Reforma do CPP

Defensoria não existe para solucionar protelação processual

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1 de outubro de 2008, 0h00

A Defensoria Pública, valorosa e essencial instituição com incumbência determinada na Carta Política de 1988, tem por múnus promover a orientação jurídica e defesa do economicamente hipossuficiente. Tal atribuição decorre da opção constitucional pelo Estado Social e Democrático de Direito.

Não teria o menor sentido se a Constituição estabelecesse no artigo 5º direitos e garantias individuais e coletivos sem viabilização de acesso à Justiça dos que efetivamente necessitam de amparo estatal. Assim, a inafastabilidade da jurisdição, princípio insculpido no mesmo artigo no inciso XXXV, não deve ser condicionada à capacidade econômica daquele que tem seu direito ameaçado ou violado.

Nesse contexto, cristalina é a importância da Defensoria Pública para viabilização desses direitos, ressaltando que os direitos fundamentais nela insculpidos, conquanto tenham como destinatário todo e qualquer ser humano que passe pelo território brasileiro, são os de condição financeira menos abastada que os têm violados diuturnamente e que necessitam de amparo jurídico, inequivocamente.

Prescreve o artigo 134 da Carta Magna, cujo caput é transcrito abaixo:

Art. 134. A Defensoria Pública é instituição essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a orientação jurídica e a defesa, em todos os graus, dos necessitados, na forma do art. 5º, LXXIV.)

Segue o inciso do qual o artigo acima faz referência:

LXXIV – o Estado prestará assistência jurídica integral e gratuita aos que comprovarem insuficiência de recursos;

Despiciendo, por serem absolutamente notórias, comentar acerca das deficiências estruturais da Defensoria Pública no Brasil que, dentre as muitas, a que serve a argumentação, é o número reduzido de seus membros.

Como se não bastasse o gigantesco múnus de viabilizar o acesso à justiça dos mais necessitados, a nova redação atribuída pela Lei 11.689/2008 ao artigo 456 do Código de Processo Penal atribui novo à Defensoria Pública, qual seja, o de velar e intervir pela celeridade processual.

Estabelece o referido artigo do CPP que se houver falta do advogado do acusado e esta não for respaldada com escusa legítima, o julgamento será adiado somente uma vez e a Defensoria Pública será intimada para o novo julgamento, independente da condição financeira do acusado.

Segue o dispositivo, in verbis:

Art. 456. Se a falta, sem escusa legítima, for do advogado do acusado, e se outro não for por este constituído, o fato será imediatamente comunicado ao presidente da seccional da Ordem dos Advogados do Brasil, com a data designada para a nova sessão. (Redação dada pela Lei 11.689, de 2008)

§ 1º Não havendo escusa legítima, o julgamento será adiado somente uma vez, devendo o acusado ser julgado quando chamado novamente. (Incluído pela Lei 11.689, de 2008)

§ 2º Na hipótese do § 1º deste artigo, o juiz intimará a Defensoria Pública para o novo julgamento, que será adiado para o primeiro dia desimpedido, observado o prazo mínimo de 10 (dez) dias.

Da leitura, extraem-se dois problemas com a nova redação. Um primeiro que cria incumbência para a Defensoria Pública que colide frontalmente com a designação do Legislador constituinte que é de prestar assistência jurídica ao pobre e não de solucionar o problema de protelações processuais indevidas na Justiça. Nem de longe é atribuição da Defensoria Pública. O outro é que coloca o Defensor Público numa situação de sujeição, sendo que o acusado poderá “dispensar” todo o trabalho pré-plenário e contratar advogado para a sustentação da defesa. A defensoria aqui, não se vislumbra outra hipótese, vela pela celeridade processual e por certo, em não raras vezes irá dispensar tempo e erário com a “potencial” defesa em plenário se esta não ocorrer, ou se ocorrer em favor de não hipossuficiente.

