Grampos telefônicos

Senhas de acesso irrestrito a telefones são dadas desde 2003

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1 de outubro de 2008, 18h41

Operadoras de telefonia celular fornecem a autoridades policiais e judiciais senhas para acesso irrestrito ao cadastro e histórico de ligações feitas e recebidas por usuários rotineiramente. Ou seja: a quebra do sigilo telefônico é praticada sem um rigor especial, o que abre espaço para uso diverso do alegado no pedido — como se tem visto em muitas investigações.

Esta temeridade não é nova. É velha, corriqueira, e consta de documentação oficial. É o que demonstram documentos obtidos pela revista Consultor Jurídico. Os documentos constam de uma das ações penais (APN 130) apensa ao inquérito da Operação Anaconda — que, em outubro de 2003, levou à cadeia o ex-juiz federal João Carlos da Rocha Mattos, sob acusação de comandar uma suposta quadrilha de venda de sentenças judiciais.

Um deles, de 88 linhas, é datado de 15 de julho de 2004. Trata-se de ofício em que a operadora de telefones celulares Vivo responde a cinco perguntas formuladas pela desembargadora federal Therezinha Cazerta (TRF-3), então responsável máxima pela condução das investigações da Operação Anaconda. Na ocasião, a desembargadora buscava saber quais as escutas, com acesso irrestrito às senhas, tinham sido promovidas por solicitação do ex-juiz João Carlos da Rocha Mattos.

Naquele mês de julho de 2004 somente a Vivo admitiu ter distribuído 435 senhas irrestritas, de acesso a telefones celulares, para investigadores. E ainda confessou por escrito que, eventualmente, a empresa não era posicionada sobre a finalidade das senhas de acesso. “Temos em nossa operadora, nesta data, 435 senhas distribuídas a agentes ou representantes definidos na Ordem Judicial, fornecida por autoridades judiciárias da esfera estadual e federal. Outrossim, esclarecemos que nem sempre há como saber se estão afeitas às investigações específicas. Algumas senhas são liberadas pelo juiz em complemento das investigações que envolvem interceptação. Noutros casos não constam do ofício qual a finalidade ou investigação em curso, é determinado apenas o prazo, a abrangência e o nome da autoridade que será responsável pela guarda e zelo do sigilo desta senha”.

Policiais federais, que investigaram colegas em foco na Operação Anaconda, revelam que, naquele ano de 2004, 95% da telefonia celular brasileira ainda era analógica, não digital. Ou seja: bastava dispor do número serial de cada aparelho investigado para poder fazer um clone com o qual se podia fazer escutas a partir de malas, por exemplo. “Quando você tinha essas senhas de acesso, sabia de tudo a partir do número serial do telefone: todos os dados da quebra do sigilo do cadastro, como número de CPF, RG, nome completo, endereço, conta telefônica digitalizada via e-mail e o mais importante: o chamado reverso, ou seja, o número das chamadas que o celular recebeu, que como se sabe jamais aparecem na conta do celular que recebemos em casa. É um espanto que desde aquela época as empresas de telefonia admitam que mal sabiam pra quais fins servia a escuta e quebra de sigilo de número serial. Esse descontrole não é de agora: vem desde a Operação Anaconda”, disse um policial federal que trabalhou na operação.

Na ocasião a desembargadora Therezinha Cazerta pôde verificar, dentre as 435 quebras de sigilo de senhas, que seu investigado João Carlos da Rocha Mattos havia pedido a quebra de uma delas — contra três, naquele mês, solicitadas pelo também juiz federal Fausto Martin de Sanctis (o da Operação Satiagraha). Os recordes eram então para juízes estaduais que investigavam o crime organizado em cadeias no interior de São Paulo: Fábio Mendes Ferreira (Presidente Bernardes) e Emílio Migliano Neto (São José do Rio Preto).

David Rechulski, advogado de operadoras de telefonia, diz não acreditar na existência desse tipo de senha, que dá acesso irrestrito a dados pessoais e histórico de ligações recebidas e feitas. Segundo ele, as empresas têm enorme preocupação em manter o sigilo dos seus clientes e de cumprir a Lei de Interceptações Telefônicas (Lei 9.296/96).

Para isso, costumam não atender ao pedido do juiz quando este se apresenta como flagrante ilegalidade, segundo o advogado. “Todas as empresas respondem inquéritos policiais instaurados por não atender ordens manifestamente ilegais”, ressaltou. Ele observou que seria um contra-senso gastar dinheiro com advogados, pareceres, Habeas Corpus para trancar inquéritos e depois aceitar uma ordem de conceder senha de acesso irrestrito ao sigilo de clientes.

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