADE; RECORRENTE, DESCUMPRIMENTO, ORDENAMENTO JURÍDICO, MOTIVO, EMBRIAGUEZ, EXCESSO DE VELOCIDADE, FALTA, CUIDADO, CONDUÇÃO, VEÍCULO AUTOMOTOR, MOMENTO, ACIDENTE DE TRÂNSITO / OCORRÊNCIA, REQUISITO, PARA, APLICAÇÃO, TEORIA DA IMPUTAÇÃO OBJETIVA; CARACTERIZAÇÃO, RISCO PROIBIDO; BEM JURÍDICO, OBJETO, PROTEÇÃO, TIPO PENAL, ABRANGÊNCIA, RESULTADO, DELITO.

I. De acordo com a Teoria Geral da Imputação Objetiva o resultado não pode ser imputado ao agente quando decorrer da prática de um risco permitido ou de uma ação que visa a diminuir um risco não permitido; o risco permitido não realize o resultado concreto; e o resultado se encontre fora da esfera de proteção da norma.

II. O risco permitido deve ser verificado dentro das regras do ordenamento social, para o qual existe uma carga de tolerância genérica. É o risco inerente ao convívio social e, portanto, tolerável.

III. Hipótese em que o agente agiu em desconformidade com as regras de trânsito (criou um risco não permitido), causando resultado jurídico abrangido pelo fim de proteção da norma de cuidado – morte da vítima, atraindo a incidência da imputabilidade objetiva.

IV. As circunstâncias que envolvem o fato em si não podem ser utilizadas para atrair a incidência da teoria do risco permitido e afastar a imputabilidade objetiva, se as condições de sua aplicação encontram-se presentes, isto é, se o agente agiu em desconformidade com as regras de trânsito, causando resultado jurídico que a norma visava coibir com sua original previsão.


V. O fato de transitar às 3 horas da madrugada e em via deserta não pode servir de justificativa à atuação do agente em desconformidade com a legislação de trânsito. Isto não é risco permitido, mas atuação proibida.

VI. Impossível se considerar a hipótese de aplicação da teoria do risco permitido com atribuição do resultado danoso ao acaso, seja pelo fato do agente transitar embriagado e em velocidade acima da permitida na via, seja pelo que restou entendido pela Corte a quo no sentido de sua direção descuidada.

VII. A averiguação do nexo causal entre a conduta do réu, assim como da vítima, que não teria feito uso do cinto de segurança, com o resultado final, escapa à via especial, diante do óbice da Súmula 07 desta Corte se, nas instâncias ordinárias, ficou demonstrado que, por sua conduta, o agente, em violação ao Código de Trânsito, causou resultado abrangido pelo fim de proteção da norma de cuidado.

VIII. Não há simetria entre a pena pecuniária substitutiva e a quantidade da pena privativa de liberdade substituída.

IX. Recurso parcialmente conhecido e desprovido.

STJ. RESP 822517. QUINTA TURMA. Data da decisão: 12/06/2007. DJ: 29/06/2007. PÁGINA:697. Relator GILSON DIPP Os Srs. Ministros Arnaldo Esteves Lima, Napoleão Nunes Maia Filho e Felix Fischer votaram com o Sr. Ministro Relator. (grifo nosso)

Conclui-se que os atos praticados pelo réu produziram um risco proibido pela norma e o resultado (morte) que ocorreu na presença de uma concausa concomitante relativamente independente (infarto agudo do miocárdio) não impede a imputação do crime de latrocínio.

Com a devida vênia do ilustre prolator da sentença recorrida, outra conclusão não se pode colher da prova dos autos. Inquestionável ter o réu encontrado a vítima em uma boate gay e aceito o convite de um programa no apartamento dela. A desproporção física entre os dois era importante. Enquanto o réu tem 1,70 m de altura e peso de 70 kg, (fls. 70), musculoso segundo as testemunhas, inclusive na ocasião ostentando o porte físico usando camiseta regata, a vítima era franzina, medindo 1,60 m de altura e pesando 55 kg. A alegação do acusado de que a desavença entre ambos ocorreu pelo fato da vítima pretender relacionamento sexual com ele, surpreendendo-o, pois não imaginou que Jordani fosse homossexual, é risível e não merece qualquer crédito. Note-se o horário, entre 4 a 5 horas da madrugada, se desenrolaram os acontecimentos.

Fato comprovado ter o réu agredido fisicamente a vítima com muita violência, bastando verificar as fotos inseridas aos autos com o Laudo de Exame de Local de Morte de fls. 179/185. Apresenta séria lesão por contusão no olho esquerdo e face, sinais de lesão no pescoço e no nariz.