Da leitura do artigo, na parte que toca à argumentação, considerando toda a falta injustificada, quatro hipóteses poderemos ter, seguindo abaixo delineadas:

1) Advogado de réu não hipossuficiente que falta ao júri. Juiz em obediência ao comando do CPP, nomeia Defensor Público e posteriormente o acusado constitui advogado. Aqui o serviço maior que são os bastidores do júri estará perdido, pois o Defensor terá que se preparar para defesa em plenário e na hora não irá atuar. Em suma, tempo e erário perdido em razão da conduta do rico, mas não em favor deste. O Estado deve ser compensado.

2) Advogado de réu hipossuficiente que falta ao júri. Juiz em obediência ao comando do CPP, nomeia Defensor Público e posteriormente o acusado constitui advogado. Aqui o serviço maior que são os bastidores do júri estará perdido, pois o Defensor terá que se preparar para defesa em plenário e na hora não irá atuar. Em suma, tempo e erário gasto em razão da conduta do pobre, mas não em favor deste. O Estado deve inibir tal conduta.

3) Advogado de réu não hipossuficiente que falta ao júri. Juiz em obediência ao comando do CPP nomeia Defensor Público e posteriormente o acusado NÃO constitui advogado. Defensor atua em plenário. Tempo / erário gasto em razão da conduta do rico e em favor deste. O Estado deve ser compensado.

4) Advogado de réu hipossuficiente que falta ao júri. Juiz em obediência ao comando do CPP, nomeia Defensor Público e posteriormente o acusado não constitui advogado. Defensor atua em plenário. Aqui é a única hipótese que não haverá desperdício.

Nota-se de maneira cristalina que nas três primeiras hipóteses há um desserviço do legislador. Na segunda hipótese pondera-se, pela ampla defesa e, no júri, mais que isso, plena, permite que o acusado constitua advogado. Mas, nas demais é puro desperdício.

Ocorre que há, necessariamente, de se conferir interpretação constitucional ao referido dispositivo para evitar perda de tempo dos membros da Defensoria, que notoriamente em número reduzido, assoberbados de trabalho, são verdadeiros heróis em todo o Brasil apagando incêndios e cuidando de sangrias desatadas.

Cabe aqui analogia a não remoto julgado da Excelsa Corte que valeu-se da chamada inconstitucionalidade progressiva, ao dar interpretação ao dispositivo do artigo 68 do CPP que dispõe sobre a legitimidade para a propositura da ação civil ex delicto pelo Ministério Público, estabeleceu que o parquet tem competência para propor referida ação, pleiteando direito de hipossuficientes em comarcas que não são atendidas pela Defensoria Pública. Ou seja, o MP não é legitimado, mas para se evitar injustiça e promover acesso à justiça do pobre, tolera-se a inconstitucionalidade do dispositivo.

Assim, olvidando-se de qualquer mácula de inconstitucionalidade formal, potencialmente existente quanto a espécie normativa que cria a incumbência, que tal também fazer incidir aqui a regra da inconstitucionalidade condicionada a tempo e espaço, só que aqui “inconstitucionalidade regressiva”, para ser a norma, de plano, inconstitucional, quando tratar-se de não hipossuficiente, podendo, com o passar do tempo, se constitucionalizar a medida que existirem membros suficientes para tanto na comarca, para aí sim exercerem a função de Defensores da celeridade processual. Aqui, por certo, desvirtuam-se os fins da Defensoria Pública, mas, ao menos, atenuam-se os reflexos da perda de tempo ao acesso á justiça do hipossuficiente.

Ousa-se aqui, com a devida vênia, apresentar uma saída emergencial que é requerer que o juiz intime o acusado para constituir novo Advogado ou provar a hipossuficiência num curto prazo, já que provou ter até então capacidade para pagamento. Esgotado o prazo sem fazer uma coisa ou outra, serão arbitrados honorários em favor do fundo de aparelhamento da respectiva Defensoria, independente de a defesa em plenário ser feita pelo Defensor Público ou por advogado posteriormente constituído.

Pode-se filtrar ainda mais a regra, com ponderação atenuadora ou extintiva dos honorários àquele que, conquanto tenha feito desperdiçar tempo e erário da Defensoria, seja hipossuficiente.

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