Consultor Jurídico

Alterar a lei de personalidade jurídica é retrocesso

27 de novembro de 2008, 23h00

Por Jorge Rubem Folena de Oliveira

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O Deputado Federal Homero Pereira (PR/MT), em 12 de novembro de 2008, apresentou, no Plenário da Câmara dos Deputados, o Projeto de Lei 4.298, que tem por objeto “estabelecer normas para desconsideração da personalidade jurídica nos processos de execução civil, trabalhista e fiscal”.

O deputado, na sua justificativa, manifestou que “a falta de um regramento processual adequado tem permitido uma prática muitas vezes abusiva de magistrados, em total prejuízo do direito de defesa e do contraditório.”

O projeto de lei, com a devida vênia, na forma em que foi apresentado, representará um retrocesso ao dinamismo da atuação do Judiciário, sendo prejudicial a todos os credores, aí incluído os bancos, os trabalhadores e o Fisco, pois ao instituir a necessidade da desconsideração da personalidade jurídica ser “declarada em procedimento incidental sumário” e “depois de intimadas as pessoas a serem alcançadas pela medida, que terão o prazo de dez dias para responder” (artigo 3º), apenas servirá para dar mais tempo aos sócios da empresa, aos diretores contratados e até mesmo a procuradores constituídos para gerenciá-la, ou seja, a todos que tenham participação direta na fraude causada aos credores.

Isto porque, se a pessoa jurídica não pagou a dívida ou está dificultando e criando embaraços ao seu pagamento, não podem os seus dirigentes ficar impunes, escondidos por detrás da entidade que integram.

Com efeito, não se pode atribuir à magistratura a responsabilidade pelos abusos praticados pelos devedores que não honram suas dívidas, sendo estas muitas vezes constituídas por meio de sentenças passadas em julgado depois de anos de tramitação processual, como é comum na Justiça do Trabalho.

O contraditório, como reconhecido pelo próprio deputado na sua justificativa, é garantido pelos meios processuais próprios, impugnações e embargos à execução, como é assegurado a qualquer devedor, sendo que neste último caso, pela reforma processual instituída pela Lei nº. 11.382/06, sequer necessita o devedor apresentar garantia para se defender (artigo 736 do CPC 1).

Por que, então, em casos de fraudes lastreadas pelo não pagamento da dívida, deve ser dado um tratamento diferenciado a devedores que se escondem na personalidade jurídica?

A desconsideração da personalidade jurídica foi desenvolvida com o intuito exclusivo de combater a fraude perpetrada pelos maus pagadores diante do abuso de direito e do uso indevido da empresa, inclusive com a prática usual da transferência de bens para outras sociedades empresariais ou pessoas físicas.

O Estado contemporâneo tem como uma de suas marcas a defesa ardorosa da livre iniciativa e comércio, sendo grande a mobilização dos homens de negócio por um judiciário mais ágil, que possa protegê-los em tempo hábil dos danos causados por indivíduos que não cumprem em dia com as suas obrigações.

Pode-se dizer, sem qualquer dúvida, que a adoção da teoria da desconsideração da personalidade jurídica pelo Judiciário nacional2 foi uma vitória dos credores, em especial das casas bancárias e das empresas que emprestam crédito.

Nesse sentido, o Judiciário Fluminense, antes mesmo de entrar em vigor o atual Código Civil, vinha desconsiderando a personalidade jurídica nos autos da execução, sem necessidade de prévio processo de conhecimento que reconhecesse tal direito3, até mesmo com o STJ adotando a sua aplicação diretamente nos autos da falência4.

Desta maneira, muitos credores que antes encontravam dificuldades para recuperar seus créditos, devido à ausência de patrimônio ou pela não localização das pessoas jurídicas devedoras, finalmente conseguiram recuperar aqueles valores.

