Fiscal da lei

Constituição de 1988 colocou o MP na vida do brasileiro

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6 de outubro de 2008, 20h06

Há 20 anos, o Ministério Público vivia em estado permanente de esquizofrenia: de um lado, atuava como advogado do Estado; de outro, como fiscal da atuação de prefeitos, governadores e do presidente da República. Com a Constituição de 1988, essa disritmia acabou. Nasce um novo poder no Estado. Um Ministério Público autônomo, independente do Executivo, Legislativo ou do Judiciário. A instituição passa a ser fiscal da lei, defensora da democracia e dos direitos sociais e individuais indisponíveis.

Nenhuma outra instituição saiu tão fortalecida da Constituinte e, excessos à parte, soube aproveitar tão bem a oportunidade que recebeu.

Foi depois da Constituição e por obra do MP que a Ação Civil Pública entrou para o ordenamento jurídico brasileiro. A proteção do meio ambiente, até então de menor importância, tornou-se alvo de grande preocupação. A defesa das minorias também. Cegos, que tinham problemas em identificar o xampu e o condicionador durante o banho, conseguiram uma mudança nos frascos por meio de ação do MP. A saída do xampu continuou sendo pela parte de cima e a do condicionador passou a ser por baixo.

Com autonomia para trabalhar, independência financeira e institucional e abertura do campo de atuação, a instituição ganhou força e cresceu de tamanho e de importância. Ao Ministério Público foi dedicada a Seção I do Capítulo IV da Constituição Federal — artigo 127 a 130, que tratam das funções essenciais à Justiça. Antes mesmo da advocacia, cujo papel só é tratado no artigo 133 Constituição.

Mas não foi de mão beijada que promotores e procuradores conseguiram essa vitória. Os membros do MP exerceram o seu poder político. Elaboraram o projeto de um Ministério Público ideal e levaram para os deputados constituintes. A seção relativa ao MP foi redigida por um promotor, que chegou a ser presidente da Câmara do Deputados na época em que Fernando Collor de Mello foi cassado, o deputado Ibsen Pinheiro (PMDB-RS). O corpo-a-corpo também foi uma das medidas adotadas até a votação.

“Saímos de um sistema em que o controle da probidade administrativa e da moralidade era feito só por meio de Ação Popular. Esse fato representa mudança de cultura. Hoje, os atos da administração pública em geral são fiscalizados”, disse o procurador-geral de Justiça de São Paulo, Fernando Grella Vieira. Segundo ele, pode ter havido excessos na atuação, mas, no geral, é positivo o saldo desses 20 anos de atuação do Ministério Público.

“O resultado do trabalho foi útil para a sociedade”, afirmou Grella ao comemorar o fato de a instituição ter conseguido o direito de defender os interesses dos idosos, dos deficientes, da saúde pública, da educação, da infância e da juventude.

Na opinião do ministro do Superior Tribunal Militar, Flávio Bierrenbach, o Ministério Público se destacou durante os últimos 20 anos porque é a única instituição que exerce as funções previstas na Constituição Federal. E também porque o Legislativo não cumpre as suas missões. “Durante todos esses anos, quem legisla é o Executivo, com Medidas Provisórias. O Legislativo também não cumpre a sua função de fiscalizar o Executivo”, declarou o ministro, ao lembrar das inúmeras CPIs criadas e que não apresentaram resultados.

Como primeiro relator da proposta de convocação da Constituinte enviada ao Congresso Nacional por José Sarney, em 1985, Bierrenbach não entende o MP como um quarto poder. Mas como uma instituição que se organizou e “exerce com vigor as funções e prerrogativas que a Constituição Federal lhe deu”.

O advogado Antônio Carlos de Almeida Castro, o Kakay, diz que a autonomia da instituição Ministério Público fortaleceu o Judiciário e ajudou a arejar as estruturas democráticas. “A democracia cresceu com o MP”, afirmou. Mas lembrou também que todo órgão que cresce muito “enfrenta problemas sérios de identificação até atingir a maturidade”. Na análise do advogado, há apenas oito anos o MP deu um salto de qualidade e, a partir daí, começou realmente a agir.

Os excessos, apontados pela comunidade jurídica principalmente na apuração de crimes financeiros e fiscais em parceria com a Polícia Federal, devem ser fiscalizados pela advocacia, na opinião de Kakay. “Cabe aos advogados mostrar os excessos e podá-los.” No entanto, o advogado considera que o MP também deve olhar para si e combater os excessos internos com punição de seus integrantes, se necessário.

A procuradora Janice Ascari, há 16 anos na instituição, diz que, de 2005 para cá, o controle externo feito pelo Conselho Nacional do Ministério Público sobre a instituição é muito bom, não só nos casos disciplinares. Segundo ela, há atualmente fiscalização dos atos administrativos dos que exercem cargos de chefia. “A massa dos casos não é disciplinar. É administrativo e financeiro. Até então, não havia controle de delitos graves, como desvio de verbas.”

A principal conquista apontada pela procuradora com a promulgação da Constituição Federal de 1988 são as prerrogativas internas. “As prerrogativas são ferramentas de trabalho, garantias que trazem benefício para a própria sociedade”, declarou. Janice explica que é imprescindível ao promotor ter a garantia de que não sofrerá punições, represálias ou ser retirado do caso que investiga por motivos políticos.

Instituição permanente

O Ministério Público não foi a instituição que mais ganhou, na opinião do advogado Bernardo Cabral, relator da Assembléia Nacional Constituinte que elaborou a Constituição de 1988. “O que a Constituição fez questão de consagrar é que ele é instituição permanente, essencial à função jurisdicional do estado, incumbindo-lhe a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponível.”

Bernardo Cabral considera que a atuação do MP durante esses 20 anos foi eficiente “porque foi através do seu fortalecimento que se levou a efeito o combate sem trégua à corrupção”. Mas diz que é preciso ter cuidado com excessos.

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