Tarja de ladrão

Não sou juiz de sentenças vendidas, diz Paulo Medina

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26 de novembro de 2008, 15h50

“A imputação de crime é a tarja negra que nunca será retirada do peito de um magistrado acusado de corrupção. Basta-lhe a existência do processo: nunca se apagará da memória do povo e da dor do juiz a expressão ‘ele é um criminoso!’. Esse o desastroso legado que minha família terá — e sempre — de suportar: ‘ele é um criminoso!’”.

O desabafo é do ministro afastado do Superior Tribunal de Justiça Paulo Medina, que a partir desta quarta-feira (26/11), passa a ser réu em Ação Penal que vai apurar se ele é culpado dos crimes de prevaricação e corrupção passiva. A decisão foi tomada pelo Plenário do Supremo Tribunal Federal, que recebeu parte da denúncia apresentada pelo Ministério Público Federal contra o ministro. Por maioria de votos, a denúncia foi recebida apenas pelos crimes de prevaricação e corrupção passiva. Quanto ao crime de quadrilha, a acusação foi rejeitada.

Medina enviou carta à revista Consultor Jurídico em que afirma ser inocente e vítima de perseguição da Polícia Federal e do Ministério Público Federal. “A farejar o nada existente contra mim estão os policiais federais, respaldados pelo Procurador-Geral da República, Antônio Fernando de Souza, que distorce, corrompe, oculta ou altera, a verdade da Operação Hurricane, potencializada pela mídia que compromete a honra e a vida dos cidadãos, timbrando-os de juízes criminosos”, afirma o ministro na carta.

Paulo Medina é acusado de negociar, por intermédio de seu irmão Virgílio, uma liminar para liberar 900 máquinas de caça-níqueis aprendidas em Niterói, no Rio de Janeiro, em troca de propina de R$ 1 milhão — como em todos os casos semelhantes, o processo baseia-se em interceptações telefônicas. O esquema foi descoberto pela Polícia Federal, que deflagrou a Operação Hurricane no primeiro semestre do ano passado para prender os envolvidos. 25 pessoas foram detidas nos estados do Rio de Janeiro, São Paulo, Bahia e no Distrito Federal. Entre os presos estavam juízes, policiais, bicheiros, empresários e organizadores do Carnaval do Rio.

“Os fatos imputados a mim são inexistentes. Não há de se acolher o falacioso argumento de que adiante a instrução irá provar. No pelourinho da dor não se pendure à forca o magistrado e o homem de bem. O inquérito nada revela: indícios inexistentes, adminículo probatório que nada traduz senão irresponsável ilação de meus acusadores — policiais federais e Ministério Público — o que não basta como suporte a embasar a ânsia da acusação”, defende Medina.

“A visão do julgador, especialmente após a Constituição de 1988, há de servir e traduzir a garantia do Estado de Inocência. Ora, o inocente não busca provas negativas. O Estado de Direito Democrático exige da acusação o ônus da prova. Exige-se do Procurador-Geral da República elementos probatórios suficientes para embasar sua denúncia. E o acusador não o fez. Nada existe que possa adiantar a perspectiva de uma condenação. Assim, falta-lhe justa causa. Sem ela a denúncia não pode ser oferecida e jamais recebida.Sou inocente. Não há de se argüir o pretexto da impunidade para submeter alguém, magistrado ou não, a processo-crime”, diz o ministro.

Leia a carta de Paulo Medina

Tenho 40 (quarenta) anos de Magistratura. Todos os degraus de minha carreira, eu os percorri fazendo-o com humildade e dignidade.

Juiz de Direito em Minas Gerais, Juiz do Tribunal de Alçada, Desembargador, Corregedor-Geral de Justiça e Ministro do Superior Tribunal de Justiça. Professor de Direito Penal e Direito Processual Penal.

Não sou juiz de sentenças vendidas ou de propinas pagas. Sou magistrado e nas pegadas do caminho estão as marcas definitivas de minha retidão e caráter, honra e trabalho.

Estou acusado do crime mais grave imputado a um Juiz: corrupção passiva. Também, prevaricação e quadrilha.

Nunca pratiquei, em toda a minha vida, ato de corrupção. Abomino os que se corrompem, os subservientes e os pusilânimes.

Sou Juiz de um só tempo: o tempo de minha vida.

Estou tomado de indignação àqueles que, pela vociferação da má-fé ou da inveja, da calúnia e menosprezo a honra, empenham-se na minha destruição pessoal.

A farejar o nada existente contra mim estão os policiais federais, respaldados pelo Procurador-Geral da República, Antônio Fernando de Souza, que distorce, corrompe, oculta ou altera, a verdade da Operação Hurricane, potencializada pela mídia que compromete a honra e a vida dos cidadãos, timbrando-os de juízes criminosos.

A imputação de crime é a tarja negra que nunca será retirada do peito de um magistrado acusado de corrupção. Basta-lhe a existência do processo: nunca se apagará da memória do povo e da dor do juiz a expressão ‘ele é um criminoso!’. Esse o desastroso legado que minha família terá e sempre -de suportar: “ele é um criminoso!”.

Os fatos imputados a mim são inexistentes. Não há de se acolher o falacioso argumento de que adiante a instrução irá provar.

No pelourinho da dor não se pendure à forca o magistrado e o homem de bem.

O inquérito nada revela: indícios inexistentes, adminículo probatório que nada traduz senão irresponsável ilação de meus acusadores — policiais federais e Ministério Público — o que não basta como suporte a embasar a ânsia da acusação.

Sou inocente. É necessário, aos julgadores, prestar, sem mais tardança, o bloqueio da ação penal. Não se destroem reputações públicas e a privacidade de pessoas pela suspeita das paixões e do furor acusatório de vestais da moralidade, instaurando-se a ação penal.

A visão do julgador, especialmente após a Constituição de 1988, há de servir e traduzir a garantia do Estado de Inocência.

Ora, o inocente não busca provas negativas. O Estado de Direito Democrático exige da acusação o ônus da prova.

Exige-se do Procurador-Geral da República elementos probatórios suficientes para embasar sua denúncia. E o acusador não o fez. Nada existe que possa adiantar a perspectiva de uma condenação.

Assim, falta-lhe justa causa. Sem ela a denúncia não pode ser oferecida e jamais recebida.

Sou inocente. Não há de se argüir o pretexto da impunidade para submeter alguém, magistrado ou não, a processo-crime.

Não é justo dar início ou continuidade à ação penal.

Eu tenho mágoas. Não as cultivo com ódio em meu coração. A minha consciência está em paz.

Tenho razão bastante para crer em meus julgadores. Estou seguro de que não serei julgado pelo vozerio das ruas, pelo policialismo institucionalizado ou pela opinião dos veículos de comunicação que valorizam consciências pagas para acusar.

A crítica injusta sempre será injusta e não resgatará o dever de responsavelmente informar e divulgar.

Basta! Recolham-se as pedras. Sou inocente!

Eu confio no Supremo Tribunal Federal”.

PAULO MEDINA

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