Interrogatório virtual

Tecnologia fez sala de audiência virar programa televisivo

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4 de outubro de 2008, 0h00

Há um sábio ditado: o barato sai caro. Pois então. Com a coqueluche da internet, o Judiciário animou-se a pegar carona e o Legislativo viu no utilitarismo econômico a resposta para a crise de processos, de tempo e de dinheiro. Estava tudo resolvido. A sala de audiências virou um programa televisivo.

Mato Grosso, na esteira do ensaio de outros estados, não ficou pra trás: criou o interrogatório por videoconferência. Os advogados rechaçaram. Os partidários das novas tecnologias, com base no preço do deslocamento de pessoal e risco à segurança, justificavam o projeto, antes mesmo de ser aprovado e sancionado pelo governador. O acesso direto ao juiz, uma garantia constitucional das mais sensíveis, era restringido para que não houvesse “inconvenientes” financeiros e de segurança.

Denunciávamos a inconstitucionalidade. ‘Os juristas? Ora, os juristas! Estão sempre criando problemas’, dizem os governantes e alguns visionários da segurança. ‘Isso é papo de advogado que quer turbar o processo’, afirmavam muitos. Pois bem, após várias decisões do Supremo Tribunal Federal suspendendo o malabarismo jurídico-tecnológico, agora o Superior Tribunal de Justiça sepultou o tema.

No julgamento unânime do Habeas Corpus 98.422/SP, os ministros disseram o que os legisladores não quiseram ver e alguns juízes teimam em desconsiderar: “Justamente por não haver intermediários entre o acusado e o magistrado é que o ato se torna um importantíssimo meio de defesa. Desta forma, não é nem um pouco interessante instalar o sistema de interrogatório on-line nas varas criminais de nosso país. Com ele, o interrogatório perderá sua essência. O acesso completo à realidade que circunda os fatos dificilmente será percebido pelo Juiz ao utilizar este meio para ouvir as declarações do acusado. Também há outra indagação a ser feita: se o acusado estiver sofrendo agressões dentro do presídio, seja por parte de co-réu, seja por parte de policiais, será que ele teria coragem de relatar tais fatos ao Juiz, sendo que continua sob a estrita vigilância de seus agressores? Certamente, não haverá segurança para tal. Outra questão surge acerca da participação do defensor do acusado. Estando no Fórum, não terá contato direto com seu cliente. Estando com este no presídio, não poderá verificar como constou do termo a transcrição do interrogatório, e nem terá meios de assinar a ata da audiência”.

Essa emenda mato-grossense saiu pior que o soneto. É que a Constituição não está à venda. E se o custo e a segurança incomodam tanto, porque o juiz e o promotor não se deslocam para a penitenciária, devidamente escoltado? Os advogados o fazem constantemente. Não suja, não contamina, não mata. Estar próximo a miséria humana da prisão apenas pode incomodar.

O custo recua drasticamente. Como ficam as licitações de equipamentos, se a sugestão mais simples for acolhida? Ademais, para que perder tempo, dinheiro e atenção com quem já está preso, um quase-condenado? E quem disse que a função do processo é proteger bandido, não é mesmo? Pois então! É o primeiro caso de teleinconstitucionalidade.

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