Segunda Leitura

Segunda leitura: corregedor exerce uma das mais nobres funções

Autor

  • Vladimir Passos de Freitas

    é professor de Direito no PPGD (mestrado/doutorado) da Pontifícia Universidade Católica do Paraná pós-doutor pela FSP/USP mestre e doutor em Direito pela UFPR desembargador federal aposentado ex-presidente do Tribunal Regional Federal da 4ª Região. Foi secretário Nacional de Justiça promotor de Justiça em SP e PR e presidente da International Association for Courts Administration (Iaca) da Associação dos Juízes Federais do Brasil (Ajufe) e do Instituto Brasileiro de Administração do Sistema Judiciário (Ibrajus).

29 de novembro de 2008, 23h00

Vladimir Passos de Freitas 2 - por SpaccaSpacca" data-GUID="vladimir_passos_freitas1.jpeg">A figura do Corregedor foi sempre associada ao poder de fiscalização, a um rigor férreo, a uma imagem forte e inclemente. Ator nem sempre conhecido ou compreendido, vejamos qual o seu papel na administração da Justiça. O foco será apenas os de Tribunais de segunda instância (TJs, TRFs e TRTs), pois são os que atuam diretamente com os juízes e servidores.

A Loman (LC 35/79) faz referência ao Corregedor no artigo 103, mas não especifica suas atribuições. Idem a lei orgânica da magistratura federal (Lei 5.010/66, artigo 4º, parágrafo único). Na verdade, muitas vezes as atribuições se acham em leis estaduais (para TJs) ou nos Regimentos Internos dos Tribunais.

O Corregedor é eleito pelo Plenário do Tribunal e seu mandato é de 2 anos, coincidindo, regra geral, com o do Presidente. Geralmente, usa-se o critério da antiguidade, que nem sempre é o melhor. Alguns Tribunais adotam a figura do Vice-Corregedor, como forma de dividir o trabalho. Dele se espera, basicamente, que exerça um papel misto, preventivo e repressivo.

Como agente de aperfeiçoamento dos serviços judiciários, cabe-lhe orientar juízes e servidores, colher sugestões, baixar atos administrativos, facilitar o acesso à Justiça e o atendimento das partes, atuar em todas as frentes, para que a prestação jurisdicional seja rápida e eficiente. Como agente repressor de faltas, cumpre-lhe receber representações, investigá-las, coibir todas as falhas que se revelem nocivas aos trabalhos judiciários.

Ao contrário do que se pensa, o Corregedor não tem nenhum poder disciplinar sobre os seus colegas de Tribunal. Sua atuação limita-se aos juízes de primeira instância. O CNJ, pela Corregedoria, pode apurar faltas de desembargadores dos TJs, TRFs e TRTs. Mas os dos TRFs estão submetidos, ainda, ao Corregedor do CJF (Lei 11.798/08, art. 6º, IV) e os dos TRTs ao Corregedor do TST.

No que toca à fiscalização dos juízes de primeiro grau, aos Corregedores não cabe punir, mas apenas apurar. Na verdade, ocorrida uma falta disciplinar, eles realizam uma investigação prévia e a submete ao exame do Plenário ou Órgão Especial do seu Tribunal, propondo, se for o caso, a abertura do processo administrativo. Se aprovada a proposta, resultará ela na distribuição dos autos a um dos Desembargadores (Resolução 30 do CNJ, art. 7º).

De todas as funções administrativas do Poder Judiciário, a Corregedoria é a mais complexa. Quem a exerce caminha em terreno minado, sempre sob o risco de ser taxado de omisso ou arbitrário. Ele defende a sociedade como um todo e nem sempre é bem compreendido. Suas decisões são, muitas vezes, revistas pelo próprio Tribunal ou mesmo, em sede de revisão, pelo CNJ, com notório desgaste pessoal.

As atribuições do Corregedor da Justiça Estadual são mais complexas que as de seus colegas da Justiça Federal ou do Trabalho. É que na Justiça dos Estados a Corregedoria cuida do foro judicial e do extrajudicial, ou seja, zelar também pela eficiência dos Cartórios de Registro Civil, Protestos, Registro de Imóveis e Tabelionatos.

Mas, apesar dos pesares, a função é de extrema importância e os que se animam a bem exercê-la terão uma excelente oportunidade de contribuir para a eficiência da Justiça e a satisfação do interesse público. Sem prejuízo de outras tantas medidas, alguns princípios podem auxiliar na busca de tais objetivos. Vejamos:

1) É recomendável ― ainda que não seja indispensável ― que o Corregedor seja juiz de carreira e não do quinto constitucional, porque conhece melhor o funcionamento de um cartório ou secretaria.

2) Dele se exige respeito na classe, já que deve dar o exemplo a ser seguido pelos juízes de primeira instância.

3) Deve ter interesse e conhecimento de Administração da Justiça, pois é inconcebível que alguém assuma tal importante função sem ter noções mínimas de matérias como administração pública, relações humanas, psicologia, administração de tempo e outras.

4) Deve ter conhecimento, interesse e plena noção do importante papel da informática na Justiça, já que esta área será a cada dia mais essencial à Justiça, inclusive porque no futuro teremos apenas processos eletrônicos.

5) Deve ter força física, pois a função exige viagens permanentes, seja através de visitas, inspeções ou correições. Mesmo com o acompanhamento pela internet, a ida ao local é indispensável.

6) Ao visitar uma Vara, seja a que título for, deve reunir-se com os juízes, ouvir suas reivindicações, queixas, sugestões, a tudo dando encaminhamento, na medida do possível. Visitas ao MP, à OAB e Polícia não são comuns, mas se revelam produtivas.

7) A correição, por si só, é um ato tenso, sendo normal um clima de nervosismo entre juízes e servidores. Ao Corregedor cabe conduzir-se de modo a transmitir a todos calma e segurança. Assim, demonstrar interesse pelas práticas cartorárias, elogiar as positivas, mostrar sem arrogância seu conhecimento da matéria, são medidas importantes.

8) Nas correições, que são sempre feitas com a ajuda de juízes auxiliares e funcionários de reconhecida competência, os registros devem ser feitos durante os trabalhos e, ao final do dia, lavrada e entregue cópia da ata, com menção, em reunião com todos, sobre tudo o que foi apurado, expondo os aspectos positivos e negativos.

9) Audiências públicas são uma excelente forma de estabelecer um contato positivo com a sociedade. Tal prática, além de democrática, cria um elo de contato com a comunidade local.

10) O bom senso deve prevalecer sempre, o que significa que a investigação ou punição deve ser proporcional aos fatos, nem aquém nem além do necessário, sempre tendo em conta os antecedentes do envolvido.

Em suma, ser Corregedor é tarefa para pessoas fortes, física e psicologicamente, e o exercício de tal função, muito embora desgastante, constitui uma das mais nobres e relevantes funções do Judiciário brasileiro.

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