Falsa proteção

Nova lei de escutas não irá coibir abusos de autoridades

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25 de novembro de 2008, 10h30

Após o escândalo de uma gravação ilegal de conversa mantida entre o presidente do Supremo Tribunal Federal Gilmar Mendes e o congressista Demóstenes Torres, em julho deste ano, tramitou a passos largos o Projeto de Lei 525/2007, que objetiva alterar a regulamentação das escutas telefônicas, tendo já sido aprovado pela Comissão de Constituição e Justiça do Senado.

A atual Lei sobre a matéria — 9.296, de 1996 — vem sendo muito criticada sob a alegação de que não define limite temporal para as escutas telefônicas, permitindo a manutenção da quebra de sigilo por longos períodos de tempo, o que representa indisfarçável abuso. Ela dispõe que a quebra de sigilo telefônico não pode exceder o prazo de 15 dias, renovável por igual tempo, uma vez comprovada a indispensabilidade do meio de prova. Até recentemente, tanto a doutrina quanto a jurisprudência dominante entendiam que a quebra podia ser prorrogada sucessivas vezes sem limites, viabilizando sua manutenção por longos períodos de tempo.

Após o escândalo envolvendo o ministro Gilmar Mendes, entretanto, o Superior Tribunal de Justiça, revendo sua posição (HC 76.686), declarou a nulidade de processo penal sob o fundamento de que, no caso concreto, as sucessivas autorizações judiciais para escutas telefônicas concedidas ao longo de dois anos violaram o princípio da razoabilidade. Segundo a decisão do STJ, portanto, a quebra do sigilo telefônico encontra limite nesse princípio.

O novo projeto de lei aprovado pela CCJ, entre outras coisas, pretende fixar um prazo certo e determinado para a quebra judicial do sigilo telefônico. Acontece, porém, que ele abre igual margem para abusos, já que, embora o juiz possa determinar a quebra do sigilo por período de 60 dias, prorrogáveis por mais 60, observado o prazo máximo de 360 dias, ele admite que tal limite seja ultrapassado em casos de crimes permanentes.

Nesse sentido, a futura lei, por si só, não será suficiente para coibir abusos de autoridades. A singela alegação de investigação de crime permanente, sem possibilidade do exercício do contraditório por parte dos afetados pela investigação, será o caminho fácil para contornar o limite legal.

É claro que, com base no princípio da razoabilidade, os desvios poderão ser evitados nesse novo regime jurídico. Mas daí a situação será igual à da atual lei. Em outras palavras, a garantia e proteção dos direitos e garantias individuais continuará apenas na Constituição Federal. Aliás, o prazo máximo de 360 dias previsto no projeto de lei para quebra do sigilo por ordem judicial já se mostra excessivo e um abuso legislativo.

Infelizmente, passados 20 anos da promulgação da Constituição Federal, parece que muitos ainda não a olharam com a necessária atenção e com os devidos cuidados. A criação de leis para tão somente reafirmar normas constitucionais traz apenas a falsa sensação de nova e mais ampla proteção jurídica.

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