Espião na Satiagraha

Versões de agentes põem em cheque confiança na Abin, diz Veja

Autor

29 de novembro de 2008, 12h23

Além de a Operação Satiagraha, oficialmente da Polícia Federal, empregar mais de 80 agentes da Agência Brasileira de Inteligência (Abin), reportagem do jornalista Expedito Filho, da revista Veja, revela que um dos funcionários a serviço da Abin foi flagrado por policiais militares no Rio. O tenente Antônio Leandro de Souza Júnior, que fazia parte da segurança do presidente da República, estava parado diante da casa do ex-sócio e atual lobista do ex-banqueiro Daniel Dantas, Humberto Braz, quando foi abordado por PMs.

As investigações sobre o que aconteceu neste dia podem complicar a situação do ministro Jorge Felix e do diretor da Abin, Paulo Lacerda. O presidente Lula determinou a Felix a exoneração definitiva do Lacerda. Para o presidente, o ex-diretor “mentiu demais”.

Policial militar de São Paulo, em seus registros funcionais consta que Souza foi requisitado em 2005 pelo Gabinete de Segurança Institucional (GSI), no Palácio do Planalto, para integrar a equipe de segurança do presidente Lula. Em maio, o tenente foi flagrado por policiais da Delegacia Anti-Seqüestro do Rio de Janeiro em “atividade suspeita”. Estava a bordo de um Astra prata de propriedade da Abin, estacionado em frente a um prédio.

Quando foi questionado sobre o que fazia ali, Souza teria exibido uma identidade funcional da Presidência da República e se identificado como “tenente Marcos”. Seguindo a versão oficial divulgada pela Abin na ocasião, respondeu que estava em missão sigilosa de acompanhamento de “espiões russos”.

A versão de Leandro Souza sobre o episódio mudou bastante. Em entrevista concedida na porta de sua casa à revista Veja, no último domingo, o tenente disse que, na época, seguia os passos de um empresário, mas que “não sabia quem era”.

Ele confirma ter recebido a missão de seus superiores da Abin, mas nega que tenha se identificado como tenente Marcos e que tenha dito que vigiava a atividade de espiões russos. Leandro Souza conta que só soube posteriormente que seu alvo se chamava Humberto Braz. “Eu não sou louco de mentir, apresentar um documento falso, uma história falsa, e levar um tiro”, afirmou à revista.

A declaração de Souza, que continua vinculado ao Gabinete de Segurança Institucional, constrange e cria enormes embaraços para o ministro Jorge Felix, do GSI, e o delegado Paulo Lacerda, diretor afastado da Abin. O tenente não poderia estar ali, dentro do Astra, vigiando russos, alemães ou ex-lobistas de banqueiros. Foi abordado por policiais que suspeitaram dele e acabou abrindo a brecha que escancarou toda a gama de abusos e ilegalidades da operação da qual ele participava, segundo ele próprio, sem saber do que se tratava.

A abordagem ao tenente Leandro no Rio de Janeiro foi um desastre especial para a Operação Satiagraha. Como parecia tratar-se de um segurança do Palácio do Planalto, Gilberto Carvalho, o mais próximo e influente assessor do presidente Lula, foi informado. Carvalho levou as informações que acabara de receber ao general Felix, que não mostrou surpresa e saiu-se com a versão dos “espiões russos”.

Carvalho ouviu a história e a passou adiante. Uma das pessoas a quem ele contou essa versão, por telefone, foi o advogado Luiz Eduardo Greenhalgh, que, algum tempo atrás, fora contratado pelo ex-banqueiro. Como o advogado do ex-banqueiro estava sendo monitorado pelos policiais e pela Abin, a conversa foi interceptada.

Sem saber, portanto, o tenente Leandro havia levado a investigação para a ante-sala do presidente Lula no Palácio do Planalto. Carvalho se tornara mais um dos alvos da equipe de policiais e espiões da Abin. “Tudo o que eu fiz foi tentar ajudar um amigo. Se tivessem me dito que o episódio era parte de uma investigação policial, é óbvio que teria me silenciado”, afirmou Carvalho.

Em depoimento à CPI dos Grampos, tanto o general quanto Lacerda revelaram que a tal missão de acompanhamento de espiões russos era uma “história de cobertura”. “Foi uma história de cobertura porque a investigação era sigilosa”, afirmou o ministro-chefe do GSI. No jargão dos arapongas, isso quer dizer que o general e seu delegado contaram uma mentira para preservar o segredo de uma operação. Chefes de serviços de inteligência que mentem para os assessores dos presidentes e para os próprios presidentes não são propriamente uma novidade, tampouco uma invenção brasileira. Os historiadores dos serviços secretos americano, CIA, e soviético, KGB, convergem em um ponto: eles mentem para os presidentes, que mentem para o público.

As investigações sobre a atuação ilegal dos espiões da Abin, segundo a revista Veja, revelaram que o comando das ações clandestinas estava sediado em Brasília, precisamente no gabinete do delegado Lacerda, diretor afastado após a descoberta de que seus comandados haviam grampeado ilegalmente os telefones do presidente do STF.

Na semana passada, a CPI dos Grampos ouviu um depoimento do agente Márcio Seltz, um dos oitenta espiões que participaram da operação secreta. Ele revelou que teve acesso a mensagens eletrônicas e a interceptações telefônicas oriundas das investigações da PF e que chegou, inclusive, a repassar o material a Lacerda.

Leia o diálogo entre o tenente Souza e a Veja

Qual era sua missão na Operação Satiagraha?

Eu fui lá render um colega que já estava de campana e acabei sendo pego pela polícia. Eu não sabia exatamente quem estava seguindo. As operações são compartimentadas. A pessoa recebe uma ordem, mas não sabe detalhes. Nesse caso, a ordem era seguir o carro do alvo.

De quem foi a ordem?

Eu recebi instruções do meu superior na superintendência da Abin em São Paulo.

O senhor chegou a ter contato com o delegado Protógenes Queiroz, da Polícia Federal?

Não, eu não sabia que a Polícia Federal estava nessa operação.

Quando foi abordado pela polícia do Rio, o senhor se identificou como tenente Marcos?

Eu não menti. Dei a carteira da Presidência da República e falei que trabalhava para a Abin. Eu não sou louco de mentir, apresentar um documento falso, uma história falsa, e levar um tiro.

O senhor fazia o que antes de atuar na Abin?

Fui do corpo de segurança do presidente Lula. Quando ele viajava para São Paulo, eu fazia a segurança dele. Você acha que vão me chamar para a CPI? Você vai publicar isso aí e vão me dar uma cadeia na Polícia Militar por eu ter participado da operação. Vou perder minha promoção. Se isso acontecer, eu vou te achar em Brasília. Não posso falar mais… Se você publicar, eu vou te achar.

O Gabinete de Segurança Institucional e a Abin se recusaram a comentar o caso.

Tags:

Encontrou um erro? Avise nossa equipe!