20 anos da CF

Bosque dos constituintes não vingou, assim como revisão da carta

Autor

2 de outubro de 2008, 20h10

por Marcos Chagas e Iolando Lourenço da Agência Brasil

Na manhã de 4 de outubro de 1988, um dia antes da promulgação da Constituição, deputados e senadores da Assembléia Nacional Constituinte, com o presidente Ulysses Guimarães à frente, foram até uma área de cerrado, a alguns metros do Congresso Nacional, e plantaram 600 mudas de árvores, de 20 espécies diferentes, para formar o Bosque dos Constituintes, destinado a simbolizar o nascimento de uma era no país com a Carta Magna que a nação ganharia no dia seguinte.

A idéia era que os constutintes cuidassem das árvores para que elas se tornassem fortes e saudáveis, tal como se esperava que acontecesse com a nova Constituição do país. Mas, 20 anos depois, o bosque é apenas uma proposta que não deu certo, abandonado e esquecido desde aquela manhã de 1988 e desconhecido pelos atuais membros da Câmara e do Senado.

Cinco anos depois da promulgação do texto constitucional, em 1993 aconteceu algo parecido com a revisão constitucional prevista nas Disposições Transitórias da Carta Magna: ela foi “atropelada” pela Comissão Parlamentar de Inquérito que investigou a máfia do orçamento e não saiu do papel. Por isso, passados 20 anos da promulgação da Constituição, ainda existem artigos que dependem de regulamentação.

Desde a promulgação, o texto constitucional foi alterado 62 vezes. Além disso, tramitam na Câmara e no Senado mais de 100 propostas de emendas à Constituição e vários projetos destinados a regulamentar dispositivos constitucionais. Nem mesmo a emenda que regulamenta os repasses de recursos para a saúde – Emenda 29 – foi aprovada.

Outras normas aprovadas pelos 559 constituintes sequer entraram em vigor, por falta de regulamentação e viabilidade. É o caso do tabelamento dos juros bancários em, no máximo, 12% ao ano: o Supremo Tribunal Federal julgou improcedentes as ações diretas de inconstitucionalidade que pediam a limitação dos juros cobrados pelas instituições financeiras.

Como resultado da queda de braço sobre o sistema de governo que passaria a vigorar, segundo muitos constitucionalistas, acabou-se por elaborar um texto constitucional com características parlamentaristas, mantendo-se, ao final, o presidencialismo como sistema de governo. Esse fato gera até hoje reclamações no Parlamento. O instituto da medida provisória, tipicamente de um sistema parlamentar de governo, dá poderes ao presidente da República de assumir prerrogativa de legislar, atropelando as atribuições congressuais.

A convocação da Assembléia Nacional Constituinte foi uma das promessas da Carta Compromisso que homologou a aliança do PMDB com a Frente Liberal para eleger Tancredo Neves e José Sarney, na última eleição indireta do país. Ela começou a tornar-se realidade em outubro de 1985, quando o presidente José Sarney encaminhou ao Congresso a Proposta de Emenda Constitucional 26.

Em 1986, os deputados e senadores foram eleitos após meses de debates para decidir se a Assembléia Constituinte seria exclusiva ou vinculada aos mandatos dos parlamentares. Venceu a segunda tese, chamada de Constituinte congressual. Em 1º de fevereiro de 1987, a Constituinte foi instalada, com a eleição de Ulysses Guimarães para a presidência, fazendo com que as dependências do Parlamento se tornassem o foco das demandas sociais.

As pressões de praticamente todos os segmentos da sociedade para garantir direitos e vantagens no texto constitucional foram lembrada por Ulysses em seu discurso de encerramento dos trabalhos:

“A participação foi também pela presença, pois diariamente cerca de dez mil postulantes franquearam livremente as 11 entradas ao enorme complexo arquitetônico do Parlamento, na procura dos gabinetes, comissões, galeria e salões. Há, portanto, representativo e oxigenado sopro de gente, de rua, de praça, de favela, de fábrica, de trabalhadores, de cozinheiras, de menores carentes, de índios, de posseiros, de empresários, de estudantes, de aposentados, de servidores civis e militares, atestando a contemporaneidade e autenticidade social do texto que ora passa a vigorar”.

Tamanho número de demandas e propostas gerou freqüentes embates nas comissões temáticas e em plenário. O maior deles foi a votação, pelo Plenário Constituinte, do sistema de governo (presidencialista ou parlamentarista) e do tempo de mandato do presidente da República (quatro ou cinco anos).

A duração do mandato presidencial foi a única votação que reuniu os 559 constituintes. Venceu a emenda do senador Humberto Lucena (PMDB-PB), mantendo o presidencialismo com um mandato de cinco anos para o presidente José Sarney e de quatro para os presidentes que seriam eleitos pelo voto direto, a partir de 1989.

Dos parlamentares constituintes, 41 ainda exercem mandatos na Câmara e cinco no Senado. Itamar Franco, Fernando Henrique Cardoso e Luiz Inácio Lula da Silva tornaram-se presidentes da República, submetendo-se às regras constitucionais que ajudaram a elaborar. À frente dos governos estaduais, hoje, estão os constituintes José Serra (São Paulo), Aécio Neves (Minas Gerais), Luis Henrique da Silveira (Santa Catarina), Marcelo Miranda (Tocantins) e Teotônio Vilela Filho (Alagoas).

(O bosque mencionado, semanas depois da publicação deste texto, foi resgatado pela Câmara e transformado em um parque multiuso)

Tags:

Encontrou um erro? Avise nossa equipe!