Sem dúvida, o texto atual do artigo 50 do Código Civil é amplo e possibilita o redirecionamento da cobrança nos casos em que ocorrer “abuso da personalidade jurídica, desvio de finalidade ou confusão patrimonial”, sem qualquer restrição à aplicação do instituto em referência, sendo extensível não apenas às sociedades empresárias, mas também às associações, hoje com grande atuação por meio das Organizações Não Governamentais (ONGs), que recebem, na sua maioria, recursos públicos, devendo seus dirigentes, que causarem danos a terceiros, suportar, pessoalmente, os ônus de seus atos indevidos.

A propósito, saliente-se que, para tornar o país plenamente desenvolvido, devem-se buscar mecanismos de combate às fraudes, especialmente a que se materializa pela utilização de trabalhadores e desempregados, usados como “laranjas” ou “testas de ferro”, pois este tipo de expediente dificulta ou impossibilita às instituições bancárias e entidades congêneres o recebimento dos créditos por elas fornecidos, podendo, neste meio, indevidamente, ser inseridas tais pessoas como controladoras da empresa, escapando os verdadeiros fraudadores das garras da constrição patrimonial.

Como exemplo, decidiu o Superior Tribunal de Justiça no Recurso Especial 370.068-GO, ao manifestar, na ementa do acórdão, que: “está correta a desconsideração da personalidade jurídica da sociedade anônima falida, quando utilizada por sócios controladores, diretores e ex-diretores para fraudar credores”5, isto é, não só o sócio controlador deve ser responsabilizado, mas todos os sócios que perpetraram a fraude, inclusive ex-executivos contratados para administrar a empresa.

Portanto, é inaceitável tentar retardar a constrição patrimonial, interrompendo o curso da execução, por meio de prévio “procedimento incidental sumário”, com o fim de comprovar os “atos abusivos ou fraudulentos”, sob o falso argumento de que deve ser assegurado o contraditório e ampla defesa, quando o processo de execução já garante tais direitos individuais.

Notas de rodapé

1 — “Art. 736 – O executado, independentemente de penhora, depósito o caução, poderá opor-se à execução por meio de embargos”.

2— “… O Supremo Tribunal Federal tem reiteradamente reconhecido possível a penhora de bens de sócios, por dívida de sociedades limitadas de que fizeram parte, quando os bens da sociedade tenham desaparecido, ou quando tenham eles encerrado suas atividades sem liquidação regular …” (RE nº. 93.028-SP, rel. Min. Décio Meirelles de Miranda, RTJ 101/749).

“Responde o sócio pela dívida da sociedade, que deixou de funcionar, não mais sendo localizada, sem que também sejam encontrados seus bens, não tendo havido dissolução regular.” (TFR, 1ª. Turma, AC 38.586-SP, rel. Min. Lafayette Guimarães)

“Admite-se a execução contra um sócio por dívida da sociedade, se esta não mais exerce atividade, sem que tenha sido distratada, e não se encontrem os bens de sua propriedade.” (RT 500/194)

“Se a sociedade cessou de fato suas atividades, embora sem regular dissolução, desocupando seu estabelecimento, de modo que não se encontrem bens seus para penhorar na execução fiscal, torna-se cabível a citação pessoal dos sócios gerentes, assim como a eventual penhora de seus bens particulares, ressalvando-se-lhes a possibilidade de embargas à execução.” (TJERJ, 5ª. CC, AI 8.447, desembargador relator Barbosa Moreira).

3 — Cf. AI nº. 2000.002.12426- 18ª CC, rel. Des. Roberto de Abreu; AI nº. 2000.002.10767- 3ª CC, rel. Des. Antonio Eduardo F. Duarte; AI nº. 1999.002.08878, 8ª. CC, rel. Des. Paulo Lara.

4 — STJ REsp 211.619-SP, rel. Min. Eduardo Ribeiro e Resp 370.068-GO, rel. Min.Nancy Andrighi.

5 — Julgado em 16/12/2003, quando em vigor o atual Código Civil.