Se a vítima usou a faca como alega o acusado, por evidente tentou se defender, sem qualquer sucesso. O próprio réu afirma que apertou o pescoço da vítima sufocando-a e só largou quando esta parou de oferecer resistência. Os arranhões que apresentou no rosto e pescoço são evidência da tentativa da vítima em dele se desvencilhar quando estava sendo esganada após o evidente espancamento sofrido.

Após a vítima cair morta, o réu demonstrando frieza utilizou o apartamento dela para se lavar, trocar de roupa, escolhendo dentre as peças do guarda-roupas do morto, apanhando ainda a carteira, o celular e um binóculos.

Ao desclassificar o crime para roubo simples, a sentença não cuidou do homicídio. Caso entendesse plausível a versão do réu haveria de desclassificar o crime para homicídio decorrente de desentendimento entre os envolvidos a ser avaliado pelo Tribunal do Júri e furto decorrente da subtração dos pertences.

A prova dos autos é robusta em sentido diverso, desde o início o objetivo do acusado foi de auferir vantagem ilícita e a morte da vítima lhe permitiu a liberdade em subtrair valores e bens, caracterizando o latrocínio. O fato de ter a vítima sofrido um colapso cardíaco em decorrência da agressão perpetrada, perdendo a vida antes de consumada a esganadura comprovadamente praticada e confessada é circunstância que absolutamente não altera a caracterização do tipo penal atribuído na inicial acusatória.

Dessa forma, comprovado o nexo de causalidade entre a conduta e o resultado, visto que o comportamento doloso do agente criou um risco de produzir a morte e se realizou no resultado naturalístico, condeno o réu no artigo 157 § 3° do Código Penal.

Assim passo a análise da dosimetria da pena do réu RENILTON XAVIER DE SOUZA.

1- Circunstâncias Judiciais (artigo 59 do Código Penal):

Culpabilidade: Nesse aspecto, o grau de reprovabilidade da conduta do réu foi normal para a espécie do crime perpetrado. Em que pese à gravidade dos fatos aqui tratados, não há nos autos elementos aptos a serem valorados em especial desfavor do réu.

Antecedentes: o réu não é possuidor de maus antecedentes.

Conduta Social: caracteriza-se pela análise do comportamento do réu no meio social em que vive (familiar, profissional, social). No caso em tela, não há elementos para serem analisados nesse aspecto.

Motivos do crime: Inerentes ao crime cometido. A busca do lucro em detrimento do patrimônio e à vida alheios.

Conseqüências: a morte da vitima está inserida no tipo penal e não pode ser valorada em desfavor do réu, sob pena de bis in idem.

Circunstâncias: Muito embora sejam graves, é normal ao tipo penal em questão. Valeu-se da carência afetiva da vítima para entrar no apartamento.

Comportamento da vítima: A vítima em nada influiu na conduta do agente. A sua ingenuidade custou-lhe a vida.

Ante o exposto, fixo a pena base mínimo legal, 20 (vinte) anos reclusão e 10 (dez) dias-multa.

2- Circunstâncias atenuantes e agravantes:

Não milita em favor do réu nenhuma agravante ou atenuante.

Anoto que o réu confirmou parcialmente os fatos. Além de ser pacifico o entendimento que inexiste a incidência da atenuante na confissão incompleta é cediço que a referida atenuante não pode conduzir a pena para abaixo do mínimo legal. Inteligência da súmula 231 do STJ.

3- Causa especial de aumento e diminuição:

Não há nos autos causa especial de aumento e diminuição da pena.

Dessa forma, fixo em definitivo para o réu RENILTON XAVIER DE SOUZA a pena de 20 (vinte) anos de reclusão e 10 (dez) dias-multa.

Fixo o regime fechado para o inicio do cumprimento da pena privativa de liberdade e em 1/30 do valor do salário mínimo vigente a época dos fatos o valor do dia-multa.

Assim, CONCLUO por dar provimento ao Apelo interposto pelo representante do MINISTÉRIO PÚBLICO. Suficientemente provada a conduta típica do crime de latrocínio. Causa concomitante relativamente independente não quebra o nexo de causalidade. Conduta do agente criou um risco proibido que se realizou no resultado naturalístico (morte). Dolo comprovado. Condenação é medida de rigor.

Ante o exposto, dou provimento ao recurso.

DECISÃO

ACORDAM os Desembargadores integrantes da 4ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Estado do Paraná, por unanimidade de votos, em dar provimento ao Recurso.

Participaram da sessão de julgamento os Excelentíssimos Desembargadores: CARLOS HOFFMANN – Presidente sem voto, RONALD JUAREZ MORO, e o Juiz Convocado Dr. TITO CAMPOS DE PAULA.

Curitiba, 28 de agosto de 2008.

Des. MIGUEL PESSOA – Relator.

1 MIRABETE, Julio Fabbrini. Manual de Direito Penal. 17 ed. São Paulo: Atlas 2001.

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