Crítica condenada

PF obtêm dado sigiloso sem autorização para Abin, diz Folha

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29 de novembro de 2008, 14h17

Para conseguir a identidade de dois funcionários que fizeram críticas à gestão do diretor da Agência Brasileira de Inteligência (Abin), Paulo Lacerda, a Polícia Federal, sem autorização judicial, pediu ao portal CorreioWeb, mantido pela S.A. Correio Braziliense, dados que revelassem a identidade dos comentaristas. A reportagem dos jornalistas Hudson Corrêa e Alan Gripp, da Folha de S. Paulo, revelam que, de posse das informações, a Abin abriu processo disciplinar contra os dois.

A PF reconheceu “não ter visto qualquer indício de crime” nas mensagens, mas enviou as informações à Abin, que abriu processo disciplinar interno contra dois agentes, ameaçados de demissão.

Em documento confidencial, obtido pelo jornal, a Abin revela que procurou a PF, pois sabia que o cadastro de usuários no site era sigiloso, e só poderia ser obtido por autoridade policial. A PF e a Abin negam a quebra ilegal do sigilo dos servidores no caso.

Os servidores fizeram críticas à gestão da Abin no portal, utilizando apelidos. As mensagens podiam ser vistas por qualquer pessoa, mas preservava os nomes e dados dos comentaristas.

A Abin desconfiou que os comentários poderiam partir dos próprios funcionários e acionou a Polícia Federal. Em maio de 2007, a S.A. Correio Braziliense forneceu ao delegado Disney Rosseti uma lista de 11 participantes, com nome completo, CPF e e-mails declarados por eles em um cadastro prévio.

A empresa também informou o endereço IP (protocolo de internet) dos internautas, o que permite identificar o computador usado para acessar o site.

O diretor-geral afastado da Abin, Paulo Lacerda, com base nos dados repassados à agência em novembro, abriu processo administrativo disciplinar contra os servidores Weber Ferreira Junqueira de Barros Junior e Iracema da Rocha Costa e Silva.

Lacerda afirma, no documento, que, se valendo de “pseudônimos”, “registros falsos” e CPFs “de terceiros”, eles emitiram “opiniões desrespeitosas, agressivas e de desapreço à hierarquia funcional e à imagem da Abin” durante dois meses.

Weber Ferreira entrou com um mandado de segurança na Justiça Federal para tentar interromper o processo disciplinar. Ele alega que os dados foram obtidos de forma ilegal.

Na última terça-feira, a juíza Maria Cecília de Marco Rocha decidiu que “não há como, por ora, dizer que as provas colhidas na sindicância são oriundas de ‘devassa ilegal’”. Segundo ela, os dados podem ser obtidos pela polícia se usuários “se tornarem alvos de investigação”.

A denúncia chegou à CPI dos Grampos. “Esse episódio é a síntese do Estado policial. Usa-se o aparato policial para apurar que crime? Uma infração administrativa, uma crítica ao chefe? Isso não é crime”, afirmou o presidente da CPI, Marcelo Itagiba (PMDB-RJ).

Para o presidente da OAB, Cezar Britto, o caso revela traços de autoritarismo. “Esse meio de comunicação tem um papel importante na democratização das informações. Censurá-lo é um precedente perigoso”, afirmou.

A empresa Correio Braziliense S.A. também nega qualquer ilegalidade ou violação de sigilo. O superintendente jurídico do Correio Braziliense, Vitório Augusto de Fernandes Melo, disse que não houve quebra de sigilo, pois as informações poderiam ser fornecidas a autoridades policiais sem ordem judicial.

“A Abin chegou a pedir os dados informalmente, mas eu neguei”, afirmou o diretor, argumentando que só entregaria as informações à PF. Já na avaliação da Abin, o processo foi apenas mais um trabalho de cooperação de rotina entre a PF e a agência.

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