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TJ-SP pode anular processo porque promotor fez a investigação

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28 de novembro de 2008, 18h15

Promotor só pode instaurar procedimento investigatório para apurar infrações cometidas por organizações criminosas, desde que respeitados os princípios da oportunidade e conveniência e após autorização expressa da Procuradoria-Geral de Justiça. A regra está prevista em Instrução Normativa (IN 539) do Ministério Público de São Paulo. Mas o fato de um promotor ignorá-la fez com que a 15ª Câmara do Tribunal de Justiça sinalizasse que o processo conduzido por ele seja anulado. A questão está empatada. Pediu vista o desembargador Luíz Carlos Ribeiro dos Santos, que já adiantou que concederá o Habeas Corpus.

Foi responsável pela investigação e inquérito o promotor de Justiça Roberto Wider Filho, de São Caetano, Grande São Paulo. José Gaino foi o acusado. Ele é suspeito de fraudar licitações na gestão de José Antônio Dallanesi (1993/1996). Gaiano é representado pelo advogado José Luiz Toloza Costa, do escritório Toloza Costa Advocacia.

O procedimento investigatório contra Gaino foi instaurado em março de 2008. Foi Roberto Wider Filho quem determinou a instauração do inquérito no Gaerco ABC e decidiu ele mesmo assumir a presidência do caso, sem pedir autorização de seus superiores.

Outra ilegalidade: o procedimento foi instaurado sete meses depois de o promotor ter colhido quase todos os depoimentos e produzido as provas que entendeu pertinentes. Além disso, foi Wider, e só ele, quem esteve presente na colheita de depoimentos feita no próprio Ministério Público, “assumindo a posição de inquisidor”, segundo o desembargador Pedro Gagliardi, relator para o acórdão do pedido de Habeas Corpus julgado pela 15ª Câmara.

A denúncia foi feita pelo mesmo promotor que presidiu toda a coleta de provas. Quatro denunciados foram ouvidos sem a presença de qualquer outro promotor. Por fim, o único pedido apresentado pela defesa de Gaino, para prorrogação de um prazo, foi negado por Wider Filho. A defesa também disse que há outro inquérito policial em trâmite para apurar os mesmos feitos, inquérito este legal.

O desembargador Pedro Gagliardi afirmou em seu voto que o Ministério Público não tem poderes para fazer investigação criminal e ressaltou que Wider Filho errou porque ignorou a Instrução Normativa do MP paulista. Primeiro, não respeitou os princípios da oportunidade e conveniência, uma vez que já havia inquérito policial instaurado para apuração dos mesmos fatos. Segundo, não se tratava de infração cometida por organização criminosa. Terceiro, não obteve autorização expressa da Procuradoria-Geral de Justiça para atuar na investigação criminal.

“As irregularidades saltam aos olhos ao serem analisadas as peças que formaram a investigação levada a termo pela Promotoria”, ressaltou o desembargador. Pedro Gagliardi explicou que o sistema constitucional brasileiro prevê que a investigação de crimes é atribuída, como regra, à polícia judiciária, segundo o artigo 144, parágrafo 1º, inciso IV, e parágrafo 4º, da Constituição Federal.

A única exceção aberta pela Constituição é a que permite a instalação de Comissões Parlamentares de Inquérito no Congresso Nacional. Pela Constituição, CPI também tem poderes investigatórios conforme o artigo 58, parágrafo 3º. Só que a Constituição cuidou de não cumular as atividades investigatória e acusatória, concedendo poderes investigatórios às comissões parlamentares, mas determinando a remessa dos autos ao Ministério Público para a promoção da Ação Penal.

A legislação infraconstitucional também proíbe o MP de investigar, observou Pedro Gagliardi. O artigo 4º, do Código de Processo Penal, estabelece que compete à polícia judiciária a apuração das infrações penais e sua autoria. Em seu parágrafo único prevê a possibilidade de exceções taxativas, desde que previstas em lei.

“Parece-me que seja mais prudente cada profissional permanecer na sua especialidade. ‘Lé com lé, cré com crê’, diziam os medievais. Ou, modernamente, eufemizando o texto, proclamamos em francês: ‘chaque songe dans sa bran-che’, que um velho tabaréu me traduziu em português fluente, como ‘cada macaco no seu galho’”, concluiu Pedro Gagliardi. A decisão da 15ª Câmara Criminal do TJ de São Paulo foi por maioria de votos.

Orientação

No Supremo Tribunal Federal, a discussão sobre o poder de investigação penal do MP havia ganhado corpo no inquérito criminal contra o deputado Remi Trinta (PL-MA). O caso começou a ser votado no Supremo em 2003, mas perdeu o objeto quando Remi Trinta deixou de ser parlamentar e perdeu o direito ao foro privilegiado.

Quando o processo foi arquivado no STF e remetido à Justiça Estadual, a votação estava em três votos a dois a favor do MP. Os ministros Joaquim Barbosa, Eros Grau e Carlos Britto votaram pela legitimidade do poder investigatório do MP em oposição ao voto dos ministros Marco Aurélio e Nelson Jobim (aposentado). O ministro Celso de Mello também já mostrou que não admite que o MP presida o inquérito policial.

Reportagem alterada às 10h desta segunda-feira (1º/12) para correção de informações.

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